sexta-feira, 12 de abril de 2019

AS BORBOLETAS

Adão de Souza Ribeiro

                                   Havia uma casa e, ao derredor dela, um quintal enorme. De tão extenso, tinha a dimensão de uma densa floresta, onde a natureza expunha toda sua exuberância. Não havia quem não se encantasse com a paisagem daquele lugar. Os moradores do vilarejo, que por ali passavam, faziam do local, uma parada obrigatória. Embriagavam em contemplar a fauna e a flora. Até parecia um ponto turístico, embora fosse uma propriedade particular e de acesso restrito.
                                   Na casa de madeira e com teto de zinco, morava Manuel Francisco, tratado carinhosamente pela população de “Chiquinho”. Tudo ali era simples, porque a vida da família era simples. Um fogão à lenha; cama com colchão de palha; um rádio de válvula, da marca Invicto; um poço d´água, perto da porta da cozinha; uma mesa de madeira rústica; um guarda-louça, ao lado do fogão; um quadro de Nossa Senhora Aparecida, pendurado na parede da sala; uma lamparina de querosene, em cada cômodo, para afugentar a escuridão da noite.
                                   E Chiquinho era feliz, naquela casa modesta com o quintal ao derredor. As outras casas vizinhas ostentavam luxo e riqueza, mas a dele, vestida com tanta modéstia, ostentava apenas felicidade. Todas as manhãs, ele debruçava no umbral da janela do quarto, de onde podia contemplar o despertar do sol e a natureza do quintal. O cheiro de relva molhada pelo orvalho da noite penetrava pelos seus pulmões e entorpecia a alma. Os seus olhos infantis percorriam o quintal, até alcançar a linha do horizonte. Tudo era belo, tudo era liberdade e tudo era paz.
                                   As árvores, frutíferas ou não; matos rasteiros e de médio porte, plantas diversas e milhares de flores, das mais variadas espécies, desenhavam um mundo cheio de fantasia e encantos aos olhos do menino simples e de vida simples. As horas passavam rapidamente, do outro lado da cerca, mas ali, os sonhos navegavam lentamente pela imaginação de quem vivia em razão da liberdade e da felicidade de ser criança. Não fosse uma música caipira tocando no rádio, podia-se dizer que ele estava na floresta amazônica.
                                   No alto de uma árvore, por entre os galhos, um ninho de sanhaço protegia os filhotes recém-nascidos. Um calango arisco, corria por entre o mato rasteiro, fugindo de algum predador. Num dos extremos do quintal, uma coleirinha cantava sem parar, acompanhada pela canção de um fogo-pagô. As cenas do entardecer era algo indescritível, com o retorno dos bichos e dos pássaros aos seus aconchegos. Quando chovia, o bailar dos galhos e das folhas, ao som da canção do vento, era de arrepiar a epiderme.
                                   Só Chiquinho tinha aquele privilégio. Não por morar ali naquela casa e naquele quintal, mas, sobretudo, por ter a sensibilidade de entender a natureza e seus encantos. Por respeitar a fauna e a flora e toda a sua biodiversidade, recebia tudo aquilo de presente. Nem imaginava o que era um biólogo, mas agia como tal. De vez em quando, seus pais o surpreendiam divagando e com os olhos fitando o inimaginável. Cuidava da natureza, como quem cuidava de uma criança indefesa no berço. Um menino que vivia além do seu tempo.
                                   Mas o que mais encantava os olhos dele eram as borboletas que bailavam para lá e para cá, naquele quintal imenso. Ora pousavam por entre as folhas de uma arvore frondosa, ora nas flores de pétalas desabrochadas. De diversos tamanhos e cores, davam um ar de leveza, pela forma que desfilavam com suas asas encantadoras. O que mais chamava a atenção de Chiquinho eram os milhares de desenhos, estampados em suas asas. Muitas delas ao abrirem ou fecharem suas asas, formavam desenhos diferentes e aquilo encantava deveras os olhos do menino.
                                   O seu fascínio pelas panapanãs, insetos da ordem da Lepidoptera, nome científico das borboletas, fazia lembrar-se de Dirceu Borboleta, o chefe de gabinete do prefeito Odorico Paraguaçu, da cidade de Sucupira. Ele (Dirceu Borboleta) era obcecado pelo estudo e pela coleção de borboletas. De vez em quando, fugia da prefeitura para caçar suas borboletas. Diferente de Dirceu Borboleta, o Chiquinho apenas cotemplava e se deliciava ao vê-las desfilando e bailando para lá e para cá.
                                   Um dia, quis o destino que Chiquinho crescesse e dali se mudasse. Foi correr o mundo e embrenhar-se pelo desconhecido. No lugar do quintal, deparou-se com arranha-céus. Porém, nunca fugiu da retina de sua memória, o enorme quintal de sua casa e o encanto pelo bailar exótico das borboletas multicores. De vez em quando, sentava-se numa praça qualquer da cidade grande e ali, longe do corre-corre do dia a dia, para navegar em pensamentos de outrora. Lá vinha a imagem das borboletas.  Doces lembranças campesinas dos tempos remotos da infância.
                                   Deixai voar as borboletas e, nas asas multicores e de desenhos fascinantes, todos os sonhos infantis de felicidade e de liberdade, do menino Chiquinho..

Peruíbe SP, 13 de abril de 2019

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