domingo, 27 de outubro de 2019

AMOR DE PERDIÇÃO


Adão de Souza Ribeiro


Maria ama José
E ele ama Maria.
Tanto amor e fé,
Que até arrepia.


Amor gera filhos
Vida linda aquela
Tudo nos trilhos,
Paz feita, em tela.


Ele maltratou esposa
E o amor pereceu
Dele ela se enoja.
Tristeza meu Deus!


Nesse jogo de intriga,
Maria jogada à traça
Desejou uma amiga.
Vinho de outra taça.


Algo eu não entendo:
Se ela casa na igreja
Se vive no convento
Padre, louvado seja!


José, amigo, e agora?
Amor fugiu de medo
Felicidade se revigora
Vê se muda o enredo.


Peruíbe SP, 27 de outubro de 2019.



sábado, 26 de outubro de 2019

AS MADEIXAS DE MADALENA


Adão de Souza Ribeiro

As madeixas de Madalena
Tinham elas, encantos mil.
Era assim, um lindo poema,
Escrito com amor, fio a fio.


Madalena esbanjava graças,
Com seus belos seios fartos.
Eu sei, eram atraentes taças,
Não são histórias, são fatos.


Ela tinha o dom da sedução,
Com aquele manso gingado.
Foi assim que meu coração,
Sem querer, por ela, fisgado.


Madalena, por onde tu andas?
Em que coração, habita agora?
Amada, as saudades são tantas,
De tristeza minha alma chora.


Madalena, tua linda madeixa,
Bailando suave à distância,
Assim sem querer me deixa
Eterna lembrança da infância.

Peruíbe SP, 26 de outubro de 2019.

domingo, 20 de outubro de 2019

O PATO E A LAGOA


Adão de Souza Ribeiro

Um pato na lagoa,
Assim feito criança;
Brinca, ria à toa,
E nunca se cansa.

Naquele doce bailar,
A alma leve flutua.
Parece o verbo amar,
Querendo beijar a lua.

Ser feliz nada custa.
Vida nada se espera.
Para que tanta luta,
Se tudo é quimera?

A paz de presente.
O rio de felicidade.
Ainda tem gente,
Trocando pela cidade.

Na lagoa o pato
Feliz perde a hora
Então fez um pacto:
O tempo é agora.

Mauá SP, 20 de outubro de 2019.

