Adão de Souza Ribeiro
Jurema, a mulher mais asquerosa do lugar,
tinha por filha, uma menina lindíssima, de nome Mariazinha. Isso mesmo,
batizada no diminutivo, por ser docílima, algo nunca vista por lá. A mãe, como
já foi dito, era tão ruim, que dava azia até em sonrisal. Tinha por passatempo,
provocar intriga entre as pessoas de bem. Como pode uva nascer num pé de
abacaxi? Pois é, a bem da verdade, na terrinha, tudo era possível... até o impossível
do impossível.
A menina cresceu ali. Ficou mocinha e ganhou
forma de mulher. Cinturinha de pilão, seios meia taça, pernas roliças, lábios
carnudos e bumbum sedutor, portanto, transformara-se numa verdadeira princesa.
Desejada pelos homens e invejada pelas mulheres. Era de parar o trânsito; mas
que trânsito, meu Deus! Se a cidade era pacata, só se fosse de carroça, trator, charrete ou boiada. Embora se transformasse numa verdadeira modelo, não perdera
a doçura e humildade. Não se deixará levar pela vaidade.
Enquanto isso, Jurema – a mãe indigesta – se afundava na antipatia, que dava dó. Nem o octogenário padre italiano aguentava mais. “Vá pro inferno, esse satanás travestido de mulher”, profetizava ele, depois de rodar à baiana, ou melhor, a batina. Quando ela estava de corpo presente, a Santa Ceia encerrava mais cedo e nem o dízimo era recolhido, desfalcando a obra de Deus, segundo o tesoureiro da igreja matriz. “Como podia aquele trem (palavreado mineiro), ter uma filha tão linda, dócil, humilde e querida por todos?”, questionava o povo inconformado.
Eis que um dia, Deus lançando mão do destino,
colocou Maurício no caminho de Mariazinha. Um presente por ela ser tão humana.
Do namoro tímido e escondido, frutificou para o casamento. Benício – pai de
Mariazinha e, portanto, sogro de Maurício -, patrocinou a maior festa já vista na
terrinha. Por excelência, convidou toda população, sem distinção de raça, credo,
conta bancária, gênero sexual, opção política. O fazendeiro mais abastado da região, serviu carne
e bebida à vontade. Contratou uma banda de forró e a festança estendeu-se até o
dia clarear. Naquele tempo, não se falava em pandemia.
Depois do histórico casamento, que entrou
para o “Guiness World of Book” (Livro dos Recordes Mundiais), como a maior
festa da paróquia, o foco de Jurema passou a serem os recém-casados. Não
perdoou nem mesmo a filha. Aos poucos e sem que os enlaçados percebessem, foi
entrando na vida deles e pulverizando com fofocas e verdadeiras calúnia em
desfavor de Maurício. Todos era testemunha de que o consorte era honesto, respeitador,
trabalhador, sem vicio e que desde a infância, fora coroinha e sacristão assíduo
das missas católicas da terrinha.
Como na boca de Jurema, ninguém prestava;
então o genro não fugia a regra. Tudo o que ele praticava de bom e perfeito, ela jogava ao descrédito. Tinha por meta, desfazer o casamento, gerar sofrimento a
filha e infernizar a vida dos dois. O veneno de Jurema escorria pelos lábios. Não
avisava quando iria atacar, por isso, não chocalhava o guizo. Tinha as virtudes
de uma cobra, isto é, traiçoeira e vingativa. Nem Adão sofreu tanto no Jardim
do Éden, quanto o jovem Mauricio naquela terrinha. Tinha dificuldades até de comer a maçã. Olha que no início da Criação não existia a sogra,
pois é um mal da Era Moderna.
Quantas vezes, Maurício e Mariazinha queriam
providenciar um herdeiro ou herdeira, mas por causa da peste da cobra, ou
melhor, da sogra, tudo não passava de um plano frustrado. Mariazinha banhara-se
longamente, maquiara-se por inteira, perfumara-se toda, colocara a lingerie mais sensual, o ambiente
sacrossanto a meia luz, taça de vinho e pétalas de rosa sobre o leito conjugal,
uma suave música romântica ao fundo, tudo para uma noite que prometia grandes
surpresas. Enfim, o sonho realizado. Mas eis que de repente a asquerosa da
sogra batera a porta, sob a desculpa de que trazia com muito carinho para os
pombinhos, um prato de cuscuz com carne seca. Falsa ela. A desgraçada era
baiana, de Bom Jesus da Lapa BA.
Mas um dia, como tudo na vida cansa e tem que
chegar ao fim, Maurício teve uma brilhante ideia. Primeiro, pediu
antecipadamente perdão pelo que iria fazer. Não queria ter a consciência pesada. A sua futura paz e felicidade
dependeriam daquilo. Se Mariazinha viesse saber, haveria de perdoá-lo, até
porque agiria contra a genitora dela. Todo sacrifício era válido em nome da
felicidade do casal e perpetuação da instituição familiar. O perdão divino
antecipado era, antes de tudo, um salvo conduto. “God save my soul.” (Deus
salve minha alma).
Numa bela tarde, de um dia qualquer,
Mariazinha participava de uma novena em louvor a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro
e o cônjuge permaneceu no lar, alegando cansaço. Não havia de ser surpresa,
quando Jurema pisou os pés ali, toda faceira. A vingança se come em pratos
frios, embora a comida estivesse fogosa. Maurício pegou a sogra, levou-a para o
santuário sagrado e deu-lhe o maior “sapeca ia ia” do universo. Jurema nunca
tinha visto aquilo antes e, por isso, fora às nuvens. Naquele momento não
gritou, porque lhe faltaram palavras. Cadê a Fifi, que disse caluniosamente para
filha que o genro deitara-se com Margarida, a vizinha da casa do lado esquerdo?
Feliz e de alma lavada, Mauricio virou-se
para a Surucucu e disse: “Por que não chocalha
o guizo e conta para sua filha o que aconteceu agora, sua cobra venenosa?”.
Maurício não matou a cobra, porém, aniquilou o veneno e tirou o guizo da peste rastejante. A sogra não achava certo, ficar mal falada na boca daquele povo fofoqueiro. Um escândalo imperdoável, perante Deus e a população. Logo com o genro que ela detestava tanto? Por isso ficou de rabo preso. E que rabo, diga-se de passagem! Não era justo. Jurema,
por uma questão de honra e prazer, apenas sorriu maliciosamente. Quase pediu
bis, mas conteve-se.
Até os dias atuais, a terrinha e Mariazinha não
sabem o porquê de Jurema mudar drasticamente o comportamento asqueroso e entrar para o
clã das beatas purificadas. Só Maurício sabia do antídoto letal, usado contra aquela mulher peçonhenta e quem o ministrou. A paz voltou a reinar na terrinha sagrada Amém!
Peruíbe SP, 06
de março de 2021.
2 comentários:
Esperamos que o ato tenha valido a pena para ele também rs, já que sogra se fartou rs
👍👏🏻
Muito divertida, adorei a parte da azia em sonrisal. Agora esse Maurício ou ama incondicionalmente ou é um doido varrido.
Abraços
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