Adão de Souza
Ribeiro
Ano de 1975. Mais precisamente, dia 18 de julho. Era para ser um ano como outro
qualquer, mas não foi. Eu acabara de completar dezesseis anos de idade e estava
prestes a mudar de minha Terra Natal. Até a metade daquele ano, tudo
transcorria na mais santa paz. O povoado seguia na sua vida bucólica.
Quem contemplava ao redor daquela cidade interiorana,
podia divisar as lindas plantações e, dentre elas, os verdes cafezais. Todas as
plantações (laranja, amora, melancia, hortaliça, etc.), davam um ar de riqueza, mostrando
como a natureza era bondosa. Os pés de café, chamado de “Ouro Verde”, mais
pareciam soldados rigorosamente enfileirados, marchando rumo à colheita.
Depois de plantados, as floradas ocorriam no mês
de setembro e novembro, que precediam os frutos. As flores presenteavam aquele
tapete verde, todo enfileirado, com um colorido muito especial. A colheita era
feita sete meses após a floração. No hemisfério sul, ocorria entre maio e
setembro.
Nasci em junho e, por isso, adorava a estação
de inverno. Eu tinha para mim, que naquela estação, dormia-se mais, cansava-se
menos, brincava-se mais e se alimentava melhor. Não que não gostasse das demais
estações, que fique bem claro. Longe disso.
No mês de julho daquele fatídico ano, fomos
acalentados por uma corriqueira noite fria. Eu lembro-me que até a meia noite,
o sono era suave. Mas lá pelas altas horas da madrugada, meus pais juntaram os
sete filhos numa cama de casal e redobrou com agasalhos individuais e, depois, reforçou
com cobertores.
O frio era tão violento, que parecia trincar
os ossos. Aquele flagelo parecia não acabar mais e assim foi até o amanhecer.
Nunca tinha visto e sentido tanto frio na minha vida. Ao clarear o dia, quando
saímos (eu e minha família) no quintal, pudemos ver uma extensa camada de neve
e de gelo, no beiral das janelas e sobre as plantas.
Não demorou muito, para correr a notícia de
que os fazendeiros e sitiantes depararam com suas lavouras devastadas pela maior
geada ocorrida na minha Terra Natal. A geada que percorreu o sul do Estado de Minas Gerais, oeste do Estado de São Paulo norte do Estado do Paraná, não perdoou nada que encontrou pela
frente. Os termômetros registram uma temperatura de -10c. Tudo foi impiedosamente devastado, como numa guerra nuclear.
Os agricultores (fazendeiros e sitiantes)
choravam os anos de dedicação, trabalho e investimentos financeiros. Por eles, foi chamada de "Geada Negra", por conta de congelar as plantas por dentro. Não sobrou um pé de café. “O que
vou fazer para quitar os empréstimos, ‘papagaios’ e hipotecas nas instituições
financeiras? Quem inventou Banco, não inventou para perder dinheiro” eles
lamentavam-se. E completavam: “Meu Deus, como vou fazer para pagar os
funcionários e sustentar minha família?”.
Aquela cidade pacata, com vocação para agricultura,
se viu tão fragilizada. A inesperada intempérie da natureza causou um prejuízo
em cadeia, ou seja, o comércio e os boias-frias, funcionários sem vínculo
empregatício, que perderam sua fonte de renda, por um longo tempo.
Portanto, o
mirrado comércio, não tinha para quem vender. Com a geada vieram: a dizimação dos cafezais, a falência dos agricultores, o desemprego, o empobrecimento da região e o êxodo rural. Não foi atoa, que o movimentado comércio aos sábados, desapareceu. A cidade ficou deserta e perdeu o encanto.
Veja só. Mustafá, o dono da loja de
armarinho, da Rua Rui Barbosa, soluçava de tanto chorar copiosamente. Seu
Menino, meu vizinho e dono da quitanda, indagava: ”Será que vou ter que vender as
verduras a preço de banana?“. Já Fukuda, dono do armazém da Rua Duque
de Caxias, resmungava: “Será que vou ter que cerrar as portas, para
sempre?”. “Batatinha’, dona do boteco da esquina, pensou: “É melhor
eu tomar uma ‘marvada’, ao invés de chorar.”.
Os matutos diziam que o que queima a plantação
não é a neve, mas, sim, o sol logo ao amanhecer. Se soubessem, teriam molhado a
plantação, a fim de lavar as folhas. Mas como naquele tempo, o Serviço de Meteorologia não era tão divulgado como hoje, meus conterrâneos agricultores,
padeceram do fator surpresa.
O que era para ser um ano de prosperidade
transformou-se num ano de desolação. Aquela geada congelou meu coração. Triste
lembrança, meu Deus!
Peruíbe SP, 20
de março de 2022.