sábado, 21 de setembro de 2019

O ENCARCERADO

Adão de Souza Ribeiro

                        “Penso, logo existo”, disse René Descartes, o filósofo francês. Tenho dito e repetido, que a minha mente vive em eterna ebulição e evolução. A mania de pensar, não se aparta de mim, nem de dia e nem de noite. Essa minha inquietação, tem proporcionado momento de intenso questionamento e de angustia. Fico horas e horas, numa briga constante com as coisas que não entendo ou não compreendo. Para amenizar os conflitos internos, busco fuga nas bibliotecas e em intermináveis redações, noite a dentro.
                        Quantas vezes, os professores se depararam com inesperadas perguntas, que eu proferia, vindas do baú empoeirado da minha imaginação. Enquanto os colegas de classe se contentavam com o que estava escrito na lousa (quadro negro), eu queria saber aquilo que o giz não sabia explicar. Também, quantas vezes eu quebrava um brinquedo, com único desejo de saber o que ele tinha por dentro, ou seja, qual era o encanto de sua alma. São por esta e outras razão, que, por vezes, fui incompreendido e creio ter passado despercebido.
                        Desde a tenra idade, o meu espírito aventureiro foi um eterno sonhador. Percorrer as longas estradas do conhecimento e voar nas asas da liberdade, fizeram de mim, um menino inquieto. Desbravei e viajei por mundos insondáveis. Abandonei o corpo físico e transpus o campo da metafísica. A necessidade de compreender as coisas ao meu derredor, alimentou a vida inteira, minha fome de conhecimento. Desnudar o que se esconde por trás dos mistérios do Universo, excita-me por demais. Não sou uma “Maria vai com as outras”. Angariei inimizades por agir assim, mas isso pouco importa.
                        Na vida inteira, tive como dicionário de cabeceira, o princípio da liberdade de agir e pensar. Expurguei ao longo da existência, todo tipo de limitação. Nunca me prendi a conceitos e preconceitos, estabelecidos pela ignorância humana. Fujo daqueles que acreditam na existência da verdade absoluta, como o diabo foge da cruz. Acredito piamente na transitoriedade da vida, embora ninguém seja obrigado a concordar comigo, pois isso chama-se livre arbítrio.
                        Amei incondicionalmente uma menina, que, depois vi que era “uma estrela tão alta e tão fria”, parafraseando o poeta Manuel Bandeira, no poema “A estrela”. Também, amo eternamente a Deus, acreditando que ele é um Ser de eterna bondade e não um Ser vingativo, como professam as religiões mundanas, ao dizerem: “Não faça isso, menino, que Deus te castiga!”  Vê, portanto, caros amigos, que tenho por sina, viver a vida inteira, brigando comigo mesmo, em busca de soluções de coisas, muitas vezes, insolúveis. “Penso, logo existo” e, na maioria das vezes, existir causa-me imensa dor. Por isso, dizem por aí: “Aceita que dói menos”. Mas o fato de doer menos, não significa que estou livre dos bons ou maus pensamentos.
                        Mas o que vem a seguir, é por demais interessante. Ou melhor, cômico para não dizer trágico. Estava debruçado na janela da sala, olhando para o enorme quintal de casa, onde podia divisar arvores frondosas, jardins e um riacho ao fundo. Por ali transitavam garbosamente pássaros e animais, dentre eles, porcos, galinhas, patos, gansos, cabritos e tantos outros animais domésticos. Era bonito de se ver, eles andando para lá e para cá, em busca de alimento e praticando atividades de reprodução. Observar o encanto da natureza, com olhos de inocência e poesia, são privilégios de poucos. Eu tive e, até hoje, sou grato por isso.
                        Mas a triste sina de ser um eterno pensador, tem-me custado caro e muito caro. Ali debruçado na janela da minha infância, veio-me à mente, um pensamento engraçado e, ao mesmo tempo aterrorizador. Divaguei por um instante: “Já pensou seu eu tivesse nascido no corpo de um daqueles animais, os quais viviam naquele quintal?”. O que seria de mim e do meu futuro, ao passar a vida inteira naquele marasmo e naquela mesmice do dia a dia. Levantar antes de nascer do sol, passar o dia em busca de alimento, praticar atos de reprodução e, para os menos afortunados, terminando em cozimento, na panela sobre o fogão a lenha. Sai fora pensamento. Credo em cruz!
                        Se assim fosse, como eu iria compartilhar meus questionamentos e minhas divagações terrenas. Passar os meus dias findos, encarcerado num corpo cheio de limitações. A mente em ebulição e trancafiado numa cabeça pequena e desprovida de raciocínio, obedecendo apenas o instinto de sobrevivência. Ciscar o dia inteiro, carcarejar  e subir no poleiro, como as galinhas; grunhir e chafurdar, como os porcos na pocilga, sem poder expressar meus pensamentos e sentimentos, seria torturante demais para mim.
                        Viver eternamente encarcerado dentro de um corpo que não me pertence, seria melhor não existir. Ainda bem que nasci um pensador, no corpo de um ser humano. Obrigado meu Deus!

Mauá SP, 21 de setembro de 2019.