quarta-feira, 1 de maio de 2019

CIRCU DU SÔ ZÉ

Adão de Souza Ribeiro

                                   Uma cidade pequena, um povo humilde, uma dezena de crianças e um terreno baldio. Eis ai, os quesitos necessários, para se instalar um circo. Não há nada mais belo e divertido, do que ver a chegada dele, num lugar pacato e de costumes campesinos. As mesmices do dia a dia deixam as pessoas enfadonhas, principalmente, os infantes. É certo que ao aportar ali, o ar do vilarejo ganha um brilho diferente.
                                   De início, contemplam-se os caminhões chegando com o material e, em seguida, a montagem gradual. Os trabalhadores suados vão colocando cada peça em seu lugar. Bate estaca aqui e acolá. Cria-se o esqueleto da casa de espetáculo e, por fim, levanta-se a lona. No entorno, estão as barracas ou trailers, que abrigarão os artistas, com seus familiares ou não. Uma vez pronto para o espetáculo de estreia, um carro com alto falante, sai às ruas anunciando a boa nova.
                                   Os pequeninos entram em alvoroço e os pais em desespero, pois tem que quebrar o porquinho e rapar até a última moeda. A diversão tem um preço. Quando não tem dinheiro e nem cofrinho para quebrar, eles usam outros recursos. Passam por baixo da lona, escondidos dos fiscais. Ou vendem doces em forma de guarda-chuva, feitos com melaços de açúcar, entregues pelos donos do circo. Não podem faltar os saquinhos de pipocas. O pagamento é o ingresso de graça, claro!
                                   No interior, a arquibancada de madeira rustica e a ala vip, são compostas de cadeiras de ferro. Ao centro, o picadeiro forrado de palha de arroz, sob um tapete. No alto, o trapézio e ao fundo, o palco com seu tablado barulhento. A iluminação, como não poderia deixar de ser, meio opaca e com ligações em gambiarras. Uma pessoa mais observadora notará que a cobertura está repleta de remendos. Tudo parece improvisado, mas não deixa de ser um circo. Um lugar para encantar os adultos e hipnotizar as crianças.
                                   As brincadeiras no picadeiro, com palhaços engraçadíssimos e de roupas desengonçadas; os melodramas no palco, regados com comédia; casais se arriscando no trapézio, para lá e para cá; animais rigorosamente adestrados, agindo como se fossem espontâneos. Belas mulheres, à custa de maquiagem, atiçando o imaginário masculino e homens insinuando erotismo, aos olhares das casadas discretas. Alheia a tudo isso, as crianças se divertem demasiadamente. O que importa se tudo é improvisado, inclusive, a construção? Para elas, o encanto está na forma simples de se divertir.
                                   “Abrem-se as cortinas e começa o espetáculo!”, anuncia o locutor de um vozeirão invejável, no sistema de som. Por ser uma casa de espetáculo muito simples, não há recursos eletrônicos e nem efeitos especiais. Tudo é feito na raça e com o talento de cada um de seus apresentadores. Usando seus dons especiais, os palhaços chamam o público para interagir com suas peraltices. Criam situações engraçadas e de suspense. Isso para aquela cidade pequena e de povo simples, faz toda a diferença. Levam as pessoas a viajarem por um mundo encantado e sem limites de felicidade.  
                                   Ao fim do espetáculo, todos rumam para suas casas. As crianças embriagadas de alegria sabem que amanhã tem mais. Durante o dia, notam-se os artistas dormindo em suas barracas e o circo descansando em silêncio. Por quanto tempo ele permanecerá ali? E quando for embora, como ficarão as fantasias das criancinhas do lugarejo? Passar por baixo da lona, vender bandeja de guloseimas, fugir do palhaço brincalhão, serão apenas lembranças, nada mais.
                                   Dói na alma e sente-se um aperto no coração, quando se vê aqueles homens suados, retirando de forma lenta cada peça daquela casa de espetáculo, Ao descerrar a lona e expor o esqueleto, percebe-se tristemente que o circo não mais existe. Fica um vazio no terreno e na mente. Como um eterno retirante, vai partir para outro lugar, levando alegria e espalhando fantasias para outras crianças, em províncias desconhecidas. Esta é a sina de quem nasceram para espalhar encanto às pessoas enfadonhas.
                                   No mundo moderno, as pessoas enfrentam longas filas, para adquirirem ingressos, a fim de assistirem espetáculo cheio de recursos tecnológicos. Lá os artistas obedecem a pontos eletrônicos de seus diretores, como se fossem robôs. A parafernália de efeitos especiais (luzes, sons e etc), distancia o público de seus apresentadores. Não que lá não se vislumbre beleza e encantamento. Já no circo improvisado da cidadezinha pacata e de gente humilde, em razão da interação, não se sabe quem é palhaço e quem é público. Sabe-se até que o dono do circo fora registrado e batizado pelo nome de José das Graças Divina.
                                   Não é por acaso, que as crianças, em conversas infantis, dizem: “Hoje vamos assistir as palhaçadas no Circu du sô Zé”. Elas nem imaginam que troço é o tal do “Cirque du Soleil”.
                                   A história chega ao fim. Por isso, “Fecham as cortinas e termina o espetáculo!”.


Peruíbe SP, 01 de maio de 2019.

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