Adão de Souza
Ribeiro
Cristóvão era um homem tenaz e arrojado.
Ainda envolto nas fraldas, deixou uma pequena cidade baiana, localizada no alto
do rio São Francisco. E feito retirante, partiu rumo à outra cidade encrustada
na noroeste do Estado mais rico da União. Ali nos braços de seus pais, cravou
morada e marcou território. Por oito décadas, escreveu em letras góticas, a
história mais linda que se viu. Escreveu e assinou, deixando sua marca
registrada.
Passou
a infância e a juventude, entre a escola e a lavoura. Ganhou dos pais, o gosto
pelo trabalho e, também, o comportamento rude, em razão da vida rude. De pouca
conversa, mas de honestidade impar, ensinou aos seus rebentos, o caminho a ser
percorrido, em busca da sobrevivência. No auge da juventude, ao participar da
festa junina, numa cidade próxima, enamorou-se por uma jovem, para depois,
desposar-se dela.
O jovem casal, por força do
destino, deu continuidade à história, gerando filhos, sete no total. Certo é
que a pacata cidade foi, aos poucos, moldando o destino de Cristóvão. No estudo
não passou da quarta série primária, mas a sapiência adquirida nasceu da luta
cotidiana, escrita no quadro negro da vida. Ele amava o lugarejo e o povo o
admirava e respeitava. Ao longo dos anos, a vida ganhava forma diferente, a
cidade crescia e Cristóvão seguia o destino de ser cidadão e genitor.
Um belo dia, a vida presenteou-o
com uma encantadora surpresa e o destino beijou-lhe suavemente o rosto. As mãos
calejadas pelo cabo do guatambu passaram a conduzir o seu sonho rumo ao amanhã.
Antes caminhava a pé, até o bairro Bondade, carregando nas costas, as
ferramentas para lida na lavoura de café, além do “imborná”, com o sustento
para o almoço. Daquele dia em diante, as mãos que desde a infância, foram
forjadas para o trabalho, passaram a tocar o volante de um caminhão. A lavoura,
plantada e capinada por ele e transportada no lombo do burro, agora usaria a
carroceria do Mercedes Benz, para ser entregue em outros rincões, além daquela
pequena cidade.
E assim, Cristóvão trocou a
estrada de chão batido, com pontes de madeira e cerca de arame farpado, nas
laterais, pela estrada de asfalto, com viadutos e placas de sinalizações em
suas laterais. Naquela longa estrada da vida, enfrentou o dia e a noite, chuva
e sol, calor e frio. E, ainda, os perigos em cada curva e parada, a fim de
abastecer o veiculo ou para o repouso de um corpo cansado de tanta luta. Tinha
compromissos a serem honrados e família para sustentar. Não podia esmorecer.
Era um homem rude, para com uma vida tão rude.
Para os fedelhos, sete no total,
era rotina ver o pai sair com o caminhão carregado de mercadoria, ora para serem
entregues no entreposto de alimentos em São Paulo SP, ora para o porto marítimo
de Santos SP. Quando o caminhão convergia à esquerda, adentrando a Rua
Almirante Barroso, com destino a rodovia, tudo era mistério, pois, pelo risco
da estrada, não sabia se voltaria. E quando o pai regressava tudo era festa,
tudo era paz. Sabia o primogênito dos irmãos, que a dedicação e o amor de
Cristóvão, custaram-lhe a juventude e que, por conta da responsabilidade, não
viu os filhos crescerem. Quantas vezes tomou conhecimento do nascimento de um
dos herdeiros, estando ainda na estrada.
Por conta de longas horas, enfurnado
na boleia do caminhão, contraiu problemas de saúde que acabaram afetando o
coração, articulação, visão, pulmão e tantas outras coisas. O corpo era uma
máquina, assim como o caminhão, precisava de descanso ou recompor a energia.
Mas tinha compromissos a serem honrados e família para sustentar. Não podia
esmorecer. Naquelas idas e vindas, o tempo passou e passou o tempo. A carga da
idade começou a pesar nas costas daquele homem tenaz e arrojado. Os pés já não
mais caminhavam com o mesmo ritmo, pelas longas estradas da vida.
O tempo feito um caminhão
desenfreado, levou a família a destinos inesperados. Cresceram, estudaram, mudaram,
casaram e formaram novas famílias. Mas ficou gravado na retina, o caminhão
saindo carregado de mercadoria e seu Cristóvão ao volante, acenando para os
filhos, até sumir no horizonte. E os filhos, por suas vezes, esperançosos de
deitarem no colo do pai, em busca de afago, quando ele voltasse daquela longa e
cansativa viagem.
Mas um belo dia, seu Cristóvão
fincou o pé na estrada, para uma viagem derradeira e nunca mais voltou. O ronco
do motor, o piscar dos faróis, a canção da buzina, como era de costume, marcou
para sempre, na memória de todos da família. Do seu rosto alegre, partindo para
aquela viagem derradeira, antes do combinado, restou apenas saudade.
Peruíbe SP, 18 de
outubro de 2019.