sábado, 16 de março de 2024

SEU PEREIRA

 

Adão de Souza Ribeiro

                               Seu Pereira era um galo robusto, másculo e pomposo. Todas as galinhas e frangas do terreiro, arrastavam suas asas para o lado dele. Sempre educado e charmoso, procurava contentar todas as penosas. A plumagem exuberante e de tons multicores, era um atrativo natural. Soma-se a isso a calda longa,  de cores diferenciadas das asas, uma bela extensão do corpo.

                        Tudo nele impunha autoridade e charme. As esporas longas e afiadas, o bico adunco, a crista avermelhada em forma de coroa, o cacarejar forte e os passos firmes e compassados, demonstravam ser ele o rei do terreiro. No seu harém, haviam dezenas de galinhas a seu dispor. Como sempre, feito um sultão, procurava saciá-las, sem medo de pecar.

                        Era bonito vê-lo caminhando para lá e para cá, ciscando à procura de sementes e insetos, para o sustento das esposas. Aonde seu Pereira ia, lá estavam elas, felizes e obedientes. Ele era um verdadeiro guardião do terreiro e da casa como um todo. Ai de um macho intruso, que invadisse o espaço territorial. Apanhava tanto, saia dali todo quebrado e de dar dó. Era tanta pena que voava. Tem pena de quem tem pena!

                        Os quintais vizinhos, eram separados por arame farpado e, para reforçar, havia arranha gato e muito carrapicho. Ninguém se atrevia invadir o território alheio. Até porque, no terreiro de seu Pereira tinha o Duque, um cachorro feroz, de pouca amizade e conversa. Para ele (cão), tudo se resolvia na brutalidade e ignorância.

                        Seu Pereira tinha um olhar especial para as galinhas/mães, enquanto chocavam os ovos e, por isso, estava sempre atento aos ninhos, contra bichos predadores. Ao cair da tarde, todos se aninhavam nos galhos da goiabeira. Enfileiradas e ocupando todos os espaços, dormiam o sono dos anjos, ou melhor, das aves. Sentadas ali, ao lado de seu Pereira, elas se sentiam empoleiradas. Eu disse empoleiradas e não empodeiradas.

                        Já de madrugada, para espantar os espectros da noite, seu Pereira, com todas as forças da garganta, soltava a voz e cantava alto, para que toda vizinhança pudesse ouvir. As suas fêmeas não davam sequer um pio, durante a execução do hino. O som era tão afinado, que mais parecia a “Quinta Sinfonia” de Ludvig van Beethoven.

                        Em razão do talento, quis registrá-lo com o nome de John Ono Lenon. Mas como o cartorário tropeçou nas letras e, ainda, sabendo que as pessoas não saberiam pronunciar as palavras, resolvi sacramentá-lo com o nome de Pereira. Então Pereira assim ficou. Lá na sagrada Terrinha, ele ganhou notoriedade, onde ficou conhecido como cantor da madrugada. No concurso de “Mister Galo do Universo”, ganhou de lavada.

                        E eu, um abestalhado de carteirinha, ficava sentado numa pilha de tijolos, lá no fundo do quintal, observando a vida corriqueira de seu Pereira. As galinhas Caipira, Carijó, Garnizé, D´Angola e Pescoço Pelado, embelezavam o terreiro, ou melhor, o harém de seu Pereira e ele se orgulhava de ser reconhecido como o grande garanhão e reprodutor no galinheiro, isso para deleite das galináceas.

                        A vida é uma caixinha de surpresas. Ao chegar em casa para o jantar, Sianinha – a dedicada dona do lar, agraciou-me com a suculenta galinhada. Depois de receber meus calorosos elogios, surpreendeu-me ao dizer que a galinhada fora preparada com a carne de seu Pereira. Eu confesso que fiquei estarrecido, chorei e quase desmaiei. Como seria o terreiro, dali em diante?

                        Aquela atitude deixara o quintal desprotegido, enviuvara mais de cinquenta galinhas e órfãos outro tanto de pintainhos. Nas madrugadas, eu não mais ouviria a sinfonia de seu Pereira, espantando os espectros da noite, o quintal perdera o encanto e magia. Eu sei que Sianinha não fizera aquilo por maldade, pois apenas queria me agradar. Ela não tinha conhecimento da minha admiração por ele e pelo jeito charmoso de desfilar pelo terreiro, ou melhor, pelo seu harém.

                        Como aquela criatura inofensiva, que alegrava a todos, inclusive, as penosas, pode ter um fim tão trágico, ou seja, dentro de uma panela com muito tempero e cozimento? Que seu Pereira, o cantor da madrugada, descanse em paz!

                        Per omnia saecula et saecula. Amém!” (Por todos os séculos e séculos. Amém!)

 

Peruíbe SP, 15 de março de 2024.

 

 

 

 

 

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