Adão de Souza
Ribeiro
Amo por demais a minha terra
natal. Lá é um farto celeiro de causos trágicos ou pitorescos. Uns vão para o
esquecimento, em razão da fragilidade, porém, outros se tornam lendas haja
vista a sua veracidade, segundo os velhos moradores do lugarejo. Os
conterrâneos juram de pé junto, que o fato ou cena aconteceu. Dão detalhes ao
descreverem a cena e quem bota assunto, se sente parte da estória.
Não é por acaso, que estudiosos do
mundo inteiro, almejam estudar o povo e os remotos causos, ali ocorridos.
Ninguém melhor do que os caboclos da terrinha, para imortalizarem o que até
hoje, permanece vivo no imaginário do cotidiano guaimbeense. Talvez seja por
essa razão, que trago na veia, o gosto pelas longas narrativas e dissertações,
reais ou não. Peço escusas pelo atrevimento, mas gosto do que faço e me deleito
com isso.
Tenho fresca na memória, a estória
de que os varões eram portadores de uma virilidade invejada. O apetite sexual
despertado na puberdade transitava pela vida, indo desembocar no nonagenário
ano de existência. Contadores de causos exageram ao dizer que alguns cruzaram a
barreiras do século. Tenho lá minhas dúvidas, mas o que é contado com fé e convencimento
de veracidade merece ser respeitado. Por isso, ouso contar aqui, com toda
simplicidade e espero que deem credibilidade.
Quem se sentia honradas de nascerem
ou residirem ali e prometiam não se apartarem do lugar, eram as fêmeas. Afinal de contas, diziam que toda mulher
nasceu para ser amada e desejada. Não bastava ser esposa, dona de casa e
genitora, tinha que ser cortejada pelo macho da espécie. Boa parte da população
é descendente de famílias vindas das cabeceiras (região norte do país) e, por
isso, com fogo danado de desejo. Gente de sangue no zóio.
Três varões do lugarejo
despertavam curiosidade dos demais. Mesmo sendo octogenários, ainda tinham uma
fome voraz pelos desejos da carne. Como os pratos servidos pelas esposas, não
bastavam para saciá-los, saiam em busca de concubinas. Orações, simpatias e
benzimentos, realizados pelas esposas ultrajadas, de nada valiam e apenas
aumentavam a angústia de se sentirem incapazes de prenderem seus machos em casa. À noite, enquanto eles
saiam à caça, elas afogavam as mágoas com o travesseiro.
À noite, durante a empreitada, não
mediam esforços para serem felizes. Para materializarem os seus fetiches, todas
as mulheres eram alvos, sendo belas ou não e não importava a idade. Contam as
más línguas, que algumas ninfetas, faziam parte do cardápio deles. Três varões
de posse financeira e de influência na cidade, não podiam vacilar e dar com o
burro n´água. Já as ninfetas dizem que eram belas e insaciáveis. Juntou a fome
e a vontade de comer. Até hoje, tudo é mantido em segredo.
Mas de onde vinha tanta
virilidade? Mais uma vez, conta a lenda que os varões do lugar, buscavam
inspiração e força numa fonte. Por incrível que pareça, a fonte existe e fica
ao derredor da cidade. Despercebida pelos moradores e encravada num matagal,
jorra uma água cristalina. Numa cuia, tomei de um só gole e percebi uma certa
leveza. Queria absolver o milagre nela existente, afinal de contas, também sou
filho de Deus e mereço receber tamanho milagre. Tenho as prerrogativas de ser
originário das cabeceiras, pois sou filho de baiano e neto de lagoano.
A estória continua sendo imortalizada
nas rodas de amigos, nas conversas de boteco. Até mesmo nas homilias do padre
sexagenário, das beatas santificadas, das casadas recatadas ou das virgens
ansiosas por descobrirem o prazer da carne. Quando a estória tornou-se pública,
os varões das cidades vizinhas organizavam verdadeiras romarias, a fim de
beberem a água milagrosa da “Fonte dos Desejos”. De lugar sagrado a ponto turístico.
Certo é que todos reverenciavam o lugar. Se nas cabeceiras tem o santo padim
pade Ciço, ali tinha a fonte milagrosa.
Deixei minha terra natal, ainda na
tenra idade. Não tenho notícia de que os três representantes da virilidade
guaimbeense ainda estão no plano terreno. Se já estão morando na mansão do
amanhã, levaram consigo a lenda do milagre da “Fonte dos Desejos”. Foram
responsáveis pela certeza de que os homens dá terrinha, nascem para brilhar no
leito dos fetiches e luxurias masculina. Se a fonte secou, não sei, mas que
existiu isso sim. Pelo menos é o que conta a lenda.
Peruíbe SP, 08 de
junho de 2019.
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