sábado, 6 de março de 2021

A SURUCUCU

 

Adão de Souza Ribeiro


                        Jurema, a mulher mais asquerosa do lugar, tinha por filha, uma menina lindíssima, de nome Mariazinha. Isso mesmo, batizada no diminutivo, por ser docílima, algo nunca vista por lá. A mãe, como já foi dito, era tão ruim, que dava azia até em sonrisal. Tinha por passatempo, provocar intriga entre as pessoas de bem. Como pode uva nascer num pé de abacaxi? Pois é, a bem da verdade, na terrinha, tudo era possível... até o impossível do impossível.

                        A menina cresceu ali. Ficou mocinha e ganhou forma de mulher. Cinturinha de pilão, seios meia taça, pernas roliças, lábios carnudos e bumbum sedutor, portanto, transformara-se numa verdadeira princesa. Desejada pelos homens e invejada pelas mulheres. Era de parar o trânsito; mas que trânsito, meu Deus! Se a cidade era pacata, só se fosse de carroça, trator, charrete ou boiada. Embora se transformasse numa verdadeira modelo, não perdera a doçura e humildade. Não se deixará levar pela vaidade.

                        Enquanto isso, Jurema – a mãe indigesta – se afundava na antipatia, que dava dó. Nem o octogenário padre italiano aguentava mais. “Vá pro inferno, esse satanás travestido de mulher”, profetizava ele, depois de rodar à baiana, ou melhor, a batina. Quando ela estava de corpo presente, a Santa Ceia encerrava mais cedo e nem o dízimo era recolhido, desfalcando a obra de Deus, segundo o tesoureiro da igreja matriz. “Como podia aquele trem (palavreado mineiro), ter uma filha tão linda, dócil, humilde e querida por todos?”, questionava o povo inconformado.

                        Eis que um dia, Deus lançando mão do destino, colocou Maurício no caminho de Mariazinha. Um presente por ela ser tão humana. Do namoro tímido e escondido, frutificou para o casamento. Benício – pai de Mariazinha e, portanto, sogro de Maurício -, patrocinou a maior festa já vista na terrinha. Por excelência, convidou toda população, sem distinção de raça, credo, conta bancária, gênero sexual, opção política. O fazendeiro mais abastado da região, serviu carne e bebida à vontade. Contratou uma banda de forró e a festança estendeu-se até o dia clarear. Naquele tempo, não se falava em pandemia.

                        Depois do histórico casamento, que entrou para o “Guiness World of Book” (Livro dos Recordes Mundiais), como a maior festa da paróquia, o foco de Jurema passou a serem os recém-casados. Não perdoou nem mesmo a filha. Aos poucos e sem que os enlaçados percebessem, foi entrando na vida deles e pulverizando com fofocas e verdadeiras calúnia em desfavor de Maurício. Todos era testemunha de que o consorte era honesto, respeitador, trabalhador, sem vicio e que desde a infância, fora coroinha e sacristão assíduo das missas católicas da terrinha.  

                        Como na boca de Jurema, ninguém prestava; então o genro não fugia a regra. Tudo o que ele praticava de bom e perfeito, ela jogava ao descrédito. Tinha por meta, desfazer o casamento, gerar sofrimento a filha e infernizar a vida dos dois. O veneno de Jurema escorria pelos lábios. Não avisava quando iria atacar, por isso, não chocalhava o guizo. Tinha as virtudes de uma cobra, isto é, traiçoeira e vingativa. Nem Adão sofreu tanto no Jardim do Éden, quanto o jovem Mauricio naquela terrinha. Tinha dificuldades até de comer a maçã. Olha que no início da Criação não existia a sogra, pois é um mal da Era Moderna.

                        Quantas vezes, Maurício e Mariazinha queriam providenciar um herdeiro ou herdeira, mas por causa da peste da cobra, ou melhor, da sogra, tudo não passava de um plano frustrado. Mariazinha banhara-se longamente, maquiara-se por inteira, perfumara-se toda, colocara a lingerie mais sensual, o ambiente sacrossanto a meia luz, taça de vinho e pétalas de rosa sobre o leito conjugal, uma suave música romântica ao fundo, tudo para uma noite que prometia grandes surpresas. Enfim, o sonho realizado. Mas eis que de repente a asquerosa da sogra batera a porta, sob a desculpa de que trazia com muito carinho para os pombinhos, um prato de cuscuz com carne seca. Falsa ela. A desgraçada era baiana, de Bom Jesus da Lapa BA.

                        Mas um dia, como tudo na vida cansa e tem que chegar ao fim, Maurício teve uma brilhante ideia. Primeiro, pediu antecipadamente perdão pelo que iria fazer. Não queria ter a consciência pesada. A sua futura paz e felicidade dependeriam daquilo. Se Mariazinha viesse saber, haveria de perdoá-lo, até porque agiria contra a genitora dela. Todo sacrifício era válido em nome da felicidade do casal e perpetuação da instituição familiar. O perdão divino antecipado era, antes de tudo, um salvo conduto. “God save my soul.” (Deus salve minha alma).

                        Numa bela tarde, de um dia qualquer, Mariazinha participava de uma novena em louvor a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e o cônjuge permaneceu no lar, alegando cansaço. Não havia de ser surpresa, quando Jurema pisou os pés ali, toda faceira. A vingança se come em pratos frios, embora a comida estivesse fogosa. Maurício pegou a sogra, levou-a para o santuário sagrado e deu-lhe o maior “sapeca ia ia” do universo. Jurema nunca tinha visto aquilo antes e, por isso, fora às nuvens. Naquele momento não gritou, porque lhe faltaram palavras. Cadê a Fifi, que disse caluniosamente para filha que o genro deitara-se com Margarida, a vizinha da casa do lado esquerdo?

                        Feliz e de alma lavada, Mauricio virou-se para a Surucucu e disse: “Por que não chocalha o guizo e conta para sua filha o que aconteceu agora, sua cobra venenosa?”. Maurício não matou a cobra, porém, aniquilou o veneno e tirou o guizo da peste rastejante. A sogra não achava certo, ficar mal falada na boca daquele povo fofoqueiro. Um escândalo imperdoável, perante Deus e a população. Logo com o genro que ela detestava tanto? Por isso ficou de rabo preso. E que rabo, diga-se de passagem! Não era justo. Jurema, por uma questão de honra e prazer, apenas sorriu maliciosamente. Quase pediu bis, mas conteve-se.

                        Até os dias atuais, a terrinha e Mariazinha não sabem o porquê de Jurema mudar drasticamente o comportamento asqueroso e entrar para o clã das beatas purificadas. Só Maurício sabia do antídoto letal, usado contra aquela mulher peçonhenta e quem o ministrou. A paz voltou a reinar na terrinha sagrada Amém!

 

Peruíbe SP, 06 de março de 2021.

2 comentários:

Unknown disse...

Esperamos que o ato tenha valido a pena para ele também rs, já que sogra se fartou rs
👍👏🏻

Fernando Ferrari disse...

Muito divertida, adorei a parte da azia em sonrisal. Agora esse Maurício ou ama incondicionalmente ou é um doido varrido.

Abraços