quinta-feira, 4 de março de 2021

O MUCUMBU

Adão de Souza Ribeiro

 

                        Foi de lascar e entrei em pânico. Pode acreditar se quiser. Isso quando “Zéquinha Dramaturgo”, nome de batismo de José Raimundo da Silva, parou-me defronte o Paço Municipal, para discorrer sobre uma forte dor, que o importunava, há meses. Assim era tratado, porque fazia tempestade em copo d’água. “Aumento, mas não invento.”, parafraseava o Nelson Rubens – arista das antigas. Por isso, imediatamente, muito do que verbalizava, já entrava em descrédito. O povo nem prestava atenção nas velhas cantilenas.

                        Eu, sempre preocupado cuzoto (com os outros), preferia ouvir primeiro, para, depois, julgar. Principalmente, quando a narrativa vinha dos lábios do meu preclaro amigo, o “Zé Dramaturgo”. Mainha (diminutivo de mãe, termo usado pelo caboclo nordestino) sempre alertava: “Pára de dar ouvidos às lorotas daquele mentiroso.”. Imprimia tanta ênfase nas frases, que era difícil não acreditar. Conseguiu levar Gabriel, o psicólogo renomado e respeitado do vilarejo, à loucura, ao confundir teorias acadêmicas do comportamento humano, usadas pelo profissional.

                        Pasmem! Certa feita ele contou na praça matriz, diante de um povo curioso, que fora abduzido por um disco voador, em plena luz do dia. Antecipou antes que perguntassem. Foi tão rápido, por isso, ninguém percebeu. Valorizou alegando que viajara por toda constelação interplanetária, ou seja, Lua, Vênus, Marte, Netuno, Plutão. Dentre tantas outras, não constantes no calendário do zodíaco. Para arrematar a conversa, com chave-de-ouro e dar forte credibilidade, afirmou que uma tripulante, a qual parecia ser comandante daquela nave esdrúxula encantou-se com sua beleza e o pediu em casamento. Notava-se que ele era mais feio do que briga de foice, entre dois cegos, em via pública.

                        A história que lhe rendeu maiores dividendos e entrou para os anais de suas lorotices, foi à caçada que realizou na mata da “Chácara Helvétia”, à procura de javali, preá e capivara. No meio da empreitada, deparou-se com uma onça pintada. Ao dar o primeiro tiro, a espingarda bacamarte falhou. Não teve outra saída, senão sair no braço com a felina. Nem mesmo Johnny Wessmüller, o Tarzã, lutou tanto quanto ele. Discípulo de Bruce Lee, o nosso “Zéquinha Dramaturgo”, usou de todos os recursos marciais disponíveis.

                        Não matou a desafeta, mas arrancou-lhe as vinte unhas, acabando com as garras fatais. Deixou claro, que não era amigo da onça. A esposa, ao vê-lo chegar todo esfarrapado, arranhado e sem a espingarda de estimação, indagou: “Marido o que houve?”.  E ele completou, sem pestanejar: “Lutei com uma onça. Foi a maior briga da paróquia!”. Como ele não apresentou a fera morta, a esposa não deu ouvidos, pois conhecia o marido milongueiro que tinha em casa.

                        Surpresa maior, segundo ele, quando ao cair da tarde, a onça pintada toda mancando bateu a porta da casa. Dando-se por vencida, pediu perdão pela afronta e reclamou as unhas de volta, porque iria levar para um chipanzé (fêmea) manicure com o escopo de refazer o estrago. Diz ele que conversava com os animais. Narrei essas duas histórias hilárias, a fim de que conhecessem mais a fundo “Zé Dramaturgo”, o meu amigo fiel e sincero. Podem rir, pois até eu acreditei naquela bravura selvagem. 

                        Bastante apavorado, olhos lacrimejantes e intercalado com soluços compassados, debruçou nos meus ombros e proferiu a frase estarrecedora: “Amigo socorro! Estou com fortes dores, isso já há meses, na região do mucumbu.” Bambeei as pernas, confesso. Depois de perder tantos outros, para acidentes e doenças desconhecidas, seria demais perder aquele amigo fiel. A expressão de piedade em seu rosto angelical comoveu-me sobremaneira.

                        Como ajudá-lo e a quem recorrer? A doença era contagiosa assim como a lepra ou a tuberculose? Perguntas, apenas. Procurei os octogenários e disseram desconhecer tal doença. Então, desesperado entrevistei-me com videntes, benzedeiras, macumbeiras, quiromantes, botequeiros, barbeiros, caipiras, teólogos, tarólogos, sexólogos, psicólogos e todos os ólogos de plantão. Precisava salvar o meu amigo, que fora acometido pelos males do mucumbu. Debrucei-me noites e noites a fio sobre vários compêndios da literatura médica e de plantas naturais, sem deixar de contar com a Lavousse e a Barsa. Pessoalmente consultei renomados amigos cientista e amigos pesquisadores, que atuavam na NASA, porém, sem sucesso.

                        Como a dor é subjetiva e cada um conhece a dimensão dela, não sabia se “Zéquinha Dramaturgo”, estava mentindo. Não importava, pois eu precisava salvá-lo com urgência. Os meus conterrâneos caçoavam de mim, por causa de exagerada preocupação. Quase mandei boa parte deles tomarem naquele lugar. Por ser educado, fui polido. Meu Deus, mas que diabos era o mucumbu!   

                        De repente, eureca! Fiat lux! Ao consular o Google Nordestino, veio á informação tão esperada. MUCUMBU: a parte da cauda do boi, que não é coberta pelas sedas. Traduzindo em miúdos, no linguajar sulista: final do osso da coluna vertebral; ossinho da miséria; cóccix.

                        Acabou meu pesaroso dilema, pois descobri a causa da dor de “Zé Dramaturgo”. Eu senti-me um cientista ou curandeiro. Depois eu conto mais histórias hilárias do meu vilarejo.

Peruíbe SP, 04 de março de 2021. 

Nenhum comentário: