Adão de Souza
Ribeiro
Até hoje, não se sabe o porquê que
tudo só acontece lá pelas bandas do meu rincão. Quando alguém bota tento nas
extensas e cansativas lorotas do narrador, há de pensar que se trata de
baboseiras, coisas do imaginário de quem não tem o que fazer. A melhor seara de
que se tem conhecimento, fica ali ao alcance dos nossos olhos. Basta observar
no cotidiano daquele lugar bucólico, para se encantar com os fatos pitorescos e
com os trejeitos das pessoas. Tudo desperta lembrança e ternura.
Quem tem olhar de lince, consegue captar
lances inesquecíveis e que perpetuarão na memória e na alma de seu povo. Todas
as vezes que são lembrados, alguns fatos causam saudades e humor; já outros,
reconduzem a momentos de tristeza e dor. Por isso, ao se pretender narrar algo,
não se pode divagar tanto. A divagação corre o risco de macular a realidade do
que se pretende narrar e ofuscar a história, daquilo que tinha tudo para
convencer o leitor.
Ao manusear as folhas amareladas
do livro da história do meu rincão, deparei-me com um fato, o qual, até hoje,
não compreendo porque teria que acontecer ali. Sempre reporto à minha infância,
pois, tudo de bom e de belo, desenvolveu naquela fase da vida e naquele lugar
tão especial. A começar pelo amor platônico. Já discorri sobre isso e não quero
ser enfadonho. As narrativas tem aguçado a curiosidade de alguns e, por outro
lado, despertado o saudosismo de outros.
Pois bem. Havia ali uma família comum,
como todas as outras. O casal Joaquim José e Serafina, tinham três filhos, a
saber: José Joaquim, Belarmina e Maria Rosa. O patriarca era domador de cavalo,
por ofício. A esposa, por sua vez, de candura invejável, cuidava da casa e dos
filhos, como ninguém. As filhas, tímidas por natureza e sem estudo, buscavam na
lavoura, o seu destino e sustento. Já o filho José Joaquim, caçula e mais
carismático, gostava de futebol e de cantoria. Um fanfarrão, monitorado pelo
pai.
Numa cidade provinciana e de
comportamento arcaico, a família tinha um tratamento rígido. As mulheres ficavam
em casa ou no trabalho. Já os homens podiam tudo ou quase tudo. Por isso, a
esposa e as filhas, dificilmente eram vistas transitando pela rua, mesmo nos
finais de semana. Raras vezes, elas (esposa e filhas) frequentavam as missas
dominicais ou festejos tradicionais e quando aconteciam, estavam sempre acompanhadas
de Joaquim José. Namorados, nem pensar.
Já os machos tinham como lazer: os
botecos, com cachaças intermináveis; as partidas de futebol, num campo, atrás
da delegacia; as pescarias, num córrego barrento; os festivais de violeiros, na
praça matriz e, como não podia deixar de ser, a “casa das primas”, ao norte da
cidade. Aos sábados, os sitiantes vinham para a cidade, fazerem a despesa da
semana e, por isso, tudo parecia um mercado persa.
Joaquim José tinha por hábito e
lazer, frequentar a “casa das primas”, isso sempre longe dos olhos e dos
ouvidos da família. Passava longas horas em deleites em caricias amorosas.
Entre uma lascívia e outra, conheceu Brenda. Uma mulher fogosa e que jorrava
prazer e carinho. Sabia cativar, como ninguém, a atenção e o interesse
masculino, através de seus serviços prestados. O cliente já fisgado pelas
virtudes de Brenda fazia tudo o que ela pedia. Enquanto isso, a família de
Joaquim José, vivia a penúria do cativeiro. O rigor no tratamento era para que
nada desconfiassem.
Logo que ganhou a maioridade e o
passaporte para viver a vida com intensidade, o filho José Joaquim descobriu o
caminho florido e sedutor da “casa das primas”. Gostava dos namoricos, na praça
matriz; dos desafios de violeiros, no clube municipal e das peladas de futebol,
no campo de várzea. Mas quando surgia oportunidade, dava suas escapadelas para
a “casa das primas” e feito animal no cio, caia nos braços de Bruna. E ela
sabia, com seu jeito dengoso, laçar uma presa inexperiente.
Não se sabe como, pai e filho não se cruzavam
pelas estradas, a caminho daquela casa de luxurias e, muito menos, nos
compartimentos onde sexo e bebida eram servidos a preço camarada. Não imaginava
o criador e a criatura, que a fêmea tão cobiçada, a quem eles descarregavam
seus momentos de delírios sexuais, era a mesma. Como eu disse: “Não
se sabe o porquê que tudo acontece lá pelas bandas do meu rincão”. Essa
não pode ser a crônica de uma tragédia anunciada.
Não costumo enveredar por caminhos
que não conheço, pois tudo na vida tem um preço, os quais, na maioria das
vezes, nós não temos como pagar. Um dia, quis o destino, que os protagonistas
desta história, descobrissem que a fêmea tão cobiçada e dona de predicados
invejáveis por ambos, era a mesma. Com seus amores diversos, Brenda e Bruna
eram irmãs siamesas. O enredo da perdição não teve inspiração para escrever as
cenas do próximo capítulo.
Numa tarde triste de domingo,
durante um entrevero sem precedentes, houve o confronto final. No quintal da
casa e numa peleja de gladiadores, Joaquim José com um golpe certeiro no
coração, ceifou a vida de José Joaquim. Ali ao lado do pé de bananeira, o
criador viu a criatura dar o último suspiro, não de prazer, mas de agonia como
se fosse uma anunciada tragicomédia grega.
O que aconteceu com Brenda ou
Bruna, pivô do triangulo amoroso, até hoje não sei. Assim como minha infância,
o desfecho da história se perdeu na memória do contador de causos.
Peruíbe SP, 20 de junho de 2019.
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