Adão de Souza
Ribeiro
Foi de lascar e entrei em pânico. Pode
acreditar se quiser. Isso quando “Zéquinha Dramaturgo”, nome de batismo de José
Raimundo da Silva, parou-me defronte o Paço Municipal, para discorrer sobre uma
forte dor, que o importunava, há meses. Assim era tratado, porque fazia
tempestade em copo d’água. “Aumento, mas
não invento.”, parafraseava o Nelson Rubens – arista das antigas. Por isso,
imediatamente, muito do que verbalizava, já entrava em descrédito. O povo nem
prestava atenção nas velhas cantilenas.
Eu, sempre preocupado cuzoto (com os outros),
preferia ouvir primeiro, para, depois, julgar. Principalmente, quando a
narrativa vinha dos lábios do meu preclaro amigo, o “Zé Dramaturgo”. Mainha (diminutivo
de mãe, termo usado pelo caboclo nordestino) sempre alertava: “Pára de dar ouvidos às lorotas daquele
mentiroso.”. Imprimia tanta ênfase nas frases, que era difícil não acreditar.
Conseguiu levar Gabriel, o psicólogo renomado e respeitado do vilarejo, à
loucura, ao confundir teorias acadêmicas do comportamento humano, usadas pelo
profissional.
Pasmem! Certa feita ele contou na praça matriz,
diante de um povo curioso, que fora abduzido por um disco voador, em plena luz
do dia. Antecipou antes que perguntassem. Foi tão rápido, por isso, ninguém percebeu. Valorizou alegando que viajara por toda constelação interplanetária, ou
seja, Lua, Vênus, Marte, Netuno, Plutão. Dentre tantas outras, não constantes no
calendário do zodíaco. Para arrematar a conversa, com chave-de-ouro e dar forte
credibilidade, afirmou que uma tripulante, a qual parecia ser comandante daquela
nave esdrúxula encantou-se com sua beleza e o pediu em casamento. Notava-se que
ele era mais feio do que briga de foice, entre dois cegos, em via pública.
A história que lhe rendeu maiores dividendos
e entrou para os anais de suas lorotices, foi à caçada que realizou na mata da
“Chácara Helvétia”, à procura de javali, preá e capivara. No meio da
empreitada, deparou-se com uma onça pintada. Ao dar o primeiro tiro, a
espingarda bacamarte falhou. Não teve outra saída, senão sair no braço com a
felina. Nem mesmo Johnny Wessmüller, o Tarzã, lutou tanto quanto ele. Discípulo
de Bruce Lee, o nosso “Zéquinha Dramaturgo”, usou de todos os recursos
marciais disponíveis.
Não matou a desafeta, mas arrancou-lhe as
vinte unhas, acabando com as garras fatais. Deixou claro, que não era amigo
da onça. A esposa, ao vê-lo chegar todo esfarrapado, arranhado e sem a
espingarda de estimação, indagou: “Marido
o que houve?”. E ele completou, sem
pestanejar: “Lutei com uma onça. Foi a
maior briga da paróquia!”. Como ele não apresentou a fera morta, a esposa
não deu ouvidos, pois conhecia o marido milongueiro que tinha em casa.
Surpresa maior, segundo ele, quando ao cair
da tarde, a onça pintada toda mancando bateu a porta da casa. Dando-se por
vencida, pediu perdão pela afronta e reclamou as unhas de volta, porque iria levar
para um chipanzé (fêmea) manicure com o escopo de refazer o estrago. Diz ele
que conversava com os animais. Narrei essas duas histórias hilárias, a fim de
que conhecessem mais a fundo “Zé Dramaturgo”, o meu amigo fiel e sincero. Podem
rir, pois até eu acreditei naquela bravura selvagem.
Bastante apavorado, olhos lacrimejantes e
intercalado com soluços compassados, debruçou nos meus ombros e proferiu a
frase estarrecedora: “Amigo socorro!
Estou com fortes dores, isso já há meses, na região do mucumbu.” Bambeei as
pernas, confesso. Depois de perder tantos outros, para acidentes e doenças
desconhecidas, seria demais perder aquele amigo fiel. A expressão de piedade em
seu rosto angelical comoveu-me sobremaneira.
Como ajudá-lo e a quem recorrer? A doença era
contagiosa assim como a lepra ou a tuberculose? Perguntas, apenas. Procurei os
octogenários e disseram desconhecer tal doença. Então, desesperado
entrevistei-me com videntes, benzedeiras, macumbeiras, quiromantes, botequeiros,
barbeiros, caipiras, teólogos, tarólogos, sexólogos, psicólogos e todos os ólogos de
plantão. Precisava salvar o meu amigo, que fora acometido pelos males do mucumbu.
Debrucei-me noites e noites a fio sobre vários compêndios da literatura médica
e de plantas naturais, sem deixar de contar com a Lavousse e a Barsa. Pessoalmente
consultei renomados amigos cientista e amigos pesquisadores, que atuavam na
NASA, porém, sem sucesso.
Como a dor é subjetiva e cada um conhece a
dimensão dela, não sabia se “Zéquinha Dramaturgo”, estava mentindo. Não importava, pois
eu precisava salvá-lo com urgência. Os meus conterrâneos caçoavam de mim, por
causa de exagerada preocupação. Quase mandei boa parte deles tomarem naquele
lugar. Por ser educado, fui polido. Meu Deus, mas que diabos era o mucumbu!
De repente, eureca! Fiat lux! Ao consular o
Google Nordestino, veio á informação tão esperada. MUCUMBU: a parte da cauda do boi, que não é coberta
pelas sedas. Traduzindo em miúdos, no linguajar sulista: final
do osso da coluna vertebral; ossinho da miséria; cóccix.
Acabou meu pesaroso dilema, pois descobri a causa da
dor de “Zé Dramaturgo”. Eu senti-me um cientista ou curandeiro. Depois eu conto
mais histórias hilárias do meu vilarejo.
Peruíbe SP, 04 de março de 2021.
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