quarta-feira, 9 de março de 2022

DIA DE TORMENTA

 

Adão de Souza Ribeiro

 

                        O vilarejo era povoado, na sua quase totalidade, por casinhas de madeira e de pau-a-pique. E as casas de alvenaria, tinham os rebocos caídos, denunciando que já estavam carcomidas pelo tempo. Todas as ruas eram de chão batido, onde os pássaros faziam caracol, no areião. As frondosas árvores centenárias fincadas, onde deveriam ser calçadas, proporcionavam deliciosas sombras, em tardes de verão.

                        O povo simples e de costumes simples, seguia calmo a lida diária. Muitos rumavam cedo para a lavoura, enquanto outros tentavam sobreviver com o comércio mirrado. Um cachorro magro e pestilento caminhava cabisbaixo pela rua. As mulheres, entocadas em casa, cuidavam do lar e do sagrado dever de educar os filhos para o futuro. Que futuro, meu Deus?

                        Os quintais, sem muros divisórios ou frontais, eram sinônimos de boa convivência entre os vizinhos. Eles (quintais) repletos de árvores, plantas e flores, viviam harmoniosos entre si. Lá no alto, no pé de mexerica, havia o ninho de fogo-pagô, com três ovinhos. Borboletas de cores variadas e pequenos pássaros dividiam o espaço, em busca de alimentos.

                        Os moleques, de short, sem camisa e descalços, brincavam ininterruptamente, para lá e para cá, isso do amanhecer até o entardecer. Já as meninas, montavam cabaninhas debaixo das laranjeiras e brincavam de casinha, cuidando de suas filhas (bonecas). Na chaminé, a fumaça avisava que o almoço estava a caminho.

                        O vilarejo era um dos lugares mais quentes, na região noroeste do Estado. O céu de brigadeiro servia de cenário para coreografia do bailar das andorinhas. O badalar do sino na torre da Igreja Matriz anunciava que já era meio dia. Tudo ali inspirava paz e tranquilidade.

                        De repente, tudo começou mudar. Já passava das dezesseis horas, quando o céu começara mudar de cor, onde o azul celeste, fora dando lugar ao cinzento, para em seguida, escurecer, tornando-se negro. Não demorou, para que o dia virasse noite. Aos poucos, uma nuvem carregada foi liberando as primeiras gotas de chuva, seguida de raios e fortes rajadas de trovões. Recolhemos às pressas e nossos pais trancaram portas e janelas.

                        As gotas, que no início eram suaves, começaram a fazer barulho no telhado de zinco, sem forro, bem como, nas portas e janelas de madeira rústica, como se fossem bolinhas de gude. O som era tão forte, que parecia um bombardeio. Na realidade, eram granizos de diversos tamanhos. 

                            Da fresta da janela, podíamos ver os galhos das árvores envergarem para lá e para cá, resistindo aos ventos fortes. Não se ouvia o gorjear dos pássaros, o cacarejar das galinhas no poleiro e muito menos, o bailar das borboletas.

                        Meus pais, de fé inabalável, puseram-se a rezar longas e intermináveis orações. As velas acesas no oratório, quase se apagavam com o vento, que entrava pelas frestas da janela. Minha mãe lançara no quintal, os “ramos santos”, benzidos pelo padre Antônio e recebidos no “Domingo de Ramos”, para acalmar e parar a tempestade. Meus pais, meus irmãos e eu, reunimo-nos num dos quartos, para esperarmos a tormenta passar.

                        Diante daquela tormenta, parecia que o céu desabara sobre minha Terra Natal. Eu, tremendo de medo ali no quarto, pus-me a pensar nos ovinhos do fogo-pagô,  lá no pé de mexerica, nas galinhas em seu poleiro, nas borboletas, nas andorinhas e nos conterrâneos em seus paupérrimos casebres. “Deus há de protegê-los e confortá-los”, eu pedia ao Pai Celestial, em pensamentos.

                        Por que será que Deus permite que a natureza haja com tamanha violência contra aquele lugarejo?”, eu pensava enquanto tudo acontecia. Nada compreendia. Hoje, diante de tudo o que vejo, isto é, as agressões contra a natureza e os homens agindo uns contra os outros como animais, eu compreendo que aquele “Dia de Tormenta”, era Deus demonstrando o seu infinito poder sobre a terra e os homens. Certo é que todos pagam, isto é, os bons e os ruins.

                        No dia seguinte, a situação em que eu vi o lugarejo, conto depois. Por hoje, chega de tanta tragédia!

Peruíbe SP, 09 de março de 2022.

 

 

 

 

3 comentários:

Unknown disse...

Planeta de provas e expiação não e moleza não somos espíritos maus atrasados ninguém escapa das semeadoras que fizemos

Unknown disse...

Parabéns Adão...como sempre os seus contos são muito bons.
Parece até que eu estava lá, passando por toda aquela tormenta!!!

Lallo disse...

Explendido conto meu amigo até parece quê aconteceu em Guaimbê háuitos anos atrás quando chegamos a cidadezinha não tinha luz elétrica! Parabéns Adão !! Abraços!!