Adão de Souza
Ribeiro
Uma cidade pequena, um povo
humilde, uma dezena de crianças e um terreno baldio. Eis ai, os quesitos
necessários, para se instalar um circo. Não há nada mais belo e divertido, do
que ver a chegada dele, num lugar pacato e de costumes campesinos. As mesmices
do dia a dia deixam as pessoas enfadonhas, principalmente, os infantes. É certo
que ao aportar ali, o ar do vilarejo ganha um brilho diferente.
De início, contemplam-se os
caminhões chegando com o material e, em seguida, a montagem gradual. Os
trabalhadores suados vão colocando cada peça em seu lugar. Bate estaca aqui e
acolá. Cria-se o esqueleto da casa de espetáculo e, por fim, levanta-se a lona.
No entorno, estão as barracas ou trailers, que abrigarão os artistas, com seus familiares
ou não. Uma vez pronto para o espetáculo de estreia, um carro com alto falante,
sai às ruas anunciando a boa nova.
Os pequeninos entram em alvoroço e
os pais em desespero, pois tem que quebrar o porquinho e rapar até a última
moeda. A diversão tem um preço. Quando não tem dinheiro e nem cofrinho para
quebrar, eles usam outros recursos. Passam por baixo da lona, escondidos dos
fiscais. Ou vendem doces em forma de guarda-chuva, feitos com melaços de açúcar,
entregues pelos donos do circo. Não podem faltar os saquinhos de pipocas. O
pagamento é o ingresso de graça, claro!
No interior, a arquibancada de
madeira rustica e a ala vip, são compostas de cadeiras de ferro. Ao centro, o
picadeiro forrado de palha de arroz, sob um tapete. No alto, o trapézio e ao
fundo, o palco com seu tablado barulhento. A iluminação, como não poderia
deixar de ser, meio opaca e com ligações em gambiarras. Uma pessoa mais observadora
notará que a cobertura está repleta de remendos. Tudo parece improvisado, mas
não deixa de ser um circo. Um lugar para encantar os adultos e hipnotizar as
crianças.
As brincadeiras no picadeiro, com
palhaços engraçadíssimos e de roupas desengonçadas; os melodramas no palco,
regados com comédia; casais se arriscando no trapézio, para lá e para cá;
animais rigorosamente adestrados, agindo como se fossem espontâneos. Belas
mulheres, à custa de maquiagem, atiçando o imaginário masculino e homens
insinuando erotismo, aos olhares das casadas discretas. Alheia a tudo isso, as
crianças se divertem demasiadamente. O que importa se tudo é improvisado,
inclusive, a construção? Para elas, o encanto está na forma simples de se
divertir.
“Abrem-se as cortinas e começa o espetáculo!”,
anuncia o locutor de um vozeirão invejável, no sistema de som. Por ser uma casa
de espetáculo muito simples, não há recursos eletrônicos e nem efeitos
especiais. Tudo é feito na raça e com o talento de cada um de seus
apresentadores. Usando seus dons especiais, os palhaços chamam o público para
interagir com suas peraltices. Criam situações engraçadas e de suspense. Isso
para aquela cidade pequena e de povo simples, faz toda a diferença. Levam as
pessoas a viajarem por um mundo encantado e sem limites de felicidade.
Ao fim do espetáculo, todos rumam
para suas casas. As crianças embriagadas de alegria sabem que amanhã tem mais.
Durante o dia, notam-se os artistas dormindo em suas barracas e o circo
descansando em silêncio. Por quanto tempo ele permanecerá ali? E quando for
embora, como ficarão as fantasias das criancinhas do lugarejo? Passar por baixo
da lona, vender bandeja de guloseimas, fugir do palhaço brincalhão, serão
apenas lembranças, nada mais.
Dói na alma e sente-se um aperto
no coração, quando se vê aqueles homens suados, retirando de forma lenta cada
peça daquela casa de espetáculo, Ao descerrar a lona e expor o esqueleto,
percebe-se tristemente que o circo não mais existe. Fica um vazio no terreno e
na mente. Como um eterno retirante, vai partir para outro lugar, levando alegria
e espalhando fantasias para outras crianças, em províncias desconhecidas. Esta
é a sina de quem nasceram para espalhar encanto às pessoas enfadonhas.
No mundo moderno, as pessoas
enfrentam longas filas, para adquirirem ingressos, a fim de assistirem
espetáculo cheio de recursos tecnológicos. Lá os artistas obedecem a pontos
eletrônicos de seus diretores, como se fossem robôs. A parafernália de efeitos
especiais (luzes, sons e etc), distancia o público de seus apresentadores. Não
que lá não se vislumbre beleza e encantamento. Já no circo improvisado da
cidadezinha pacata e de gente humilde, em razão da interação, não se sabe quem é
palhaço e quem é público. Sabe-se até que o dono do circo fora registrado e
batizado pelo nome de José das Graças Divina.
Não é por acaso, que as crianças,
em conversas infantis, dizem: “Hoje vamos assistir as palhaçadas no Circu
du sô Zé”. Elas nem imaginam que troço é o tal do “Cirque du Soleil”.
A história chega ao fim. Por isso,
“Fecham
as cortinas e termina o espetáculo!”.
Peruíbe SP, 01
de maio de 2019.
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