Adão de Souza
Ribeiro
Quando estou taciturno, saio por aí,
caminhando a esmo. Ao perambular sem pressa, pelas províncias do “Reino
Caiçara”, contemplo tudo o que se descortina à volta, hipnotizado pelas cenas
cotidianas. Nada escapa à retina dos meus olhos e nem às lembranças tardias,
daquilo que a memória gravou sobre lugares e pessoas. Divago por longo tempo e,
assim, distancio-me das preocupações rotineiras e das decepções, que tanto afligem
a alma e o coração.
As províncias e as capitanias hereditárias do
reino são ricas em tudo. Ricas na sua fauna e flora, assim como, na
biodiversidade costeira. Um mar exuberante, com lugares paradisíacos e propícios
ao romantismo, se bem que isso está em desuso. Um povo receptivo e, em razão do
clima praiano, não tem pressa para nada. O Sol escaldante, o vai e vem das
ondas, bebida fermentada ou destilada, água de coco gelada, um petisco oriundo
do mar e a doce imagem de uma ninfeta desfilando na areia encantam os olhos de
todos os seres viventes.
Mas ele, o reino, também tem lá suas mazelas.
Basta distanciar-se para o interior das províncias longínquas dos olhos do
Palácio Real, para notar-se o que há de mais triste, no que diz respeito ao
abandono do bem público e aos súditos desvalidos. Quem por lá transita, com olhos
de observador, tem a impressão que se caminha por outro mundo, um lugar
abandonado por alguém, que jurou ser fiel às necessidades intrínsecas do ser humano.
Matos ao redor dos casebres, dejetos escorrendo a céu aberto, buracos ao longo
do caminho, ruas ermas e sem iluminação, falta de transporte e por ai se vai.
Enquanto isso, a Família Real, a Corte e seus
bajuladores, os Ministros, os membros da Câmara dos Lordes e da Câmara dos
Comuns e, ainda, da Suprema Corte, vão muito bem, obrigado. Os que governam se
locupletam do luxo e da mordomia, enquanto que a plebe vive num misere de dar
pena. E o que é pior, o povo sofrido se contenta com as migalhas recebidas e
agradecem os seus exploradores, como se aqueles, estivem fazendo favores. Cada
povo tem o rei (governante) que merece. Fico
indignado, revolto-me, pois não sou um boi de canga.
Nas minhas andanças, como um retirante
nordestino, faço minhas paradas para o descanso do corpo, já carcomido pelo
tempo. Então, ali no meu descanso repentino, deleito-me a conversar com as
pessoas simples. Delas ouço todo tipo de lamento. Enquanto o povo sofrido vive
de migalhas, a burra da Família Real e dos nobres da Corte está empantufada de moedas
de ouro. E o povo? Ah, o povo! O povo é apenas uma massa de manobra.
Quando o Rei Fabrício, ascendeu ao trono,
após a queda de sua antecessora, a rainha insana e incompetente, ele prometeu um
Governo sério e transparente. Quando, ao ser coroado por sua Santidade, o Papa
Raimundo I, jurou fidelidade ao povo e erradicação da miséria. Disse que seus
governados deveriam esquecer o passado e que transformaria o novo reino, num
paraíso. No entanto, não disse a quem pertenceria o novo paraíso.
Reportando às minhas andanças, onde sempre exerci
o eterno dom de observador, pude separar o joio do trigo. Notei que havia um
muro imaginário, o qual dividia o mundo, estando de um lado, o real e, do
outro, o utópico. Mas são nas coisas e
nas atitudes simples, que podemos avaliar a competência e a honestidades de
nossos governantes. Ao passar defronte uma parada de ônibus, onde embarcava os
passageiros, notei que estava quebrada e bambeando das pernas. Tal parada
(ponto, como era popularmente conhecida), ficava próxima ao hospital, onde a
plebe era atendida e não a realeza. Batava um mirrado vento de noroeste, para
destruí-la por completo.
Creio que vossa majestade, o Rei Fabrício, ao
desfilar com a carruagem real, escoltada pelos cavaleiros oficiais e, ainda,
rodeado de seus asseclas e bajuladores, não notaria a existência de uma das
marcas registradas de seu desleixo para com o patrimônio público e, muito
menos, pelo desrespeito ao povo que o venera.
Mas, estava certo de que, um dia, encontraria
o Soberano vagando sozinho pelas cercanias do Palácio Real. Então, estando ele
longe de seus vassalos e asseclas aproximar-me-ia dele e faria algumas
observações ao seu desgoverno. Dentre tantas coisas e, em especial, à
mencionada parada de ônibus, por mim observada, com toda deferência diria,
cochichando aos seus ouvidos, a fim de não constrangê-lo:
“Majestade, a que ponto nós chegamos!”
Peruíbe SP, 09
de outubro de 2019.
Um comentário:
Excelente! Cada dia me encanto mais! Forte abraço
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