Adão de Souza
Ribeiro
Nada mais prazeroso do que
conversar. Passar momentos ou horas a fio, numa roda de amigos, trocando
conhecimentos, através de um diálogo cortes e sadio. Lá no berço da minha
infância, em noites enluaradas, sentava-me na calçada e ficava até altas horas,
conversando com as crianças de minha idade. Brincávamos e riamos até cansar.
Ali dávamos asas as nossas fantasias inocentes, cujas imagens e fatos, ganhavam
formas e permaneciam para sempre, em nossas memórias.
Creio que ali, sentado ao meio
fio, interagindo com os amiguinhos, foi o embrião daquilo que mais gosto de
fazer hoje: contar histórias tresloucadas, sem compromisso com a verdade. Não conto
mentiras, eu apenas fantasio e dou algumas pitadas de humor, nada mais. Agindo
assim, torno menos enfadonho a quem devora a leitura. Quando rodeado de amigos,
já na tenra idade, brincava de realidade, nas conversas folclóricas, da minha
fértil imaginação.
Por isso, sempre achei prazeroso
demais, conversar. Em cada assunto que vinha à baila, dava as leve pinceladas e
um colorido inexplicável. Discorria sobre todos os temas, sem me aprofundar. Eu
ficava encantado com os meus interlocutores, que embalavam em debates
deliciosos. Mesmo sem a experiência madura dos adultos, discorríamos sobre
fatos interessantes, que, pela firmeza na fala, davam conotação de realidade.
Quem tinha o dom da oratória, permanecia mais tempo, dominando o assunto. Mas
naquela democracia infantil, todos tiram o direito do contraditório.
Recordo que ali, falávamos da
última pelada de futebol, no terreno baldio; do lobisomem que, durante certa
madrugada, aterrorizou a família de um dos amiguinhos; das briguinhas
inconsequentes, durante o recreio na escola “José Belmiro Rocha”; das broncas
do padre octogenário, nas aulas de catecismo; das corridas desembestadas, para
fugir do cachorro Mike Tayson; das arapucas que montámos, para apanhar pássaros
distraídos; das frutas apanhadas sem autorização, no quintal do “seu” Tanaka,
um japonês de poucos amigos; das provocações ao “Cido Bobo”, um menino lendário,
só para despertar a sua fúria, e por ai se vai.
No nosso cotidiano, agíamos de
forma descompromissada com o mundo. Os fatos eram desenhados naturalmente para
que à noite, pudessem se transformar em intermináveis histórias de fantasia e
beleza. Volto a reafirmar que sempre gostei de conversar, sobre todo e qualquer
assunto. Discorrer sobre religião, futebol, política, sexo, natureza,
transitoriedade da vida, sentimentos humanos, transcendentalismo, mistérios do
universo, muito me apraz.
Outro dia, fui surpreendido por
uma amiga de infância, numa conversa realizada com os recursos distantes,
patrocinados pela frieza da tecnologia. De um jeito sutil, em meio a diálogo,
ela foi buscando no baú empoeirado do passado, um assunto por demais delicioso
de se discorrer. Entre as doces lembranças, por ela despertada, estava um dos
mais nobres sentimentos do ser humano: o amor. Esquivei-me em falar sobre ele,
não por medo, mas porque sempre esteve adormecido, na suíte presidencial do meu
coração, já envelhecido e cansado. Não queria ressuscitar o que nunca passou de
um sonho, de uma quimera. Lutei até o fim, mas tive que admitir que, um dia,
existiu. A única vitória que tive com a interlocutora amiga, foi não batizar o
nome daquele amor, ou seja, quem era o verdadeiro amor platônico.
Consegui extrair da minha amiga, sem
que ela percebesse, que há uma grande especulação e, acima de tudo, uma doce curiosidade,
sobre quem foi o grande amor impossível, que habitou o meu coração, na minha
tenra infância. No rastro da ética, eu não quis saber quais os nomes, que
estavam entre os possíveis, que realmente representa o meu verdadeiro amor
platônico. A amiga e eu, conversamos e rimos muito sobre o assunto. Mas, para
ela, continua no imaginário e na curiosidade feminina, embora afirme que
conhece o amor da minha infância.
Sempre senti um prazer imenso em
conversar sobre todo e qualquer assunto. Além desse prazer, adquiri outro, o
qual, também me causa um prazer imenso: escrever. É certo que juntou a fome e a
vontade de comer. Quando me sinto saudosista ou meio enfadonho, descambo-me a
escrever. Ao viajar para dentro de mim, externo aquilo que sinto e penso. “Cogito,
ergo sum”, no original francês “Je pense, donc je suis”, ou seja, “Penso,
logo existo”, pensamento do filósofo francês René Descartes e está no
livro Discurso do Método, de 1637.
Ao discorrer com minha amiga,
sobre o mais nobre do sentimento humano, senti-me honrado e lisonjeado. Sou
meio arredio, quando o assunto é o meu inesquecível e eterno amor platônico.
Mas assim o fiz, nesse dedinho de prosa, para “Não dizer que não falei de amor!”.
Peruíbe SP, 01
de setembro de 2019.
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