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

PÉ NA ESTRADA

Adão de Souza Ribeiro

                                   Cristóvão era um homem tenaz e arrojado. Ainda envolto nas fraldas, deixou uma pequena cidade baiana, localizada no alto do rio São Francisco. E feito retirante, partiu rumo à outra cidade encrustada na noroeste do Estado mais rico da União. Ali nos braços de seus pais, cravou morada e marcou território. Por oito décadas, escreveu em letras góticas, a história mais linda que se viu. Escreveu e assinou, deixando sua marca registrada.
                                    Passou a infância e a juventude, entre a escola e a lavoura. Ganhou dos pais, o gosto pelo trabalho e, também, o comportamento rude, em razão da vida rude. De pouca conversa, mas de honestidade impar, ensinou aos seus rebentos, o caminho a ser percorrido, em busca da sobrevivência. No auge da juventude, ao participar da festa junina, numa cidade próxima, enamorou-se por uma jovem, para depois, desposar-se dela.
                                   O jovem casal, por força do destino, deu continuidade à história, gerando filhos, sete no total. Certo é que a pacata cidade foi, aos poucos, moldando o destino de Cristóvão. No estudo não passou da quarta série primária, mas a sapiência adquirida nasceu da luta cotidiana, escrita no quadro negro da vida. Ele amava o lugarejo e o povo o admirava e respeitava. Ao longo dos anos, a vida ganhava forma diferente, a cidade crescia e Cristóvão seguia o destino de ser cidadão e genitor.
                                   Um belo dia, a vida presenteou-o com uma encantadora surpresa e o destino beijou-lhe suavemente o rosto. As mãos calejadas pelo cabo do guatambu passaram a conduzir o seu sonho rumo ao amanhã. Antes caminhava a pé, até o bairro Bondade, carregando nas costas, as ferramentas para lida na lavoura de café, além do “imborná”, com o sustento para o almoço. Daquele dia em diante, as mãos que desde a infância, foram forjadas para o trabalho, passaram a tocar o volante de um caminhão. A lavoura, plantada e capinada por ele e transportada no lombo do burro, agora usaria a carroceria do Mercedes Benz, para ser entregue em outros rincões, além daquela pequena cidade.
                                   E assim, Cristóvão trocou a estrada de chão batido, com pontes de madeira e cerca de arame farpado, nas laterais, pela estrada de asfalto, com viadutos e placas de sinalizações em suas laterais. Naquela longa estrada da vida, enfrentou o dia e a noite, chuva e sol, calor e frio. E, ainda, os perigos em cada curva e parada, a fim de abastecer o veiculo ou para o repouso de um corpo cansado de tanta luta. Tinha compromissos a serem honrados e família para sustentar. Não podia esmorecer. Era um homem rude, para com uma vida tão rude.
                                   Para os fedelhos, sete no total, era rotina ver o pai sair com o caminhão carregado de mercadoria, ora para serem entregues no entreposto de alimentos em São Paulo SP, ora para o porto marítimo de Santos SP. Quando o caminhão convergia à esquerda, adentrando a Rua Almirante Barroso, com destino a rodovia, tudo era mistério, pois, pelo risco da estrada, não sabia se voltaria. E quando o pai regressava tudo era festa, tudo era paz. Sabia o primogênito dos irmãos, que a dedicação e o amor de Cristóvão, custaram-lhe a juventude e que, por conta da responsabilidade, não viu os filhos crescerem. Quantas vezes tomou conhecimento do nascimento de um dos herdeiros, estando ainda na estrada.
                                   Por conta de longas horas, enfurnado na boleia do caminhão, contraiu problemas de saúde que acabaram afetando o coração, articulação, visão, pulmão e tantas outras coisas. O corpo era uma máquina, assim como o caminhão, precisava de descanso ou recompor a energia. Mas tinha compromissos a serem honrados e família para sustentar. Não podia esmorecer. Naquelas idas e vindas, o tempo passou e passou o tempo. A carga da idade começou a pesar nas costas daquele homem tenaz e arrojado. Os pés já não mais caminhavam com o mesmo ritmo, pelas longas estradas da vida.
                                   O tempo feito um caminhão desenfreado, levou a família a destinos inesperados. Cresceram, estudaram, mudaram, casaram e formaram novas famílias. Mas ficou gravado na retina, o caminhão saindo carregado de mercadoria e seu Cristóvão ao volante, acenando para os filhos, até sumir no horizonte. E os filhos, por suas vezes, esperançosos de deitarem no colo do pai, em busca de afago, quando ele voltasse daquela longa e cansativa viagem.
                                   Mas um belo dia, seu Cristóvão fincou o pé na estrada, para uma viagem derradeira e nunca mais voltou. O ronco do motor, o piscar dos faróis, a canção da buzina, como era de costume, marcou para sempre, na memória de todos da família. Do seu rosto alegre, partindo para aquela viagem derradeira, antes do combinado, restou apenas saudade.

Peruíbe SP, 18 de outubro de 2019.

