Adão de Souza
Ribeiro
“Não sou cadeado para guardar
segredo”. Essa era a premissa de Zéfinha Falamansa, codinome de uma
mulher esguia e de meia idade, moradora na minha terra natal, cujo nome de
batismo era Josefa do Perpétuo Socorro. Com o passar do tempo, sem que
percebesse, virou lenda, um patrimônio histórico e algo a ser estudado até pela
NASA. Em que pese às rusgas de conterrâneos ortodoxos, era querida pela maioria
das pessoas simples do lugarejo.
Na torre da igreja, haviam alto-falantes
direcionados para os quatro pontos cardeais. Através deles, ouvíamos as noticias
cotidiana, como por exemplo, batismos, festas religiosas, missas de corpo
presente, funerais etc. e tal. O rádio de válvula, com suas ondas curtas e
frequências moduladas, também nos mantinham em contato com o mundo a nossa
volta. Mas nada tinha encanto e magia, comparadas com as conversas de Zéfinha Falamansa.
Com seu físico, que dava conotação
de fragilidade, voz mansa e oratória de causar inveja, tudo o que falava,
inspirava uma credibilidade inquestionável. As coisas que aconteciam, passavam
pelo crivo daquela mulher, que filtrava tudo para, depois repassar, ora
omitindo detalhes, ora recheando com inverdades desmedidas. Não demorou muito e
foi ganhando adeptos. As fofocas proferidas, por ela e seus seguidores, viraram
uma epidemia incontrolável. Mas todos admitiam, que como Zéfinha Falamansa, não
tinha igual.
Só aquela mulher detinha as
informações privilegiadas. Não era ela que procurava as fofocas, os fuxicos, os
mexericos, os futricos e os diz que diz. Eram as conversas sem nexo, que as
procurava, numa velocidade absurda. Tinha até o padre octogenário, que, de vez em
quando, durante a homilia, não dispensava uma conversa descabida sobre a vida
alheia. Mas, nem de longe, chegava aos pés da nossa personagem. Ela sabia em
minúcias, sobre as puladas de cerca da esposa do alcaide. Também que
Florisbela, filha do delegado, andava arrastando as asas para os lados de Rosa
Maria, filha do tenente Raimundo. Comentava, sem reserva, das falcatruas de Sigismundo,
o presidente da Câmara de Vereadores. Espalhava sem medo, que o filho de
Moisés, pastor da igreja “Paz no Senhor”, era dono de uma biqueira (ponto de
comércio de droga), ao lado do velho matadouro.
Queria saber de um fato acontecido
na calada da noite ou de algo que ainda estava no prelo? Era só conversar com
Zéfinha Falamansa. Sempre que uma pessoa tencionava fazer algo errado,
procurava fazê-lo longe dos olhos daquela famosa personagem. Quando alguém
queria difamar um desafeto, bastava levar até aos ouvidos dela. O assunto
virilizava mais rápido, do que nas redes sociais de hoje. Quem a visse pela
primeira vez, não imaginava o poder que tinha a sua língua. Antes de agirem,
diziam: “Cuidado com a língua... o veneno daquela jararaca. Se ela morder a
própria língua, morre envenenada num canto”.
Será que estava no DNA ou era um
hobby, falar mal ou inventar coisas sobre as pessoas ou fatos inverídicos? Cabelos
compridos até a cintura, vestido longo até os pés, blusa de gola, cobrindo o
pescoço, dava um ar de beata e um jeito de santa. Na verdade, de santa não
tinha nada, nem auréola. Bastava alguém partir para o andar de cima, antes do
combinado e ela já tinha na ponta da língua, o motivo do passamento do
conterrâneo. De vez em quando, descambava para as premunições, pois sabia de
tudo o que acontecia ou iria acontecer.
Numa cidade, onde todos tinham
apelido, não se sabia quem a agraciou com o codinome de “Zéfinha Falamansa”.
Tornar-se um desafeto dela, assumindo a autoria do apelido, era muito
arriscado. Certo que se ela soubesse, iria massacrá-lo com fofocas, até
neutralizá-lo por inteiro. Odiada por uns e respeitada por outros, ela existiu.
Pode-se afirmar que não é uma fofoca do literato. Conto histórias fantasiosas,
fruto do imaginário, mas, jamais mentiras descabidas. Isso eu deixo por conta
de Zéfinha Falamansa.
Conta à lenda que, certa feita, ao
fazer fofocas de Maria Aparecida, uma marafona e mãe de santo, a nossa querida
Zéfinha Falamansa, mordeu a própria língua. Uma casa de caboclo feito pela
macumbeira. Não falava mais, apenas balbuciava palavras inteligíveis. Não
morreu, mas perdeu o veneno que tanto a alimentava. No passado, Zéfinha
Falamansa, uma fofoqueira impiedosa; hoje, Zéfinha Boca Santa, curada das
maldades.
Peruíbe SP, 28
de agosto de 2019.
Um comentário:
Nossa zéfinha falamansa era danada!!!!
Mas ainda existem muitas Zefinhas por esse mundo.
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