Adão
de Souza Ribeiro
Quando pequeno, ficava observando a boiada passar pela estrada,
defronte minha casa. Na frente, o sinoeiro com paciência mostrava o caminho a
ser percorrido até outra fazenda, ou, talvez, para o matadouro. O barulho
pesaroso do berrante ecoava pelo sertão e eu ficava ali, embriagado por aquela
cena campesina.
O poeirão deixado pela
manada, coloria o passado de saudade. O cachorro mateiro, numa fidelidade
invejável, ajudava os peões na condução dos bois e no alerta sobre bichos
predadores ou peçonhentos. Em passos lentos e despreocupados, lá ia à boiada e
os boiadeiros, rumo ao desconhecido. E eu ali, observando com ternura,
pequeninas coisas, que o mundo moderno desconhecia.
O tempo passa, a vida
passa, mas a saudade permanece. Chamava atenção, quando um boi arredio
dispersava do bando. Imediatamente, o peão auxiliado pelo Pitoco, aquele cão
fiel, arrebanhava de novo para o grupo. Às vezes, o boi relutava, mas era
vencido e obrigado a seguir de cabeça baixa, o destino da manada.
E assim, a cena
desenvolvia-se diante dos meus olhos, como numa película de cinema. Quando o
boi era bravio, ficava atrelado a outro boi condutor, através de uma canga. O
outro, pacientemente, arrastava-o. Parece até que dizia: “Calma menino, essa é nossa vida,
esse é nosso destino”.
Eu ficava imaginando o
que se passava na mente de cada boi e olha que eram centenas de cabeças, as
quais, vistas de longe, formavam um tapete. Será que eles teriam o amanhã, ou o
momento deles era quando? De vez em quando, ouvia-se o mugido triste de um boi
revoltado com o destino, mas ele nada podia fazer para mudar o rumo da sua
própria história.
Seu protesto era
engolido pela manada. O tempo passou, a vida passou, mas a saudade não passa.
Hoje, passado muitos anos, encontro-me na cidade grande... grande em maldade...
grande em tristeza. Da janela do apartamento, vejo um povo triste e solitário,
caminhando pelas ruas e vielas, seguindo um destino incerto.
Como num toque de
mágica, volto aos tempos lá do campo e revejo a manada passando defronte da minha
casa. Não há poeira, nem mugido e nem grito de peões. O povo segue calado, rumo
ao matadouro ou ao despenhadeiro, talvez. Quando estou no auto-coletivo e vejo
aquele monte de velhos e deficientes empastelados ali, antes da catraca; fila
de banco que não anda há horas; um trânsito engarrafado, que percebe que nada
mudou.
Vejo que o homem e o boi
são eternamente semelhantes. Vai pacientemente rumo ao aniquilamento total...
não se rebelam... não riem e nem levanta a cabeça. Preocupa-me saber que o
homem, um boi pensante, segue as ordens de lideres corrupto ou autoritário e
digere com naturalidade as determinações recebidas.
Já o boi irracional,
embriagado com o som do berrante ou com a cantoria dos peões, pensa que a vida
segue apenas as pegadas de um destino nebuloso e incerto. Marcado pela
espoliação das classes dominantes o homem segue solitário, rumo ao
despenhadeiro. Ao final da caminhada, o homem e o boi, cantam a velha canção de
um artista, forjada na bigorna da ditadura militar, que diz: “Eh,
vida de gado. Povo marcado, povo feliz”.
Peruíbe
SP, 19 de setembro de 2005.
Nenhum comentário:
Postar um comentário