quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

ALUCINAÇÕES DE AUSTREGÉSILO

 

Adão de Souza Ribeiro

                        Austregésilo de Castro, o Cacá, era um conterrâneo e sábio conhecedor de fenômenos paranormais e ufologia. Estudioso no assunto, angariou admiração de todos da Terrinha. Ele passava madrugadas inteiras, debruçado em livros e pesquisas, contando com auxílio da NASA.

                        O conterrâneo instalou no quintal da casa, um observatório rudimentar, com a lente direcionada ao espaço sideral. Dali analisava as galáxias e o movimento dos asteroides. Também haviam antenas, onde ouvia os sons do Universo. Com aquela parafernália, rastreava a vida pacata da cidade.

                        Cacá, gostava de tomar cachaça com cynar, o famoso rabo-de-galo. Não se separava do seu boné, estilo Sherlock Holmes. Dividia os momentos de lazer, no “Bar do Otávio”. Nas conversas de boteco, sempre falava da sua fascinação por ufologia e fenômenos paranormais. Alguns amigos o chamava de “Gênio” ou “Lunático”.

                        Já no início da noite, caminhava sozinho, pela rua deserta e rumo ao Bar do Otávio, quando estando ao lado da Praça Matriz e defronte os Correios, um forte clarão ofuscou a sua visão. Ao se recobrar, percebeu que estava dentro de uma nave, um OVNI. Os tripulantes, eram seres estranhos e a nave, composta de uma tecnologia avançada e jamais vista por mortais.

                        O aparelho sobrevoou a cidade, para, depois, ganhar o espaço. Lá do alto, viu que a terra era um minúsculo ponto e um clarão no Universo. Sentiu a garganta ressecada e a falta do “rabo-de-galo”.  De repente a nave pousou num lugar lindo. O chão era feito de nuvens brancas, alvas como algodão. Ali encontrou velhos amigos da Terrinha, que viajaram antes do combinado.

                        Ele viu crianças brincando; uma orquestra de passarinhos; a estrada toda florida; lagoa, de águas cristalinas; estrelas cintilantes, brilhando em todos os lugares; pessoas caminhando lentamente, como se estivessem flutuando; via-se o semblante de felicidade em todos que ali habitavam. As pessoas eram todas iguais, usavam túnica branca e caminhavam descalças.

                        O tempo era infinito e, por isso, não havia relógio.  Os seres não eram conhecidos pelo sexo ou cor da pele, pois isso não havia ali. Todos tinham o mesmo tom e timbre de voz. Cacá ficou boquiaberto com tudo o que via, pois, o lugar transmitia paz e encanto.

                        Como foi o único ser humano a estar ali, assumiu o compromisso, sob juramento, de nunca divulgar o que viu. Aquele lugar, haveria de ser sempre uma especulação ou imaginação, na mente dos terráqueos. “Na minha casa, há várias moradas. ”, João 14:2, palavras do Criador.

                        Enquanto Cacá permanecia naquele mundo transcendental, a vida lá na terra, ou melhor, na Terrinha transcorria naturalmente. Ao perceberem o sumiço de Cacá, o povo iniciou uma busca incessante. Juvêncio, o detetive Faro-Fino, com Brutus, o seu cachorro farejador, foram chamados para empreitada.

                        Havia mil conjecturas sobre o desparecimento, mas nenhuma pista plausível. No local onde foi abduzido, só encontraram o boné. Nenhum sinal de pegada humana ou de pneus de veículo. Brutus, sentiu o odor de Cacá só até ali. A partir de então, deu-se início aos comentários e diz-que-diz.

                        Carmosina, moradora ao lado do Correios, disse: “Eu vi uma gerigonça luminosa, parar no meio da rua. Uns bichos estranhos, depois de apanharem Cacá, saíram voando pelo céu e desapareceram.”. Como a mulher era fofoqueira e mentirosa de carteirinha, ninguém quis dar crédito.

                        Porém, quando a NASA soube da narrativa de Carmosina, enviou cientistas renomados para a Terrinha, a fim de investigar a veracidade do fato.  Os aparelhos espiões, lançados no espaço, pela Rússia e Estados Unidos, não detectaram nada de estranho, nos céus da Terrinha. Isso prova que, nem mesmo a NASA, conseguia desvendar os mistérios, que rondavam a Terrinha. Com os cientistas, vieram a imprensa do mundo inteiro, para explorarem o ocorrido e venderem sensacionalismo.

                        O Paço Municipal hasteou a Bandeira da cidade a meio mastro, em sinal de respeito ao ilustre munícipe desaparecido. No prostíbulo, as primas entram em jejum, deixando de prestar relevantes serviços aos assíduos clientes.

                        Na igreja houve evasão dos fiéis, redundando em queda na arrecadação do dízimo e das ofertas dominicais. Aquilo deixou o padre preocupado, pois, sem arrecadação, ele seria transferido. A cidade estava em pânico total.

                        Matilde, uma velhinha muito debilitada, chorava copiosamente a ausência do filho amado. Realizou-se procissões, promessas e cultos em todas as religiões, inclusive, as de matrizes africanas e orientais.  O povo irmanou-se numa só causa e objetivo, ou seja, na volta de Austregésilo de Castro, o Cacá.

                        Passado um ano, quis o destino que, numa noite, no mesmo lugar e horário, o lunático Cacá fora deixado de volta. Carmosina não presenciou a chegada triunfal, porque não estava sentada na caldeira de balanço, na entrada da casa. Ficou triste e entrou em depressão.

                        Ao verem o conterrâneo ali, todos correram para abraçá-lo e saberem o que aconteceu. Como ele estava abilolado limitou-se a dizer: “Eu não me lembro de nada”. Os cientistas, após intenso interrogatório, concluíram que ele falava a verdade.

                        Após alguns dias, depois de recobrar os sentidos, lembrou-se onde estivera e o que viu por lá. Porém, conforme compromisso assumido, não revelaria. Fato é que ele passou a sentir saudades daquele mundo surreal. O que ele mais queria, era tomar uma dose do rabo-de-galo, no Bar do Otávio, em companhia dos velhos amigos.

                        A partir daquele fato inusitado, os seus estudos e pesquisas, não ficaram apenas no campo das teorias e, portanto, ganharam mais robustez. Ao passar pela experiência vivida, Austregésilo de Castro, o Cacá, certificou-se de que a vida além da imaginação, não era apenas uma alucinação, mas a verdadeira realidade. Basta acreditar.

           

Peruíbe SP, 20 de dezembro de 2023.

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