quarta-feira, 17 de março de 2021

A BETH TANA

 

Adão de Souza Ribeiro

                        Tem coisas que jamais esqueceremos, como por exemplo, andar de bicicleta, aquele beijo atrevido atrás do muro da escola, a brincadeira de casinha e o primeiro sutiã. As traquinagens dos primórdios tempos ficam marcadas para sempre. Na retina dos olhos, as imagens se repetem como numa película de cinema.

                        Lembranças nada mais são do que fatos reais ou pitorescos, com os quais nós vivemos intensamente e gostaríamos de repeti-los com a mesma intensidade. Mas, antes de tudo, necessário se faz ter olhar de lince, para observar o fato com clareza ou muito humor. É disso que sobrevivem os que gostam de relatar o passado.

                        Nestas atenções cotidianas, de repente os olhos se voltam para Beth Tana. Não é Bethânia, como querem os fãs da cantora da MPB, mas, sim, Beth Tana, ipsis litteris. Hão de perguntar: “Por que Beth Tana?” Não se avexem, pois a explicação logo vem. Pede-se apenas que não caçoem da pobre moça, uma vez que era merecedora de toda admiração dos marmanjos bem casados e dos despudorados.

                        Enquanto ela esbanjava charme pelas ruas, esquina e praças, o seu cheiro provocava a mente, e que ninguém desmente, dos marmanjos e torturava a das casadas e das donzelas do povoado: “Eu desejo amar a todos/Que eu cruzar pelo meu caminho/Como eu sou feliz, eu quero ver feliz/Quem andar comigo, vem”, da música Brincar de Viver, de Maria Bethânia.

                        A pacata cidade, onde nascera o narrador, era o cenário por onde transitava Beth Tana. Beirando os trinta anos, cabelos loiros e longos, olhos azuis da cor do firmamento, rosto angelical, lábios carnudos, cinturinha de pilão, coxas roliças e seios meia taça, parava o comércio por onde passava. Dava-se a impressão que eram as comemorações daqueles memoráveis desfiles de Sete de Setembro, onde não se queria perder um detalhe das marchas e das alegorias.

                        Apesar de todos aqueles predicados, era menina dócil e respeitadora. Tratava todo mundo por igual, na acepção da palavra. O pai, dono do maior armazém, portanto, vinda de família abastada, sabia separar o poder e a beleza, da humildade que trazia no coração. Todos a admirava sobremaneira, inclusive, o humilde narrador de mais uma história dantesca.

                        De todos os predicados físicos e psicológicos de Beth Tana, o que mais chama a atenção, ou melhor, prendia a atenção masculina, era seus glúteos lindorius, ou seja, traduzindo em miúdos, suas nádegas (bunda) lindas. Brigas entre casais ou pedidos de divórcio, tinham nome: os glúteos lindorius de Beth Tana.

                        Zaia, o experiente escrivão, da Delegacia desabitada por falta de delituosos, não se cansava de lavrar boletim de ocorrência com o seguinte teor histórico: “Comparece nesta Unidade Policial, senhora Maria do Socorro, narrando que há dias vem sendo importunada e maltratada pelo esposo Alfredo dos Anjos, por conta dos glúteos lindorius de Beth Tana, razão pela qual ajuizará o pedido de divórcio”.

                        O Cartório de Paz do Dito, nos últimos tempos, faturava muito com registros de indesejadas separações. O padre Antônio apenas lamentava durante a liturgia: “Isso só pode ser coisa do satanás, desconjuro”. Enquanto isso, os velhos bobões e babões diziam: “Se não for obra de Darci, pai de Beth Tana, só pode ser obra em pedra sabão de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, nascido lá pelas bandas de Vila Rica MG, em 29 de agosto de 1738”. Polêmicas à parte, que os glúteos lindorius de Beth Tana era uma de arte, ah isso era, sem sombra de dúvidas.

                        Até o padre Antônio perdia a compostura quando ela passava pelo umbral de chegada à igreja. Errava o ritual da oração da Santa Ceia e trocava a hóstia pelo cálice sagrado. Isso só pode ser a tentação do satanás. “Pai afasta de mim esse cálice de vinho tinto de sangue (pecado)”, gagueja o vigário com as mãos trêmulas.

                        Beth Tana, não é mulher para se contrair matrimônio, quem se atrever a tomá-la como esposa será um forte candidato a desfilar pelas passarelas (ruas) com galhos dourados na cabeça, feito Rei Momo”, eram as conversas, entre um gole e outro, que rolavam nas bocas dos cachaceiros inveterados, nos botecos da terra natal, do humilde narrador desta história, ou seja, mais uma tragicomédia.

                        Os conterrâneos xucros chamavam-na de Beth Tanajura, no entanto, os mais polidos, tratavam-na de Beth Tana. Economia de palavra, talvez! Paremos por aqui, antes que a narrativa vire ofensa? Afinal de contas Beth Tana não merecia isso, concordam ou não?

 

Peruíbe SP, 17 de março de 2921.

 

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