domingo, 28 de fevereiro de 2021

A PRIQUITA DA RITA

 

Adão de Souza Ribeiro

                        Na redondeza contam que Rita tinha uma periquita lindíssima. As fofoqueiras juramentadas gostavam de dar um tom jocoso ao comentário. Ali no vilarejo, o povo tinha por hobby, ou seja, passatempo, criar um bichinho de estimação, fosse para adorno ou para alegrar o ambiente. Por isso, Rita não haveria de ser diferente. Ela nutria um afeto descomunal, por animais delicados ou exóticos.

                        Não fazia distinção entre uma pantera negra ou um gato siamês. “São todos criaturinhas de Deus”, dizia com uma voz tão terna, que comovia a todos. Na sua concepção, até falavam, quando estavam alegres ou tristes. A adentrar na casa, notava-se a oração de São Francisco de Assis, pendurada na parede da sala, surrada pelo tempo. Ao lado, uma foto de Jesuscristinho, montado no lombo do jumento. “Lá vai São Francisco/Pelo caminho/Levando ao colo Jesuscristinho/Fazendo festa/No menininho/Contando histórias/Pros passarinhos.” – Marcus Vinicius de Mello Morais.

                        Mas Rita era um caso à parte. Tinha a ave desde filhote, quando apanhou de um ninho abandonado pela mãe/fêmea, para criar. Peladinha e sem penugem, a quem dispensou toda atenção e carinho. Tinha um ciúme doentio e não deixava as pessoas pôr as mãos. Sabia da maldade e da cobiça do mundo. Uma ave indefesa, necessitando de proteção e amor. Era dela a periquita, razão pela qual, podia fazer o que bem entendesse. Não aceitava palpites e nem conselhos. Um menino traquina passou a mão na periquita, então, apanhou e sofreu feito sovaco de aleijado.

                        Certa feita enlouqueceu, quando quiseram comer a periquita. Uns malucos e “loucos de pedra”, propuseram cozinhar e temperar sua periquita à moda cabidela. Aquele dia foi o maior furdunço e deu até polícia. Os moradores solidários fizeram até passeata em apoio a Rita. Com cartazes, banda marcial, discurso com megafone e coreografia de feministas em defesa da mulher fizeram a cidade descer do salto.

                        Quando a periquita ganhou corpo e passou a ter a plumagem de fazer inveja a outros pássaros canoros, todo mundo se dispôs ajudar. Com desculpa de ouvir o canto, a população queria ver o bico da periquita da Rita. “Vá para o inferno. Vá ver a da sua mãe.”, esbravejava entre tantos palavrões de baixo calão.  Em defesa de sua periquita, sacrificava a própria vida e não temia a morte. “Dou a minha própria vida pela bichinha. Mato a cobra que atacá-la e mostro o pau.”, ela completou sem titubear.  

                        Ninguém se importava com a cobra urutu cruzeiro do Bastião, o peixe piraru do Chico, a coleirinha da Zéfinha. A graça estava na periquita da Rita. “Severino Bago-Mole” compôs um poema de cordel e “Zé Gaiteiro”, uma música sertaneja em ritmo catira, para a avezinha. Até o alcaide queria transformar a casa de Rita, em ponto turístico, por causa da periquita.

                        No dia em que Rita, por um descuido imperdoável, esqueceu a porta da sua gaiola aberta, deixando a periquita fugir, a cidade entrou em pânico. O chefe do executivo decretou feriado municipal e aprovado pelo legislativo, a fim de que todos fossem à caça, ou melhor, à procura da periquita fugitiva. Enquanto Rita desmaiava nos braços da solidariedade local, uns caboclos mateiros, lograram êxito e localizar sua periquita, a qual, toda faceira, pousara no pau, desculpa, no galho do abacateiro da casa vizinha.

                        A rua, antes denominada Rua Desterro Eterno, passou a ser popularmente chamada de Rua Periquita da Rita. Isso com placa nominativa; localização no Google, Waze, GPS e tudo o que tem direito. Rita envelheceu, enrugou-se e se foi com o tempo, porém, crê-se que o mesmo aconteceu com a periquita. Até porque, Rita não se separava dela, nem morta.

                            Podem até acharem graça, mas tudo foi real. Tanto é que na entrada da cidade, vislumbrava-se do alto, a estátua de Rita abraçada à sua inseparável periquita. É fato!

Peruíbe SP, 27 de fevereiro de 2021.

                       

                           

3 comentários:

Unknown disse...

Parabens por sua dinamica nos seus poemas, gosto muito 👏👏

Helena disse...

👏👏👏👏

Unknown disse...

Muito bom!!!
Gostei!
Parabéns!!