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

O PONTO


Adão de Souza Ribeiro

                        Quando estou taciturno, saio por aí, caminhando a esmo. Ao perambular sem pressa, pelas províncias do “Reino Caiçara”, contemplo tudo o que se descortina à volta, hipnotizado pelas cenas cotidianas. Nada escapa à retina dos meus olhos e nem às lembranças tardias, daquilo que a memória gravou sobre lugares e pessoas. Divago por longo tempo e, assim, distancio-me das preocupações rotineiras e das decepções, que tanto afligem a alma e o coração.
                        As províncias e as capitanias hereditárias do reino são ricas em tudo. Ricas na sua fauna e flora, assim como, na biodiversidade costeira. Um mar exuberante, com lugares paradisíacos e propícios ao romantismo, se bem que isso está em desuso. Um povo receptivo e, em razão do clima praiano, não tem pressa para nada. O Sol escaldante, o vai e vem das ondas, bebida fermentada ou destilada, água de coco gelada, um petisco oriundo do mar e a doce imagem de uma ninfeta desfilando na areia encantam os olhos de todos os seres viventes.
                        Mas ele, o reino, também tem lá suas mazelas. Basta distanciar-se para o interior das províncias longínquas dos olhos do Palácio Real, para notar-se o que há de mais triste, no que diz respeito ao abandono do bem público e aos súditos desvalidos. Quem por lá transita, com olhos de observador, tem a impressão que se caminha por outro mundo, um lugar abandonado por alguém, que jurou ser fiel às necessidades intrínsecas do ser humano. Matos ao redor dos casebres, dejetos escorrendo a céu aberto, buracos ao longo do caminho, ruas ermas e sem iluminação, falta de transporte e por ai se vai.
                        Enquanto isso, a Família Real, a Corte e seus bajuladores, os Ministros, os membros da Câmara dos Lordes e da Câmara dos Comuns e, ainda, da Suprema Corte, vão muito bem, obrigado. Os que governam se locupletam do luxo e da mordomia, enquanto que a plebe vive num misere de dar pena. E o que é pior, o povo sofrido se contenta com as migalhas recebidas e agradecem os seus exploradores, como se aqueles, estivem fazendo favores. Cada povo tem o rei (governante) que merece.  Fico indignado, revolto-me, pois não sou um boi de canga.
                        Nas minhas andanças, como um retirante nordestino, faço minhas paradas para o descanso do corpo, já carcomido pelo tempo. Então, ali no meu descanso repentino, deleito-me a conversar com as pessoas simples. Delas ouço todo tipo de lamento. Enquanto o povo sofrido vive de migalhas, a burra da Família Real e dos nobres da Corte está empantufada de moedas de ouro. E o povo? Ah, o povo! O povo é apenas uma massa de manobra.
                        Quando o Rei Fabrício, ascendeu ao trono, após a queda de sua antecessora, a rainha insana e incompetente, ele prometeu um Governo sério e transparente. Quando, ao ser coroado por sua Santidade, o Papa Raimundo I, jurou fidelidade ao povo e erradicação da miséria. Disse que seus governados deveriam esquecer o passado e que transformaria o novo reino, num paraíso. No entanto, não disse a quem pertenceria o novo paraíso.
                        Reportando às minhas andanças, onde sempre exerci o eterno dom de observador, pude separar o joio do trigo. Notei que havia um muro imaginário, o qual dividia o mundo, estando de um lado, o real e, do outro, o utópico.  Mas são nas coisas e nas atitudes simples, que podemos avaliar a competência e a honestidades de nossos governantes. Ao passar defronte uma parada de ônibus, onde embarcava os passageiros, notei que estava quebrada e bambeando das pernas. Tal parada (ponto, como era popularmente conhecida), ficava próxima ao hospital, onde a plebe era atendida e não a realeza. Batava um mirrado vento de noroeste, para destruí-la por completo.
                        Creio que vossa majestade, o Rei Fabrício, ao desfilar com a carruagem real, escoltada pelos cavaleiros oficiais e, ainda, rodeado de seus asseclas e bajuladores, não notaria a existência de uma das marcas registradas de seu desleixo para com o patrimônio público e, muito menos, pelo desrespeito ao povo que o venera.
                        Mas, estava certo de que, um dia, encontraria o Soberano vagando sozinho pelas cercanias do Palácio Real. Então, estando ele longe de seus vassalos e asseclas aproximar-me-ia dele e faria algumas observações ao seu desgoverno. Dentre tantas coisas e, em especial, à mencionada parada de ônibus, por mim observada, com toda deferência diria, cochichando aos seus ouvidos, a fim de não constrangê-lo:
                        Majestade, a que ponto nós chegamos!”

Peruíbe SP, 09 de outubro de 2019.