Adão de Souza
Ribeiro
De repente nascemos. Eis ai o primeiro
milagre da vida e da existência humana. A partir de então, começa uma longa
caminhada rumo ao desconhecido. A cada passo, um novo desafio a ser vencido. Nada
há de passar despercebido. Um olhar, um beijo, uma lágrima, um sonho, uma
tragédia, uma decepção, tudo ficará para sempre, retido na memória. As partículas
do cotidiano, vão moldando nosso caráter. Tudo é contemplação... tudo é
mistério.
A mãe balançando o berço, o vento balançando
a madeixa. O menino flertando com a guria: “Ah deixa, antes que a mãe veja!”.
Bendito seja, o terço rezado, durante as noites de tormenta. As cantigas de
roda na calçada, em noites enluaradas. O cuscuz com leite, ao lado do fogão a
lenha, sem milongas, sem resenha. As histórias de assombração, contadas pela
avó, para que folclore na se perca. Os “melões de São Caetano”, colhidos na
cerca, que divide o quintal do vizinho. A menina que larga da boneca, quando o
amor chega ao coração. Lá vem a história do Adão, cometendo o primeiro pecado.
Rogai por nós!
De repente o mundo se descortina a nossa
frente. Uma tempestade de fatos e informações desemboca sobre nós, numa fome
voraz, numa velocidade estonteante. Ontem, um saudoso rádio de válvula; hoje,
aparelhos celulares de última geração. Ontem, um velho carro de boi cortando o
chão de terra batida; hoje, foguetes estrelares, rompendo a velocidade do som.
Lá num canto escondido e silencioso da memória, buscamos abrir o baú empoeirado
do passado, na ânsia de encontrarmos registros de um tempo, que não volta mais.
Choramos sob a luz tênue do sótão da solidão.
A transitoriedade da vida nos amedronta. O
literato corre desesperadamente em busca de palavras desconexas, a fim de salvar
o que se perdeu no tempo. E na mesma esteira, lá se vão os músicos, pintores, bailarinos,
atores e todos os filhos da arte, tentando resgatar o que ainda resta, antes
que seja tarde. A humanidade caolha, nada vê a sua frente, senão o consumo
exagerado de coisas desnecessárias ao enriquecimento da mente, da alma, do
espírito e do coração. Por onde andam as crianças de infâncias não muito
distantes, onde tudo era simples, onde tudo era paz? E a terra natal, uma
cidade pequena, de pele morena, quanta saudade nos traz!
Mas se a vida tem pressa, temos que sacudir a
poeira e seguir em frente, numa caminhada insana, rumo a lugar nenhum. Se cair
no despenhadeiro, pede ao santo padroeiro, proteção. Quando de madrugada,
acordarmos desse pesadelo, dessa tortura, só nos resta chorar e clamar por
piedade. Lembrar-se de crianças amigas, sentadas em roda na calçada, em noites
enluaradas, brincando sem maldade. Ou as vendo correrem descalças pelas ruas de
terra, em meio à enxurrada de chuva torrencial. Por que as fases da vida passam
tão depressa, sem pedirem licença?
De repente, tudo fica para traz. Por que o
amor platônico do poeta não se materializou? Desgovernada, a vida vai tomando
novos rumos, sem bússola e sem nada para nos guiar. Quando menos se espera, já estamos
na segunda, terceira, quarta, quinta idade e por aí se vai. Uma ruga aqui e uma
dor acolá. A visão, que não mais divisa os horizontes dos sonhos. Um passo sem
compasso e sem régua, para medir a distância entre a vida e a morte. O coração já sem força para pulsar e, muito
menos, para amar a cabrocha que tanto desejou. As mãos trêmulas, sem força para
acenarem na estação férrea. A voz rouca e tresloucada, que não diz nada com
nada. O ouvido ensurdecido pelo progresso, não mais ouve o pedido de socorro,
que desce morro abaixo.
E assim, sem nos darmos conta, a esperança
vai se esvaindo por entre os dedos, sem escrúpulo e sem segredo. De nada
adianta a posse, a beleza e os títulos honorários, pois tudo é efêmero e a
eternidade, apenas uma quimera. Se fossemos eterno, quem me dera! Com a
respiração ofegante, o que era futuro, passa a ser ontem. E no mesmo diapasão,
nascem os filhos, que trilharão pelos mesmos caminhos, nossos e de nossos avós.
E para que se cumpra a profecia, vão caminhar sozinhos, de noite e de dia, em
busca de seus sonhos e de suas decepções.
De repente, estamos aqui a dissertar sobre a
nossa breve passagem pelo planeta. E, antes que eu me esqueça, dá-me um copo de
tequila, para afugentar essa conversa enfadonha. Às vezes o poeta delira, às
vezes sonha. De repente estamos aqui... de repente não mais.
2 comentários:
Essa é a vida, que passa tão rapida.Não conceguimos segurá- la.
Nos deixa apenas rastros de nossos sonhos uns reslizadose outros não.
Que maravilha,derrepente vi minha vida através deste poema.
Postar um comentário