Adão de Souza
Ribeiro
Eu vi, ninguém me contou. Estava lá, não era
lenda ou fofoca. Não me prendo pelo ouvido, do que os outros dizem. Sou como
São Tomé, creio naquilo que vejo. Tenho pena dos que se deixam levar por
opiniões alheias. Por exemplo, a maior prova de mau gosto, é andar atrás da
moda. Temos que ter opinião e personalidade própria.
Outro dia, caminhando solitariamente pelas
ruas descalças do reino, acabei por desembocar num restaurante aos arredores do
Palácio Real. O cheiro dos alimentos hipnotizou-me e aguçou meu paladar.
Caminhava há horas, com o sol a pino e, por isso, a sede e a fome, devorava
minhas vísceras. Os garçons vestidos à rigor, os cozinheiros, o barman e os
churrasqueiros numa lida desenfreada, para servirem os convivas, chamou-me a atenção.
Procurei uma mesa discreta, num dos cantos do
restaurante e me instalei ali, à espera de ser atendido. Enquanto esperava para
ser servido, meus olhos passearam por cada centímetro daquele lugar. O tilintar
dos copos e talheres, entoavam uma canção suave aos meus ouvidos. Sorrisos descontraídos
e vozes desconexas denunciavam um lugar cheio de pessoas famintas. E eu ali,
quieto e solitário, observava a agitação do lugar.
Ao ser servido, pedi como prato de entrada,
uma salada caesar e, depois, como prato principal, anchova grelhada com tomate
conflitado light. Também, quis degustar um vinho Dorilli Cerasuolo Di Vottoria
Clásico. Enquanto saboreava, fiquei observado os rostos das pessoas ali.
Moçoilas românticas e coroas ranzinzas adornavam o ambiente. Ao fundo, uma
música orquestrada, dava um toque clássico ao lugar.
De repente, nada mais que de repente, meus
olhos fixaram numa mesa suntuosa, onde ali se assentavam o Primeiro Ministro, o
Ajudante de Ordens do Palácio e um empresário, muito assediado pelos membros da
Corte. Do lado de fora, homens de preto, faziam a escolta dos ocupantes daquela
mesa invejável. Fechou-se o espaço aéreo e soldados do Exército Real isolavam o
local. Não sei como consegui chegar ali, sem ser molestado.
O Primeiro Ministro, um grande fanfarrão,
dava altas gargalhadas, enquanto devorava partes de um pernil. Já o Ajudante de
Ordens, um pouco mais discreto, fazia às vezes de um cicerone, deixando o
empresário à vontade naquele ambiente. Os funcionários, cientes da importância
daqueles comensais, dispensavam as melhores atenções e atendimento. Os ocupantes
da mesa, não poupavam pedidos e não se importavam com os valores a serem pagos.
Aquele almoço renderia dividendo, com
certeza. Longe dos holofotes dos paparazzi e dos repórteres de tabloides marrons,
poderiam explanar seus pensamentos. Traçar planos e cálculos infalíveis, sobre
o destino do Reino Caiçara, sem caírem na malha fina de um leão voraz. Apimentavam
a conversa de tal forma que, ao final do diálogo, não se azedasse o pé do
frango. Ninguém se aproximava da mesa, exceto os garçons, os quais, assim como
a justiça, eram cegos, surdos e mudos.
Por longo tempo, fiquei observando aquela
cena. Entristeceu-me saber que os gastos daquele almoço, sairiam do erário
público. Não só o almoço, mas, principalmente, o que ali seria tratado. É certo
que as decisões escusas, são resolvidas longe do muro palaciano. Os reinos
vizinhos também sofriam daquela epidemia. Faz parte da cultura dos mandatários,
subestimar a inteligência do povo.
Percebi a ausência da Rainha e de seu
consorte. Teria Vossa Majestade, sido avisada de tal almoço? Podem seus
representantes diretos, decidirem assuntos reais sem seu conhecimento e
consentimento? O que diriam os súditos, plebeus e vassalos, diante de tal cena?
Alheios a tudo isso, lá estavam eles, comendo e bebendo o que de melhor era servido.
Os frequentadores do lugar, ficavam estarrecidos com tudo aquilo, sem
entenderem o porquê.
É certo que o reino andava cambaleando das
pernas. Pipocavam aqui e ali, protestos contra decisões palacianas. Os
desfalques nos cofres reais causavam revoltas e, por isso, é que caia
assustadoramente, a popularidade da Monarca. A dança das cadeiras do primeiro
escalão, de nada adiantava. As aparições esporádicas da Rainha, quer da sacada
do palácio, quer em meio ao povo, não salvava a sua popularidade da queda. A
fome voraz dos seus asseclas roubava descaradamente a energia da monarquia.
Enquanto os assessores diretos de Vossa
Majestade fartavam de tanto comerem e beberem, em meio a negociatas escusas; os
súditos, alheios à política do reino, procuravam no lixo de uma sociedade
miserável, o que comer e o que beber. Aos poucos, morriam de inanição.
Peruíbe SP, 12
de abril de 2015.
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