domingo, 26 de maio de 2019

MINHA DOCE TANAJRURA

Adão de Souza Ribeiro

                                   Quem na cidade, não conhecia Jurema, podia-se dizer que não sabia o que era uma beleza estonteante. Tudo nela exalava um cheiro de admiração e pecado. O jeito glamoroso de andar, com seu requebro de fazer homem dar com a cara no poste e de mulher casada se torcer de ciúmes, era algo impressionante. Era Jurema por os pés na rua e o comércio parava em sinal de respeito. Até o padre suava frio, por baixo da batina. Dizia ele: “Isso é uma heresia, um convite à penitência”. Duzentos pais-nossos e trezentas ave-marias, no mínimo.
                                   Dizem as más línguas, que por causa dela, muitos casamentos deram com o burro na água. Contam que as puritanas e as beatas planejavam fazer uma passeata de protestos contra Jurema. Não vingou, porque até o padre Joseph foi contra. Morena, dos cabelos cacheados, seios fartos, pernas torneadas, cinturinha de pilão e glúteos avantajados, dispensava elogios e atiçava a fantasias dos marmanjos do lugarejo. Falavam-se glúteos e não bunda, porque para os arcaicos, aquilo era uma afronta a moral e aos bons costumes. Mas que eles ficavam fascinados, isso ficava.
                                   Desde muito pequena, em razão dos dotes e predicados que possuía, foi que Jurema recebeu carinhosamente o codinome de “Tanajura”. Lutou e chegou a fazer promessa à Santa Luzia, para que os varões não a vissem apenas pelo tamanho dos glúteos ou bundas (como preferirem), mas de nada adiantou. Tal adjetivo ficou encravado na alma, ou melhor, no corpo daquela prenda. “Aceita que dói menos”, aconselhou uma velha marafona e foi o que ela fez, com o passar do tempo. Não demorou muito, para tornar-se referência daquela cidade interiorana.
                                   Ao frequentar eventos sociais, causava dor de cotovelo em algumas mulheres e admiração em outras. Sabia vestir-se com elegância, sem ser vulgar. Nem precisava, pois qualquer roupa lhe caia bem. Aquela parte protuberante do corpo ora causava alegria e ora preocupação. Aos poucos, aprendeu tirar dividendos daquilo. Tímida por natureza recusou o titulo de rainha do lugar. Tinha uma áurea natural e nem precisa usar a bunda para brilhar. Quem brilha com a bunda é vagalume.
                                   Tudo isso se passou na minha tenra infância. Não entendia o porquê de Jurema ser tão cortejada pelos marmanjos e odiada pelas puritanas e beatas. O meu mundo era de brincadeiras infantis. Observava nas meninas, o jeito gostoso de correr para lá e para cá, assim como eu. Não sabia o que era desejo ou fantasia, por isso, eu não sofria desses males, atinentes aos adultos. Um dia, com certeza, eu percorreria os caminhos da sedução e do desejo e, com certeza, iria cair nas garras de uma fêmea, tanajura ou não. Por isso, não queria sofrer por antecipação.
                                   Como sempre fui esfomeado pelo conhecimento, busquei saber o que era tanajura. Ao folhear o “Aurélio”, descobri que se tratava de uma fêmea da formiga saúva, sendo negra, gorda e voadora. Em tupi-guarani significa “formiga que se come”. Os adeptos daquela iguaria, diziam que podiam ser consumidas ao natural ou com farofa. Também, podiam ser torradas com água e sal, sendo consumidas com bebidas fermentadas ou destiladas. “Cai, cai tanajura que é tempo de gordura”. Para fazer baixar o voo, a meninada canta: “Caí, cai, tanajura, que o teu pai tá na gordura”.
                                   Pensar que Jurema, a nossa tanajura do lugar, poderia ser comida, causava-me tristeza e dó. Saber que, quando menos se esperasse, ela estaria sendo fritada e degustada com uma dose de cerveja ou de cachaça, no bar do “seo” Shaolim, era de arranhar a nossa amizade. Talvez, fosse por isso, que ela passava a maior parte do tempo, trancafiada em casa, com medo dos predadores famintos de desejos e de fantasias.
                                   O tempo passou... passou o tempo. Mas nunca saiu do meu pensamento, a imagem de Jurema, a linda tanajura, desfilando garbosamente pelas ruas e praças da minha terra natal. Era algo lindo de se ver e de admirar. De vez quando, nos meses de dezembro a fevereiro, ainda olho para o céu, querendo ver a revoada de tanajuras. E que sejam as mesmas da minha infância.
                                   Pensava cá com meus botões: “Um dia, quando eu me tornasse adúltero, ou melhor, adulto ganharia uma linda e doce tanajura? Jura!”.


Peruíbe SP, 26 de maio de 2019.

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