terça-feira, 2 de março de 2021

DEUS CASTIGA!

 

Adão de Souza Ribeiro

                   Desde o berço, Geraldino já demonstrava que seria um menino muito traquina e levado da breca. Depois que ele começou andar e falar, os estudiosos do comportamento humano, diriam que ele era muito interativo. Não descansava um minuto, agitado e com uma mente muito fértil, principalmente, para as peraltices. A realidade era que todos gostavam muito daquele menino. Desde o levantar até ao deitar-se, não parava um segundo sequer. 

                   Naquele tempo, não havia redes sociais e, por isso, seu Guilhermino e dona Josina, pais de Geraldino, recebiam as notícias nada alvissareiras, ao vivo e a cores. E olha que não eram poucas. Na realidade, uma enxurrada, que atormentavam o cérebro e a paciência deles. Quantas vezes tivera que ir ao Juizado de Menores, prestarem esclarecimento, sobre o filho. Não sabiam mais o que fazer com aquele infante, aquele pestinha, meu Deus!

                   Ainda bem, que não fora promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente e a única vara disponível, era a de marmelo ou de goiabeira e não a Vara da Infância e Juventude. Quando qualquer fedelho tinha o gênio forte, bastava uma surra ou um forte corretivo e ele voltava para dentro da lâmpada, sem resmungar. Muitas vezes, era encaminhado ao catecismo, onde o padre Antônio se encarregava de exorcizar o espírito malcriado.

                   Certo é que havia muitos levados da breca, mas só Geraldino era especial. Não restavam dúvidas de que já dormia, pensando o que iria aprontar no outro dia. No sono e no sonho, reabastecia e enriquecia o repertório de traquinagem. Até dormindo, não parava de aprontar. Em inúmeras vezes, já bem de madrugada, Guilhermino e Josina acordavam de sobressalto e assustados, com as gritarias dele. Até parecia que o mundo estava acabando.

                    As intermináveis orações das missas dominicais, benzimentos da dona Joana e simpatias da dona Gertrudes, não resolviam o problema. Pelo encanto que causava aos moradores, cogitavam que poderia tratar-se de quebranto. E assim Geraldino caminhava entre as coisas pertinentes a meninice e as crendices populares. De uma coisa podia-se dar a mão a palmatória: nada do que fazia era prejudicial ao próximo, apenas a si mesmo. Prova disso, era que a população sempre o perdoava.

                   Mas Geraldino ficava intrigado, porque toda vez que aprontava, as pessoas diziam: “Menino, Deus castiga!” Não cabia dentro da sua mente, toda revestida de pureza, que Deus era maldoso e vingativo. Tanto o padre Antônio, na homilia, quanto o pastor Josué, no culto da família, profetizavam que Deus era bondoso e misericordioso. Geraldino tinha medo da infância, porque “Deus castiga”.  Será que o padre Antônio e o pastor Josué estavam mentindo ou o povo que era linguarudo?”.

                   Durante a passagem pela infância, nunca desobedeceu a seus pais, não falou palavrão e nem agrediu um coleguinha de escola. Também não armou arapuca ou matou passarinho a estilingada, ou melhor, nem mesmo uma barata ou formiga. Nunca furtou laranja do vizinho ou comeu um pedaço de pão, comprado na “Padaria do Toshe”, escondido dos irmãos. As brincadeiras, que os adultos diziam ser maldosas, prejudicavam a si mesmo e nunca ao próximo.

                   Geraldino considerava-se um anjinho; “Vinde a mim todas as criancinhas, porque delas é o Reino do Céu!”. Se Deus convidara as crianças para estarem no céu com Ele, entendia que Deus era só ternura e que as crianças eram boas, embora cometessem peraltices. O céu sem crianças peraltas, não era céu. Deus iria aguentar aquele marasmo, embora a casa dEle fosse sagrada? Deus sabia, que casa sem criança correndo para lá e para cá, não tinha graça.

                    Se Geraldino “arrumava para a cabeça”, seu pai Guilhermino repreendia com austeridade e dava excelentes conselhos. Não colocava ajoelhado sobre o milho ou batia com a régua nas costas, como fazia a professora do primário ou trancava no quarto, como a babá Jurema. Castigar, jamais. Para o menino, Deus era justo e não vingativo. Se os adultos, que cometiam toda sorte de pecado, Deus era só perdão, por que castigá-lo por causa de umas brincadeiras bobas e inconsequentes?

                   Ainda bem que Deus era criança assim como ele. Um dia, durante a missa e outro dia, durante o culto, o padre Antônio e o pastor Josué falaram na frente de todo mundo, que Jesuscrinho também fora criança. Com certeza Ele fez lá suas peraltices, mas ninguém se atreveu a castigá-lo. Não sejamos hereges, Virgem Nossa!

                   Disse inocentemente ao seu amiguinho de carteira escolar: “É mentira Shiygueharu, Deus não castiga não. Então vamos brincar, bobão.”  

                   E lá se fora a infância pura. Amém!

 

Peruíbe, 02 de março de 2021.      

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