terça-feira, 21 de setembro de 2021

O MILAGRE DA SANTA

 

                      “Fé e dor de dente, só quem tem sabe o tamanho”, assim dizia o meu conterrâneo Jeremias – O Pensador. “Mas o que é a fé?”, alguém há de gritar no meio da multidão. No grego pistia, indica a noção de acreditar; no latim fides, que remete a uma atitude de fidelidade.

                        A fé é um sentimento de total crença em algo ou alguém, ainda que não haja nenhum tipo de evidência que comprove a veracidade da proposição em causa. Uma das frases sobre o tema, afirma que “a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que não se veem”. (Hebreus 11:1)

                        Como diz o adágio popular: “Gosto, religião e futebol não se discute.” Portanto, reservo-me aqui, a prender sobre um assunto ocorrido no meu berço natal e pequeno pedaço de chão, que eu amo tanto. O tempo se vai ao longe, porém não se apaga jamais da minha eterna memória, o que pretendo narrar.

                        Já narrei em “O Rebu no Altar”, sobre o desmoronamento repentino, das tradições religiosas, provocado por um vigário, que de padre só tinha a batina. Outro dia, numa visita à terra natal, meu coração suplicou e adentrei na igreja. A principio hesitei-me, com medo do eu podia me deparar. Mas passei pelo umbral e entrei.

                        Entristeci-me, pois senti que aquele santuário que, por longos anos, acolheu a padroeira, perdeu todo o encanto. Apenas tornou-se um salão sem a energia do Altíssimo.  Repentinamente veio a lembrança de que ali, fui batizado e crismado. Por favor, perdoa-me tamanha heresia!

                        Cada religião cria seus dogmas e professam suas liturgias, creio. Com o fim do altar e das imagens dos santos, que davam um ar sacrossanto à igreja; eis que meia dúzia de beatas sacramentadas deram guaridas às imagens, em tamanhos normais, em seus lares. Em razão da grande devoção, cuidavam com fé, amor e zelo. A nova e abençoada moradora (imagem), tinha um lugar especial na casa, ou melhor, um altar.

                        Todos os dias, a anfitriã além de limpar, trocava as flores e as velas. Ao cair da tarde, rezava-se o pai-nosso e a ave-maria. A imagem de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do lugar, foi acolhida pela fervorosa beata Celestina, dona de uma fé inabalável na santa. Uma casa de madeira, toda de branco, o quintal cuidado com muito amor, que era protegida com balaústre de madeira.

                        Pela humildade e empatia, Celestina conquistara o carinho de todos. Da sala de aula, eu conseguia visualizar a casa dela. Um belo dia, ainda de manhã, próximo ao término das aulas matutinas, percebeu-se o início de uma lavareda de fogo na casa. Em minutos, ouviam-se os gritos e corre-corre dos vizinhos para salvar o único patrimônio (casa) da fervorosa beata, querida por todos.

                        Por ser de madeira, nada pode ser feito para salvá-la. Não havia Corpo de Bombeiro e os baldes d’água foram insuficientes. De longe se ouvia o estralar das madeiras em meio às chamas. De repente, da casa só restou cinzas e brasas, pois, em pouco tempo, tudo foi ao solo. Queimou-se a história de Celestina, pois, além da casa, ficou sem suas roupas e documentos. Ela chorava copiosamente, sendo amparada por outras beatas e pessoas que lhe queriam bem.

                        Causou espanto e as pessoas ficaram boquiabertas, quando viram que a santa permanecera intacta, uma vez que nem mesmo a fuligem tocara nela. “Meu Santíssimo Pai Eterno! Deus se louvado! Isso foi um milagre! Quem disse que a imagem não é sagrada?”, diziam todas as beatas juramentadas ali reunidas, em consolo a Celestina.

                        A população comentava que a dona da casa saíra pra comprar legumes e verduras na “Quitanda do Josias” e deixara as velas acesas. Acreditavam ser aquilo que provocou a tragédia. Em um mês ergueu-se uma nova moradia, desta feita de alvenaria. Os conterrâneos pareciam formiguinhas no eterno labor de reconstruir o santuário, ou melhor, a casa da fervorosa beata Celestina.

                        Em lugares pequenos, o povo é muito unido, creia. A partir daquele dia trágico, o local passou a ser visitado por todos, inclusive, criou-se uma romaria de pessoas vindas dos quatro cantos da terra. A palavra “milagre” atraiu os verdadeiros fiéis de Deus. Eu sei que tal fato, aumentou o respeito e admiração à imagem da santa.

                        Diariamente uma multidão de devotos ali, enquanto que na igreja, o padre amargava o abandono junto com sua modernidade. O vigário quis avançar em rituais futuros, mas regrediu nos rituais da fé. Até hoje, ao se falar da minha terra natal, as pessoas dizem: “Foi onde aconteceu o milagre da Santa.” Amém!

 

Peruíbe SP, 18 de setembro de 2021.

2 comentários:

Unknown disse...

Adorei o milagre da Santa ! Voce e um Grande escritor ou como diria em Minas " contador de causos"

Lallo disse...

Muito Bonito a história prende muito a atenção da pessoa que a lê, de fato Adão você é um bom escritor de muito talento, parabéns !!