Adão de Souza Ribeiro
Tudo
na vida reveste-se de beleza. Para contemplar as dádivas da natureza é preciso
ter a pureza na alma e abdicar-se das preocupações mundanas. Tudo está ao
alcance dos nossos olhos, para isso, basta querer enxergar. O tempo com a
paciência que lhe é peculiar vai ensinando com pequeninos gestos, enquanto a natureza
segue seu caminho.
Passa o tempo, só não passa a saudade de um
mundo que cabia em nossas mãos. Um mundo que tinha o sabor da inocência e o
encanto da liberdade. Por isso, recordar é reviver as cenas inesquecíveis,
gravadas em nossas memórias, como se fosse a película de um filme, que
transcende o inimaginável.
Outro dia, para não fugir desta sina de
saudosista, pus-me a lembrar das peraltices de quando ainda eu era um infante.
A mente povoou-se de episódios, que ora levavam-me a gargalhadas, ora às incontidas
lágrimas. Quando dei por mim, em pensamento, lá estava perambulando pelas ruas
do lugarejo, onde, em alguns momentos, estava sozinho; em outros, acompanhado dos
infantes de minha idade.
Num lugar, onde o único trânsito pesado era
de carroças ou charretes, rodávamos pneus, ladeira abaixo; pilotávamos
carrinhos de rolimãs, nas ruas em acentuado declive. Como esquecer as
brincadeiras de pega-pega, esconde-esconde, pula corda, dono da rua, passa
anel, peteca, roda pião, amarelinha, etc. e tal? Só quem viveu aquela época de
ouro, sabe do que estou falando.
As brincadeiras não tinham período do dia
para se realizarem e, muito menos, hora começar ou terminar. Dependia muito da
empolgação da tropa de moleques reunidos. Se a farra estendesse noite à dentro,
tinha a lua para iluminar e ser testemunha da alegria de todos. Aquele era o
cenário de um tempo que não volta mais.
Ao revirar o baú de memórias passadas,
reporto-me ao tempo chuvoso na minha terra natal. A chuva, na maioria das
vezes, vinha carregada de raios, trovões e fortes ventanias. Mas depois que ela
tornava-se mais amena, lá estava a molecada brincando na enxurrada, inclusive,
eu claro!
Nossas mães gritavam lá de dentro da casa: “Moleque,
sai debaixo dessa chuva. Não vê que pode pegar pneumonia, seu peste!”.
As ordens entravam por um ouvido e saia pelo outro. Não se tratava de
desobediência, mas, sim, de descontração. Era tão divertido, que não se dava
conta do que podia acontecer depois. Eu gostava de participar com o grupo
naquela algazarra. Mas, às vezes, fazia aquilo sozinho.
Quando brincava sozinho, sentindo as gotas
frias tocarem no corpo e os pés descalços, na lama da enxurrada, tinha a
sensação de que estava conectado com a natureza e com algo transcendental. A
criança tem a alma pura, por isso, sabe entender e sentir a natureza e a beleza
que ela oferece. Toda criança tem um pouco de anjo dentro de si.
Era bonito de se ver, aquela molecada com a
roupa toda ensopada, tremendo de frio e numa felicidade que não tinha preço. As
preocupações mundanas pertenciam ao mundo dos adultos. Porém no mundo das
crianças da minha infância, o compromisso era com a liberdade e com direito de
serem felizes. Um dos amigos, que morava na granja, próxima da cidade, relatava
que fazia o mesmo.
Eu pressentia que, um dia, com a chegada da
modernidade, tudo aquilo iria acabar. Por isso, tinha para mim, que aquele
tempo não era de se preocupar com um mundo não compreendido por nós, mas, sim,
tempo de ser inocente e TEMPO DE BRINCAR.
Peruíbe SP, 31
de março de 2022.
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