Adão de Souza
Ribeiro
Todas
as manhãs, antes mesmo do nascer do sol, eu era carinhosamente acordado com o
cantarolar melódico de um lindo rouxinol. Cantar junto à janela do quarto, tornou-se
uma rotina daquela ave de plumagem exuberante. Se durante a noite, o sono fora
conturbado, fruto de grande estresse diurno, a cantoria hipnotizava o
pensamento fatigante. Naquelas cenas matutinas, ao pousar no batente da janela
de madeira, fitava-me deitado no colchão de palha, como que dizendo: “Acorda,
menino, vem saudar a natureza comigo!”.
Um dia, com a permissão da
natureza que o concebeu, passei a chamá-lo de “Miudinho” e ele, humildemente entendeu
que não se tratava de apelido pejorativo. Por tamanho amor que nutria por ele, ofertava-o
um banquete de frutas cítricas, cuidadosamente colocadas no peitoril da janela.
Ali da cama preguiçosa, contemplava-o no seu alimentar e no seu bailar de
felicidade. De onde vinha tamanha disposição de acordar tão cedo e aquele imenso
prazer de cantarolar para mim?
De repente, quando menos esperava,
fugia de mim. Batia suas asas para lugar incerto, como que querendo brincar de
esconde-esconde. E eu fazia de conta que não me importava com sua ausência. Não
demorava e ouvia seu cantar entre os galhos de um frondoso pé de ipê. Tentava
divisá-lo, sobre os galhos, por entre as flores, mas era em vão. “Miudinho”
sabia disfarçar e a camuflagem de seu corpo pequenino se misturava com a beleza
das flores daquela arvore imponente.
Não sei o porquê, mas havia uma
eterna cumplicidade entre nós. Era bonito de ser ver nossa amizade tão sincera.
Quando no seu dom de voar, ele partia para sua lida diurna, em busca de
aventuras distantes, eu ficava preso ao limite do meu corpo. Como ser pensante,
eu corria para lá e para cá, a fim de cumprir minha missão e obrigação de viver
e sobreviver. Minuto a minuto, lutava para vencer as procelas da vida. Enquanto
eu obedecia à lei da gravidade, o meu amigo “Miudinho” desafiava todas as leis
impostas pela natureza. Voar era a prova de que ele não tinha limites.
O dia parecia ter uma eternidade
de horas, longe do querido amigo “Miudinho”. Quando a noite chegava, abria-se
uma cratera profunda no meu coração, diante do silêncio e da ausência daquele pássaro
cantante. Nos meus momentos de solidão, debruçava na janela e, diante da
escuridão, contemplava o firmamento. Lá distante, a lua olhava dentro dos meus
olhos e via o meu pesar que, de tão pesaroso, era só lágrima e só choro. Por
onde andava o meu querido rouxinol?
O vento, de vez em quando, ao passar
por entre as folhas de árvores centenárias, balbuciava algo inteligível, como que
querendo dar notícias do “Miudinho”. A mente, por sua vez, pensando em abreviar
meu sofrimento, aconselhava-me a colocá-lo numa gaiola, pois, assim, não fugiria
mais de mim. De imediato, reprovei a sugestão. Nossa amizade sincera, não
permitia isso. Até porque, o alegre rouxinol nasceu para ser livre. Quem ama
não prende, não magoa, não escraviza, não se apossa. A alma de quem ama é leve,
por isso, não prende, mas liberta.
Cansado da ausência de “Miudinho”,
meu rouxinol querido, eu era vencido pelo sono profundo. Durante a noite,
perdido em sono profundo e sonhos confusos, eu ficava imaginando como vencer
todos os questionamentos de uma vida tão efêmera e tão passageira. Queria ter
um corpo pequenino e asas enormes, que pudessem conduzir-me para bem longe dos
meus devaneios e das decepções do cotidiano. Meu amigo, de alma tão pura, não
sofria dessas mazelas. Eu tinha imaginação e ele tinha asas.
Mas o que confortava o meu
espírito, era saber que logo pela manhã, antes mesmo do nascer do sol, lá
estava ele, batendo na minha janela e, mais uma vez, convidando-me para saudar
a natureza. A esperança de que haveria mais um lindo dia a ser contemplado,
chamava-se “Miudinho”. Lembro-me saudosamente do meu pai, quando, em forma de
ensinamento dizia: “Meu filho, acorda! Pássaro que não deve nada a ninguém há muito tempo
já está acordado”. Acho que o Rouxinol, meu amigo querido, ouvia meu
pai dizer aquilo, e, por isso, vinha me acordar primeiro.
Quis o destino que, um dia, pela
manhã, antes mesmo do nascer do sol, esperei pelo amigo “Miudinho” e ele não veio.
Penso que ele se perdeu em namoricos com uma fêmea de sua espécie. Assim ficou
menos dolorido, aceitar a sua ausência para sempre. Tanto ele, como meu pai,
foram embora para nunca mais, sem, ao menos avisar-me. Todos os dias, pela
manhã, antes mesmo do nascer do sol, deixo a janela do meu quarto, aberta. No
peitoril um banquete de frutas cítricas. De repente, quem sabe, ele e meu pai aparecem
felizes na janela, dizendo: “Acorda menino, vem saudar a natureza comigo!”.
Isso chama-se esperança.
Peruíbe SP, 28
de setembro de 2019.
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