sábado, 8 de junho de 2019

A FONTE DOS DESEJOS

Adão de Souza Ribeiro

                                   Amo por demais a minha terra natal. Lá é um farto celeiro de causos trágicos ou pitorescos. Uns vão para o esquecimento, em razão da fragilidade, porém, outros se tornam lendas haja vista a sua veracidade, segundo os velhos moradores do lugarejo. Os conterrâneos juram de pé junto, que o fato ou cena aconteceu. Dão detalhes ao descreverem a cena e quem bota assunto, se sente parte da estória.
                                   Não é por acaso, que estudiosos do mundo inteiro, almejam estudar o povo e os remotos causos, ali ocorridos. Ninguém melhor do que os caboclos da terrinha, para imortalizarem o que até hoje, permanece vivo no imaginário do cotidiano guaimbeense. Talvez seja por essa razão, que trago na veia, o gosto pelas longas narrativas e dissertações, reais ou não. Peço escusas pelo atrevimento, mas gosto do que faço e me deleito com isso.
                                   Tenho fresca na memória, a estória de que os varões eram portadores de uma virilidade invejada. O apetite sexual despertado na puberdade transitava pela vida, indo desembocar no nonagenário ano de existência. Contadores de causos exageram ao dizer que alguns cruzaram a barreiras do século. Tenho lá minhas dúvidas, mas o que é contado com fé e convencimento de veracidade merece ser respeitado. Por isso, ouso contar aqui, com toda simplicidade e espero que deem credibilidade.
                                   Quem se sentia honradas de nascerem ou residirem ali e prometiam não se apartarem do lugar, eram as fêmeas.  Afinal de contas, diziam que toda mulher nasceu para ser amada e desejada. Não bastava ser esposa, dona de casa e genitora, tinha que ser cortejada pelo macho da espécie. Boa parte da população é descendente de famílias vindas das cabeceiras (região norte do país) e, por isso, com fogo danado de desejo. Gente de sangue no zóio.
                                   Três varões do lugarejo despertavam curiosidade dos demais. Mesmo sendo octogenários, ainda tinham uma fome voraz pelos desejos da carne. Como os pratos servidos pelas esposas, não bastavam para saciá-los, saiam em busca de concubinas. Orações, simpatias e benzimentos, realizados pelas esposas ultrajadas, de nada valiam e apenas aumentavam a angústia de se sentirem incapazes de prenderem  seus machos em casa. À noite, enquanto eles saiam à caça, elas afogavam as mágoas com o travesseiro.
                                   À noite, durante a empreitada, não mediam esforços para serem felizes. Para materializarem os seus fetiches, todas as mulheres eram alvos, sendo belas ou não e não importava a idade. Contam as más línguas, que algumas ninfetas, faziam parte do cardápio deles. Três varões de posse financeira e de influência na cidade, não podiam vacilar e dar com o burro n´água. Já as ninfetas dizem que eram belas e insaciáveis. Juntou a fome e a vontade de comer. Até hoje, tudo é mantido em segredo.
                                   Mas de onde vinha tanta virilidade? Mais uma vez, conta a lenda que os varões do lugar, buscavam inspiração e força numa fonte. Por incrível que pareça, a fonte existe e fica ao derredor da cidade. Despercebida pelos moradores e encravada num matagal, jorra uma água cristalina. Numa cuia, tomei de um só gole e percebi uma certa leveza. Queria absolver o milagre nela existente, afinal de contas, também sou filho de Deus e mereço receber tamanho milagre. Tenho as prerrogativas de ser originário das cabeceiras, pois sou filho de baiano e neto de lagoano.
                                   A estória continua sendo imortalizada nas rodas de amigos, nas conversas de boteco. Até mesmo nas homilias do padre sexagenário, das beatas santificadas, das casadas recatadas ou das virgens ansiosas por descobrirem o prazer da carne. Quando a estória tornou-se pública, os varões das cidades vizinhas organizavam verdadeiras romarias, a fim de beberem a água milagrosa da “Fonte dos Desejos”. De lugar sagrado a ponto turístico. Certo é que todos reverenciavam o lugar. Se nas cabeceiras tem o santo padim pade Ciço, ali tinha a fonte milagrosa.
                                   Deixei minha terra natal, ainda na tenra idade. Não tenho notícia de que os três representantes da virilidade guaimbeense ainda estão no plano terreno. Se já estão morando na mansão do amanhã, levaram consigo a lenda do milagre da “Fonte dos Desejos”. Foram responsáveis pela certeza de que os homens dá terrinha, nascem para brilhar no leito dos fetiches e luxurias masculina. Se a fonte secou, não sei, mas que existiu isso sim. Pelo menos é o que conta a lenda.


Peruíbe SP, 08 de junho de 2019.

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