quinta-feira, 18 de março de 2021

CAIPIRA CISMADO

 

Adão de Souza Ribeiro

                        Aquilo que não se explica, respeita-se ou teme. Se for o caso, até treme-se. Desde muito cedo, o povo lá da roça, aprendeu a se guiar pela natureza, a fim de que pudesse perpetuar a vida aqui neste planeta maluco. Não foi à atoa, que a população passou admirar a sabedoria caipira, carregada de muita simbologia e ensinamento.

                        Os cientistas modernos do mundo inteiro espelham-se nos conterrâneos da terrinha, para entenderem os mistérios na natureza. Mentem quando dizem que descobriram isso ou aquilo, mas apenas copiaram o que já estava pronto: Ctrl-C e Ctrl-V, nada mais. Gênios sãos os meus amigos capiaus, nascidos lá nos “cafundós do Judas”, que ficam encravados no saudoso e delicioso tempo.

                        Se a criança estava com verme, tomava mastruz com leite; se alguém tinha problemas no fígado, chá de boldo; se a criança estava agitada, tomava chá de camomila; a melhor lua para plantar mandioca era a minguante; o quebranto, a dona Joana – a parteira e benzedeira -, resolvia com benzeção; passar por baixo da escada dava azar; dar na concha, a água da primeira chuva de janeiro, ajudava o bebê falar mais rápido. Diz o homem moderno, que tudo não passava de superstição. Sabe nada, inocente!

                        Certa feita, sem menos esperar, a terra tremeu e isso era por volta das dez horas da noite. Naquele momento, instalou-se o pavor e era nítida a expressão de espanto no rosto dos cultos, dos ignorantes e dos incrédulos. A cidade vestiu-se de muito medo e o povo foi para rua aos berros. “É o fim do mundo, meu Deus!”, gritou o Cido Bobo.

                        Domenico dormia a sono dos anjos, na cama de mola com colchão de palha de milho e cheio de pedaços de sabugo, quando tudo começou a balançar. Pensando ser brincadeira do Zueira, um cão vira-lata e carrapento que, por costume antigo, dormia debaixo dela, Domenico esbravejou: “Zueira, me deixa dormir em paz.”.

                        Carmelita Sangue Bom, marafona e dona de um puteiro estava ao banho e pensando no desabamento da casa, correu pelada para a rua, com as vergonhas de fora. Ninguém se abalou e nem botou assunto na falta de pudor daquela despudorada, porque o desespero de todos era maior. Passado o momento, ela retornou ao lar e foi dormir em paz, a mesma paz em que dormia Domenico, o dono do Zueira.

                        Gertrudes, a velha beata de carteirinha, pegou um ramo de palmeira ungido na semana santa e danou-se a rezar em voz: “Salve rainha, mãe de misericórdia, vida e doçura nossa, salve... Ó clemente! Ó piedosa!... Para que sejamos dignos das promessas de Cristo...”. Nas calçadas esburacadas, todos de joelhos lembraram-se de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do lugar. A fé e as orações estenderam-se madrugada adentro.

                        Abalos sísmicos são provocados por movimento das placas tectônicas, que ocorrem a milhões de metros, no subsolo terrestre. Diferente dos terremotos, eles são de baixa intensidade e, por isso, não causam grandes danos.  A terrinha localiza-se sobre um lençol de água, há 1800 metros de profundidade, chamado de “Sistema Aquífero Guarani”.

                        Em 1935, na Califórnia – EUA, dois cientistas, isto é, Charles F. Ritcher e Beno Gutenberg criaram uma escala de zero a dez, para medirem o tremor. Por isso, ficou conhecida como “Escala Ritcher”, em homenagem a um de seus criadores. Então, correu um boato de que na terrinha, o evento foi de três graus. “Foi como um peido de véia, por isso, não fez estrago algum”, caçoou o amigo Roda-Gigante, depois de entortar um gole de cachaça.

                        Não tem nada a ver com a tal da placa tectônica. Isso é por culpa desse povo que se desgarrou das mãos de Deus e vivem nesse mundo de maldades e orgias. Pecando desimbestadamente.” profetizou Zé Padre, o mais santo dos sacristãos, o fervoroso que não largava por nada naquele mundo, do badalo do padre.

                        É preciso achar um culpado, quando se quer inocentar a natureza. Foi aí que surgiram os desafetos do alcaide e o acusaram daquela tragédia repentina. Fofocas foram espalhadas pelos quatro pontos cardeais de que ele (alcaide) estava perfurando em surdina, na calada da noite, uma grande cratera para esconder os desvios dos recursos públicos do Paço Municipal. É sabido, que existem os oportunistas de plantão. Vai que cola!

                        Se se foi um abalo sísmico ou não, certo é que não ficou verdadeiramente comprovado, em que pese toda teoria científica de Charles e de Beno. Mas que o caipira, velho cientista da terrinha, ficou cismado, isso é fato!

 

Peruíbe SP, 18 de março de 2021.

 

 

 

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