Adão de Souza
Ribeiro
Tem coisas que jamais esqueceremos, como por
exemplo, andar de bicicleta, aquele beijo atrevido atrás do muro da escola, a
brincadeira de casinha e o primeiro sutiã. As traquinagens dos primórdios
tempos ficam marcadas para sempre. Na retina dos olhos, as imagens se repetem
como numa película de cinema.
Lembranças nada mais são do que fatos reais
ou pitorescos, com os quais nós vivemos intensamente e gostaríamos de repeti-los
com a mesma intensidade. Mas, antes de tudo, necessário se faz ter olhar de
lince, para observar o fato com clareza ou muito humor. É disso que sobrevivem
os que gostam de relatar o passado.
Nestas atenções cotidianas, de repente os
olhos se voltam para Beth Tana. Não é Bethânia, como querem os fãs da cantora
da MPB, mas, sim, Beth Tana, ipsis litteris.
Hão de perguntar: “Por que Beth Tana?” Não se avexem, pois a explicação logo vem.
Pede-se apenas que não caçoem da pobre moça, uma vez que era merecedora de toda
admiração dos marmanjos bem casados e dos despudorados.
Enquanto ela esbanjava charme pelas ruas,
esquina e praças, o seu cheiro provocava a mente, e que ninguém desmente, dos
marmanjos e torturava a das casadas e das donzelas do povoado: “Eu desejo amar a todos/Que eu cruzar pelo
meu caminho/Como eu sou feliz, eu quero ver feliz/Quem andar comigo, vem”, da música Brincar de Viver, de Maria Bethânia.
A pacata cidade, onde nascera o narrador, era
o cenário por onde transitava Beth Tana. Beirando os trinta anos, cabelos
loiros e longos, olhos azuis da cor do firmamento, rosto angelical, lábios
carnudos, cinturinha de pilão, coxas roliças e seios meia taça, parava o
comércio por onde passava. Dava-se a impressão que eram as comemorações daqueles
memoráveis desfiles de Sete de Setembro, onde não se queria perder um detalhe
das marchas e das alegorias.
Apesar de todos aqueles predicados, era menina
dócil e respeitadora. Tratava todo mundo por igual, na acepção da palavra. O
pai, dono do maior armazém, portanto, vinda de família abastada, sabia separar
o poder e a beleza, da humildade que trazia no coração. Todos a admirava sobremaneira,
inclusive, o humilde narrador de mais uma história dantesca.
De todos os predicados físicos e psicológicos
de Beth Tana, o que mais chama a atenção, ou melhor, prendia a atenção
masculina, era seus glúteos lindorius, ou seja, traduzindo em miúdos, suas nádegas (bunda)
lindas. Brigas entre casais ou pedidos de divórcio, tinham nome: os glúteos lindorius
de Beth Tana.
Zaia, o experiente escrivão, da Delegacia
desabitada por falta de delituosos, não se cansava de lavrar boletim de ocorrência
com o seguinte teor histórico: “Comparece
nesta Unidade Policial, senhora Maria do Socorro, narrando que há dias vem
sendo importunada e maltratada pelo esposo Alfredo dos Anjos, por conta dos glúteos
lindorius de Beth Tana, razão pela qual
ajuizará o pedido de divórcio”.
O Cartório de Paz do Dito, nos últimos
tempos, faturava muito com registros de indesejadas separações. O padre Antônio
apenas lamentava durante a liturgia: “Isso
só pode ser coisa do satanás, desconjuro”. Enquanto isso, os velhos bobões
e babões diziam: “Se não for obra de
Darci, pai de Beth Tana, só pode ser obra em pedra sabão de Antônio Francisco
Lisboa, o Aleijadinho, nascido lá pelas bandas de Vila Rica MG, em 29 de agosto
de 1738”. Polêmicas à parte, que os glúteos
lindorius de Beth Tana era uma de arte, ah isso era, sem sombra de dúvidas.
Até o padre Antônio perdia a compostura
quando ela passava pelo umbral de chegada à igreja. Errava o ritual da oração
da Santa Ceia e trocava a hóstia pelo cálice sagrado. Isso só pode ser a tentação
do satanás. “Pai afasta de mim esse
cálice de vinho tinto de sangue (pecado)”, gagueja o vigário com as mãos trêmulas.
“Beth
Tana, não é mulher para se contrair matrimônio, quem se atrever a tomá-la como
esposa será um forte candidato a desfilar pelas passarelas (ruas) com galhos
dourados na cabeça, feito Rei Momo”, eram as conversas, entre um gole e
outro, que rolavam nas bocas dos cachaceiros inveterados, nos botecos da terra
natal, do humilde narrador desta história, ou seja, mais uma tragicomédia.
Os conterrâneos xucros chamavam-na de Beth
Tanajura, no entanto, os mais polidos, tratavam-na de Beth Tana. Economia de
palavra, talvez! Paremos por aqui, antes que a narrativa vire ofensa? Afinal de
contas Beth Tana não merecia isso, concordam ou não?
Peruíbe SP, 17
de março de 2921.
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