Adão de Souza
Ribeiro
Desde o berço, Geraldino já demonstrava que seria
um menino muito traquina e levado da breca. Depois que ele começou andar e
falar, os estudiosos do comportamento humano, diriam que ele era muito
interativo. Não descansava um minuto, agitado e com uma mente muito fértil,
principalmente, para as peraltices. A realidade era que todos gostavam muito
daquele menino. Desde o levantar até ao deitar-se, não parava um segundo
sequer.
Naquele tempo, não havia redes sociais e, por
isso, seu Guilhermino e dona Josina, pais de Geraldino, recebiam as notícias
nada alvissareiras, ao vivo e a cores. E olha que não eram poucas. Na
realidade, uma enxurrada, que atormentavam o cérebro e a paciência deles. Quantas
vezes tivera que ir ao Juizado de Menores, prestarem esclarecimento, sobre o
filho. Não sabiam mais o que fazer com aquele infante, aquele pestinha, meu
Deus!
Ainda bem, que não fora promulgado o Estatuto da
Criança e do Adolescente e a única vara disponível, era a de marmelo ou de
goiabeira e não a Vara da Infância e Juventude. Quando qualquer fedelho tinha o
gênio forte, bastava uma surra ou um forte corretivo e ele voltava para dentro
da lâmpada, sem resmungar. Muitas vezes, era encaminhado ao catecismo, onde o
padre Antônio se encarregava de exorcizar o espírito malcriado.
Certo é que havia muitos levados da breca, mas só Geraldino
era especial. Não restavam dúvidas de que já dormia, pensando o que iria aprontar
no outro dia. No sono e no sonho, reabastecia e enriquecia o repertório de
traquinagem. Até dormindo, não parava de aprontar. Em inúmeras vezes, já bem de
madrugada, Guilhermino e Josina acordavam de sobressalto e assustados, com as
gritarias dele. Até parecia que o mundo estava acabando.
As
intermináveis orações das missas dominicais, benzimentos da dona Joana e
simpatias da dona Gertrudes, não resolviam o problema. Pelo encanto que causava
aos moradores, cogitavam que poderia tratar-se de quebranto. E assim Geraldino
caminhava entre as coisas pertinentes a meninice e as crendices populares. De
uma coisa podia-se dar a mão a palmatória: nada do que fazia era prejudicial ao
próximo, apenas a si mesmo. Prova disso, era que a população sempre o perdoava.
Mas Geraldino ficava intrigado, porque toda vez
que aprontava, as pessoas diziam: “Menino, Deus castiga!” Não cabia
dentro da sua mente, toda revestida de pureza, que Deus era maldoso e
vingativo. Tanto o padre Antônio, na homilia, quanto o pastor Josué, no culto
da família, profetizavam que Deus era bondoso e misericordioso. Geraldino tinha
medo da infância, porque “Deus castiga”. “Será que o padre Antônio e o pastor Josué
estavam mentindo ou o povo que era linguarudo?”.
Durante a passagem pela infância, nunca desobedeceu
a seus pais, não falou palavrão e nem agrediu um coleguinha de escola. Também
não armou arapuca ou matou passarinho a estilingada, ou melhor, nem mesmo uma
barata ou formiga. Nunca furtou laranja do vizinho ou comeu um pedaço de pão,
comprado na “Padaria do Toshe”, escondido dos irmãos. As brincadeiras, que os
adultos diziam ser maldosas, prejudicavam a si mesmo e nunca ao próximo.
Geraldino considerava-se um anjinho; “Vinde
a mim todas as criancinhas, porque delas é o Reino do Céu!”. Se Deus
convidara as crianças para estarem no céu com Ele, entendia que Deus era só
ternura e que as crianças eram boas, embora cometessem peraltices. O céu sem
crianças peraltas, não era céu. Deus iria aguentar aquele marasmo, embora a
casa dEle fosse sagrada? Deus sabia, que casa sem criança correndo para lá e
para cá, não tinha graça.
Se
Geraldino “arrumava para a cabeça”, seu pai Guilhermino repreendia com
austeridade e dava excelentes conselhos. Não colocava ajoelhado sobre o milho
ou batia com a régua nas costas, como fazia a professora do primário ou
trancava no quarto, como a babá Jurema. Castigar, jamais. Para o menino, Deus
era justo e não vingativo. Se os adultos, que cometiam toda sorte de pecado,
Deus era só perdão, por que castigá-lo por causa de umas brincadeiras bobas e
inconsequentes?
Ainda bem que Deus era criança assim como ele. Um
dia, durante a missa e outro dia, durante o culto, o padre Antônio e o pastor
Josué falaram na frente de todo mundo, que Jesuscrinho também fora criança. Com
certeza Ele fez lá suas peraltices, mas ninguém se atreveu a castigá-lo. Não
sejamos hereges, Virgem Nossa!
Disse inocentemente ao seu amiguinho de carteira
escolar: “É mentira Shiygueharu, Deus não castiga não. Então vamos brincar,
bobão.”
E lá se fora a infância pura. Amém!
Peruíbe, 02 de
março de 2021.
Nenhum comentário:
Postar um comentário