quarta-feira, 9 de outubro de 2019

O PONTO


Adão de Souza Ribeiro

                        Quando estou taciturno, saio por aí, caminhando a esmo. Ao perambular sem pressa, pelas províncias do “Reino Caiçara”, contemplo tudo o que se descortina à volta, hipnotizado pelas cenas cotidianas. Nada escapa à retina dos meus olhos e nem às lembranças tardias, daquilo que a memória gravou sobre lugares e pessoas. Divago por longo tempo e, assim, distancio-me das preocupações rotineiras e das decepções, que tanto afligem a alma e o coração.
                        As províncias e as capitanias hereditárias do reino são ricas em tudo. Ricas na sua fauna e flora, assim como, na biodiversidade costeira. Um mar exuberante, com lugares paradisíacos e propícios ao romantismo, se bem que isso está em desuso. Um povo receptivo e, em razão do clima praiano, não tem pressa para nada. O Sol escaldante, o vai e vem das ondas, bebida fermentada ou destilada, água de coco gelada, um petisco oriundo do mar e a doce imagem de uma ninfeta desfilando na areia encantam os olhos de todos os seres viventes.
                        Mas ele, o reino, também tem lá suas mazelas. Basta distanciar-se para o interior das províncias longínquas dos olhos do Palácio Real, para notar-se o que há de mais triste, no que diz respeito ao abandono do bem público e aos súditos desvalidos. Quem por lá transita, com olhos de observador, tem a impressão que se caminha por outro mundo, um lugar abandonado por alguém, que jurou ser fiel às necessidades intrínsecas do ser humano. Matos ao redor dos casebres, dejetos escorrendo a céu aberto, buracos ao longo do caminho, ruas ermas e sem iluminação, falta de transporte e por ai se vai.
                        Enquanto isso, a Família Real, a Corte e seus bajuladores, os Ministros, os membros da Câmara dos Lordes e da Câmara dos Comuns e, ainda, da Suprema Corte, vão muito bem, obrigado. Os que governam se locupletam do luxo e da mordomia, enquanto que a plebe vive num misere de dar pena. E o que é pior, o povo sofrido se contenta com as migalhas recebidas e agradecem os seus exploradores, como se aqueles, estivem fazendo favores. Cada povo tem o rei (governante) que merece.  Fico indignado, revolto-me, pois não sou um boi de canga.
                        Nas minhas andanças, como um retirante nordestino, faço minhas paradas para o descanso do corpo, já carcomido pelo tempo. Então, ali no meu descanso repentino, deleito-me a conversar com as pessoas simples. Delas ouço todo tipo de lamento. Enquanto o povo sofrido vive de migalhas, a burra da Família Real e dos nobres da Corte está empantufada de moedas de ouro. E o povo? Ah, o povo! O povo é apenas uma massa de manobra.
                        Quando o Rei Fabrício, ascendeu ao trono, após a queda de sua antecessora, a rainha insana e incompetente, ele prometeu um Governo sério e transparente. Quando, ao ser coroado por sua Santidade, o Papa Raimundo I, jurou fidelidade ao povo e erradicação da miséria. Disse que seus governados deveriam esquecer o passado e que transformaria o novo reino, num paraíso. No entanto, não disse a quem pertenceria o novo paraíso.
                        Reportando às minhas andanças, onde sempre exerci o eterno dom de observador, pude separar o joio do trigo. Notei que havia um muro imaginário, o qual dividia o mundo, estando de um lado, o real e, do outro, o utópico.  Mas são nas coisas e nas atitudes simples, que podemos avaliar a competência e a honestidades de nossos governantes. Ao passar defronte uma parada de ônibus, onde embarcava os passageiros, notei que estava quebrada e bambeando das pernas. Tal parada (ponto, como era popularmente conhecida), ficava próxima ao hospital, onde a plebe era atendida e não a realeza. Batava um mirrado vento de noroeste, para destruí-la por completo.
                        Creio que vossa majestade, o Rei Fabrício, ao desfilar com a carruagem real, escoltada pelos cavaleiros oficiais e, ainda, rodeado de seus asseclas e bajuladores, não notaria a existência de uma das marcas registradas de seu desleixo para com o patrimônio público e, muito menos, pelo desrespeito ao povo que o venera.
                        Mas, estava certo de que, um dia, encontraria o Soberano vagando sozinho pelas cercanias do Palácio Real. Então, estando ele longe de seus vassalos e asseclas aproximar-me-ia dele e faria algumas observações ao seu desgoverno. Dentre tantas coisas e, em especial, à mencionada parada de ônibus, por mim observada, com toda deferência diria, cochichando aos seus ouvidos, a fim de não constrangê-lo:
                        Majestade, a que ponto nós chegamos!”

Peruíbe SP, 09 de outubro de 2019.

Um comentário:

Unknown disse...

Excelente! Cada dia me encanto mais! Forte abraço