domingo, 20 de março de 2022

A GEADA

 

Adão de Souza Ribeiro

 

                        Ano de 1975. Mais precisamente, dia 18 de julho. Era para ser um ano como outro qualquer, mas não foi. Eu acabara de completar dezesseis anos de idade e estava prestes a mudar de minha Terra Natal. Até a metade daquele ano, tudo transcorria na mais santa paz. O povoado seguia na sua vida bucólica.

                        Quem contemplava ao redor daquela cidade interiorana, podia divisar as lindas plantações e, dentre elas, os verdes cafezais. Todas as plantações (laranja, amora, melancia, hortaliça, etc.), davam um ar de riqueza, mostrando como a natureza era bondosa. Os pés de café, chamado de “Ouro Verde”, mais pareciam soldados rigorosamente enfileirados, marchando rumo à colheita.

                        Depois de plantados, as floradas ocorriam no mês de setembro e novembro, que precediam os frutos. As flores presenteavam aquele tapete verde, todo enfileirado, com um colorido muito especial. A colheita era feita sete meses após a floração. No hemisfério sul, ocorria entre maio e setembro.

                        Nasci em junho e, por isso, adorava a estação de inverno. Eu tinha para mim, que naquela estação, dormia-se mais, cansava-se menos, brincava-se mais e se alimentava melhor. Não que não gostasse das demais estações, que fique bem claro. Longe disso.

                        No mês de julho daquele fatídico ano, fomos acalentados por uma corriqueira noite fria. Eu lembro-me que até a meia noite, o sono era suave. Mas lá pelas altas horas da madrugada, meus pais juntaram os sete filhos numa cama de casal e redobrou com agasalhos individuais e, depois, reforçou com cobertores.

                        O frio era tão violento, que parecia trincar os ossos. Aquele flagelo parecia não acabar mais e assim foi até o amanhecer. Nunca tinha visto e sentido tanto frio na minha vida. Ao clarear o dia, quando saímos (eu e minha família) no quintal, pudemos ver uma extensa camada de neve e de gelo, no beiral das janelas e sobre as plantas.

                        Não demorou muito, para correr a notícia de que os fazendeiros e sitiantes depararam com suas lavouras devastadas pela maior geada ocorrida na minha Terra Natal. A geada que percorreu o sul do Estado de Minas Gerais, oeste do Estado de São Paulo norte do Estado do Paraná, não perdoou nada que encontrou pela frente. Os termômetros registram uma temperatura de -10c. Tudo foi impiedosamente devastado, como numa guerra nuclear.

                        Os agricultores (fazendeiros e sitiantes) choravam os anos de dedicação, trabalho e investimentos financeiros. Por eles, foi chamada de "Geada Negra", por conta de congelar as plantas por dentro. Não sobrou um pé de café. “O que vou fazer para quitar os empréstimos, ‘papagaios’ e hipotecas nas instituições financeiras? Quem inventou Banco, não inventou para perder dinheiro” eles lamentavam-se. E completavam: “Meu Deus, como vou fazer para pagar os funcionários e sustentar minha família?”.

                        Aquela cidade pacata, com vocação para agricultura, se viu tão fragilizada. A inesperada intempérie da natureza causou um prejuízo em cadeia, ou seja, o comércio e os boias-frias, funcionários sem vínculo empregatício, que perderam sua fonte de renda, por um longo tempo. 

                           Portanto, o mirrado comércio, não tinha para quem vender. Com a geada vieram: a dizimação dos cafezais, a falência dos agricultores, o desemprego, o empobrecimento da região e o êxodo rural. Não foi atoa, que o movimentado comércio aos sábados, desapareceu. A cidade ficou deserta e perdeu o encanto. 

                        Veja só. Mustafá, o dono da loja de armarinho, da Rua Rui Barbosa, soluçava de tanto chorar copiosamente. Seu Menino, meu vizinho e dono da quitanda, indagava: ”Será que vou ter que vender as verduras a preço de banana?“. Já Fukuda, dono do armazém da Rua Duque de Caxias, resmungava: “Será que vou ter que cerrar as portas, para sempre?”. “Batatinha’, dona do boteco da esquina, pensou: “É melhor eu tomar uma ‘marvada’, ao invés de chorar.”.

                        Os matutos diziam que o que queima a plantação não é a neve, mas, sim, o sol logo ao amanhecer. Se soubessem, teriam molhado a plantação, a fim de lavar as folhas. Mas como naquele tempo, o Serviço de Meteorologia não era tão divulgado como hoje, meus conterrâneos agricultores, padeceram do fator surpresa.

                        O que era para ser um ano de prosperidade transformou-se num ano de desolação. Aquela geada congelou meu coração. Triste lembrança, meu Deus!

 

Peruíbe SP, 20 de março de 2022.

3 comentários:

Unknown disse...

Mais uma obra prima convi nestas rocas colocava bacia com agua para congelar..mas as perdas angústia e desespero do foi enorme mas com a graça de Deus superada ....

léia disse...

Maravilhosa história .me recordo que neste ano foi de muito frio .
Parabéns poeta .

looslim@gmail.com disse...

Excelente crônica de uma tragédia para nossa cidade e região. Vivi essa geada e não tenho saudades. Parabéns 👏👏