Adão de Souza
Ribeiro
Quem não se lembra de Nostravamus, batizado
como Raimundo José do Espírito Santo? Naquele vilarejo, como se vê, todos eram
conhecidos pelo nome de crisma e não de batismo. Ele foi abençoado com o
codinome, graças à paixão que nutria pela “marvada”, isso desde a infância.
Todos os dias, fazia verdadeira romaria pelos botecos, da Rua Duque de Caxias e
Rua Rui Barbosa, debaixo de sol ou chuva. Durante as incansáveis vias sacras,
tinha lá seus seguidores.
Certo é que havia o Peito de Pomba, Batucada,
Zé Padre, Jurubeba, Tirrira, Roda Gigante, Cabelim, Zé Lagarto, Conga, Zé do
Mato, Baiu, Santo, Mãozinho, Noca, Jacaré e tantos outros. Mas o Nostravamus
era uma figura lendária e amada por todos. Até pensavam em tombá-lo como
patrimônio histórico e cultural do lugarejo. Já se imaginava em esculpir um
busto e fixá-lo na praça matriz. A inauguração com banda marcial, missa de
busto presente, discurso das autoridades e coreografia das primas dadivosas
(aquelas da difícil vida fácil), uma churrascada, regada com muita cerveja e
paga pelo fazendeiro mais abastado.
Cabelo à moda salvador Messias, barba mal
feita, corpo mirrado, olhos esverdeados, óculos pecenês, sandálias de couro cru,
roupa surrada, embornal do lado, voz rouca, palavras arcaicas e verbos mal
conjugados. Porém, o que causava empatia era seu conhecimento milenar, dos
mistérios da civilização. Nascido em berço pobre e fugitivo dos bancos
escolares, de onde vinha tamanha sabedoria? Dizem que o capiau conhecia o
mundo, através dos sinais da natureza. Entre um gole e outro da “marvada”, discorria
sobre todo e qualquer assunto, diante de pessoas xucras ou de uma plêiade de
curiosos, ávidos por conhecimento.
Bem, o que despertava interesse eram seus
conselhos e previsões futuras. Perdiam-se horas á fio, ouvindo-o falar do fim
do mundo; terra estéril; grande fome futura; catástrofes irreversíveis; doenças
criadas em laboratório e que dizimariam quase toda a população terrestre; tecnologia
selvagem e devastadora da sociedade; depravações sexuais; políticos corruptos;
justiça nefasta, cometendo injustiça social; perda da honra e da dignidade;
natureza clamando por piedade, com queimadas, inundações e terremotos; crianças
agredidas e violentadas; fim da instituição familiar; casamento sem amor,
paternidade irresponsável; ensino sentado na carteira do descaso; comércio da
fé, com os falsos profetas; a história da humanidade, jogada no lixo da
ignorância; banalização da morte; desvalorização da vida e tantas outras coisas
absurdas e horripilantes. Mas ele alertava: “Acautelai-vos e eleva vossos
pensamentos a Deus, porque é somente o princípio das dores e sinais do fim dos
tempos!”.
Ás vezes seus dizeres causavam curiosidades e,
em outras, preocupação. Até a NASA propôs estudar o Nostravamus e sua
miscelânea de filosofia e visão futurista. Mas o povo do lugarejo não deixou
que profanassem a sapiência de seu filho ilustre. Mas onde morava Nostravamus?
Não se sabia ao certo, mas especulava-se, que era numa cabaninha de lona, lá
pelas bandas da caixa d’água. Quem passava pela estrada de terra, podia divisar
o cume da lona, onde ele se protegia das intempéries da vida, que era tão
madrasta. Tinha alguma fêmea com quem dividia o cobertor. Eis aí, mais um mistério
a ser desvendado. Será que ainda era viril? Meu Deus, por que tanta pergunta? Deviam
preocupar com seus umbigos e deixá-lo viver em paz, dentro de seu habitat
natural. Que Nostravamus era um ermitão, disso não se tinha dúvidas. Livra-o
daquele mundo insano!
Os atuais moradores do lugarejo e aqueles,
que o conhecera, não imaginam que os fatos por ele narrados, um dia se consumariam.
Lembrar-se de Nostravamus, não é só recordação, mas, também, testemunhar que
ele faz parte da história viva, assim como tantos outros, tidos como de somenos
importância. Comete-se um pecado mortal, que apequena as pessoas pelas
aparências ou trajes. A conta bancária não compra caráter ou sabedoria. Não se
esqueça, que se tem muito a aprender com os humildes de alma e coração. Aquele
povoado muito aprendeu e abriu a mente para o desconhecido. Até hoje procuram
saber, que rumo tomou aquele homem. Se alguém pensa encontrar suas pegadas:
impossível.
Ele foi um louco ou um simples visionário? Um
profeta talvez! Para os habitantes xucros (feitos coice de mula) ou letrados, foi
o lendário NOSTRAVAMUS, O GURU!
Peruíbe SP, 23
de fevereiro de 2021.
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