Adão de Souza
Ribeiro
Havia uma casa e,
ao derredor dela, um quintal enorme. De tão extenso, tinha a dimensão de uma densa
floresta, onde a natureza expunha toda sua exuberância. Não havia quem não se
encantasse com a paisagem daquele lugar. Os moradores do vilarejo, que por ali
passavam, faziam do local, uma parada obrigatória. Embriagavam em contemplar a
fauna e a flora. Até parecia um ponto turístico, embora fosse uma propriedade
particular e de acesso restrito.
Na casa de madeira e com teto de
zinco, morava Manuel Francisco, tratado carinhosamente pela população de
“Chiquinho”. Tudo ali era simples, porque a vida da família era simples. Um
fogão à lenha; cama com colchão de palha; um rádio de válvula, da marca
Invicto; um poço d´água, perto da porta da cozinha; uma mesa de madeira
rústica; um guarda-louça, ao lado do fogão; um quadro de Nossa Senhora
Aparecida, pendurado na parede da sala; uma lamparina de querosene, em cada
cômodo, para afugentar a escuridão da noite.
E Chiquinho era feliz, naquela
casa modesta com o quintal ao derredor. As outras casas vizinhas ostentavam
luxo e riqueza, mas a dele, vestida com tanta modéstia, ostentava apenas
felicidade. Todas as manhãs, ele debruçava no umbral da janela do quarto, de
onde podia contemplar o despertar do sol e a natureza do quintal. O cheiro de
relva molhada pelo orvalho da noite penetrava pelos seus pulmões e entorpecia a
alma. Os seus olhos infantis percorriam o quintal, até alcançar a linha do
horizonte. Tudo era belo, tudo era liberdade e tudo era paz.
As árvores, frutíferas ou não;
matos rasteiros e de médio porte, plantas diversas e milhares de flores, das
mais variadas espécies, desenhavam um mundo cheio de fantasia e encantos aos
olhos do menino simples e de vida simples. As horas passavam rapidamente, do
outro lado da cerca, mas ali, os sonhos navegavam lentamente pela imaginação de
quem vivia em razão da liberdade e da felicidade de ser criança. Não fosse uma
música caipira tocando no rádio, podia-se dizer que ele estava na floresta
amazônica.
No alto de uma árvore, por entre
os galhos, um ninho de sanhaço protegia os filhotes recém-nascidos. Um calango
arisco, corria por entre o mato rasteiro, fugindo de algum predador. Num dos
extremos do quintal, uma coleirinha cantava sem parar, acompanhada pela canção
de um fogo-pagô. As cenas do entardecer era algo indescritível, com o retorno
dos bichos e dos pássaros aos seus aconchegos. Quando chovia, o bailar dos
galhos e das folhas, ao som da canção do vento, era de arrepiar a epiderme.
Só Chiquinho tinha aquele
privilégio. Não por morar ali naquela casa e naquele quintal, mas, sobretudo,
por ter a sensibilidade de entender a natureza e seus encantos. Por respeitar a
fauna e a flora e toda a sua biodiversidade, recebia tudo aquilo de presente.
Nem imaginava o que era um biólogo, mas agia como tal. De vez em quando, seus
pais o surpreendiam divagando e com os olhos fitando o inimaginável. Cuidava da
natureza, como quem cuidava de uma criança indefesa no berço. Um menino que
vivia além do seu tempo.
Mas o que mais encantava os olhos
dele eram as borboletas que bailavam para lá e para cá, naquele quintal imenso.
Ora pousavam por entre as folhas de uma arvore frondosa, ora nas flores de
pétalas desabrochadas. De diversos tamanhos e cores, davam um ar de leveza,
pela forma que desfilavam com suas asas encantadoras. O que mais chamava a
atenção de Chiquinho eram os milhares de desenhos, estampados em suas asas.
Muitas delas ao abrirem ou fecharem suas asas, formavam desenhos diferentes e
aquilo encantava deveras os olhos do menino.
O seu fascínio pelas panapanãs, insetos
da ordem da Lepidoptera, nome científico das borboletas, fazia lembrar-se de
Dirceu Borboleta, o chefe de gabinete do prefeito Odorico Paraguaçu, da cidade
de Sucupira. Ele (Dirceu Borboleta) era obcecado pelo estudo e pela coleção de
borboletas. De vez em quando, fugia da prefeitura para caçar suas borboletas. Diferente
de Dirceu Borboleta, o Chiquinho apenas cotemplava e se deliciava ao vê-las
desfilando e bailando para lá e para cá.
Um dia, quis o destino que
Chiquinho crescesse e dali se mudasse. Foi correr o mundo e embrenhar-se pelo
desconhecido. No lugar do quintal, deparou-se com arranha-céus. Porém, nunca
fugiu da retina de sua memória, o enorme quintal de sua casa e o encanto pelo
bailar exótico das borboletas multicores. De vez em quando, sentava-se numa
praça qualquer da cidade grande e ali, longe do corre-corre do dia a dia, para
navegar em pensamentos de outrora. Lá vinha a imagem das borboletas. Doces lembranças campesinas dos tempos
remotos da infância.
Deixai voar as borboletas e, nas asas
multicores e de desenhos fascinantes, todos os sonhos infantis de felicidade
e de liberdade, do menino Chiquinho..
Peruíbe SP, 13 de
abril de 2019
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