domingo, 1 de setembro de 2019

DEDINHO DE PROSA

Adão de Souza Ribeiro

                                   Nada mais prazeroso do que conversar. Passar momentos ou horas a fio, numa roda de amigos, trocando conhecimentos, através de um diálogo cortes e sadio. Lá no berço da minha infância, em noites enluaradas, sentava-me na calçada e ficava até altas horas, conversando com as crianças de minha idade. Brincávamos e riamos até cansar. Ali dávamos asas as nossas fantasias inocentes, cujas imagens e fatos, ganhavam formas e permaneciam para sempre, em nossas memórias.
                                   Creio que ali, sentado ao meio fio, interagindo com os amiguinhos, foi o embrião daquilo que mais gosto de fazer hoje: contar histórias tresloucadas, sem compromisso com a verdade. Não conto mentiras, eu apenas fantasio e dou algumas pitadas de humor, nada mais. Agindo assim, torno menos enfadonho a quem devora a leitura. Quando rodeado de amigos, já na tenra idade, brincava de realidade, nas conversas folclóricas, da minha fértil imaginação.
                                   Por isso, sempre achei prazeroso demais, conversar. Em cada assunto que vinha à baila, dava as leve pinceladas e um colorido inexplicável. Discorria sobre todos os temas, sem me aprofundar. Eu ficava encantado com os meus interlocutores, que embalavam em debates deliciosos. Mesmo sem a experiência madura dos adultos, discorríamos sobre fatos interessantes, que, pela firmeza na fala, davam conotação de realidade. Quem tinha o dom da oratória, permanecia mais tempo, dominando o assunto. Mas naquela democracia infantil, todos tiram o direito do contraditório.
                                   Recordo que ali, falávamos da última pelada de futebol, no terreno baldio; do lobisomem que, durante certa madrugada, aterrorizou a família de um dos amiguinhos; das briguinhas inconsequentes, durante o recreio na escola “José Belmiro Rocha”; das broncas do padre octogenário, nas aulas de catecismo; das corridas desembestadas, para fugir do cachorro Mike Tayson; das arapucas que montámos, para apanhar pássaros distraídos; das frutas apanhadas sem autorização, no quintal do “seu” Tanaka, um japonês de poucos amigos; das provocações ao “Cido Bobo”, um menino lendário, só para despertar a sua fúria, e por ai se vai.  
                                   No nosso cotidiano, agíamos de forma descompromissada com o mundo. Os fatos eram desenhados naturalmente para que à noite, pudessem se transformar em intermináveis histórias de fantasia e beleza. Volto a reafirmar que sempre gostei de conversar, sobre todo e qualquer assunto. Discorrer sobre religião, futebol, política, sexo, natureza, transitoriedade da vida, sentimentos humanos, transcendentalismo, mistérios do universo, muito me apraz.
                                   Outro dia, fui surpreendido por uma amiga de infância, numa conversa realizada com os recursos distantes, patrocinados pela frieza da tecnologia. De um jeito sutil, em meio a diálogo, ela foi buscando no baú empoeirado do passado, um assunto por demais delicioso de se discorrer. Entre as doces lembranças, por ela despertada, estava um dos mais nobres sentimentos do ser humano: o amor. Esquivei-me em falar sobre ele, não por medo, mas porque sempre esteve adormecido, na suíte presidencial do meu coração, já envelhecido e cansado. Não queria ressuscitar o que nunca passou de um sonho, de uma quimera. Lutei até o fim, mas tive que admitir que, um dia, existiu. A única vitória que tive com a interlocutora amiga, foi não batizar o nome daquele amor, ou seja, quem era o verdadeiro amor platônico.
                                   Consegui extrair da minha amiga, sem que ela percebesse, que há uma grande especulação e, acima de tudo, uma doce curiosidade, sobre quem foi o grande amor impossível, que habitou o meu coração, na minha tenra infância. No rastro da ética, eu não quis saber quais os nomes, que estavam entre os possíveis, que realmente representa o meu verdadeiro amor platônico. A amiga e eu, conversamos e rimos muito sobre o assunto. Mas, para ela, continua no imaginário e na curiosidade feminina, embora afirme que conhece o amor da minha infância.
                                   Sempre senti um prazer imenso em conversar sobre todo e qualquer assunto. Além desse prazer, adquiri outro, o qual, também me causa um prazer imenso: escrever. É certo que juntou a fome e a vontade de comer. Quando me sinto saudosista ou meio enfadonho, descambo-me a escrever. Ao viajar para dentro de mim, externo aquilo que sinto e penso. “Cogito, ergo sum”, no original francês “Je pense, donc je suis”, ou seja, “Penso, logo existo”, pensamento do filósofo francês René Descartes e está no livro Discurso do Método, de 1637.
                                   Ao discorrer com minha amiga, sobre o mais nobre do sentimento humano, senti-me honrado e lisonjeado. Sou meio arredio, quando o assunto é o meu inesquecível e eterno amor platônico. Mas assim o fiz, nesse dedinho de prosa, para “Não dizer que não falei de amor!”.


Peruíbe SP, 01 de setembro de 2019.

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