quarta-feira, 19 de junho de 2019

A TRAGICOMÉDIA ANUNCIADA

Adão de Souza Ribeiro

                                   Até hoje, não se sabe o porquê que tudo só acontece lá pelas bandas do meu rincão. Quando alguém bota tento nas extensas e cansativas lorotas do narrador, há de pensar que se trata de baboseiras, coisas do imaginário de quem não tem o que fazer. A melhor seara de que se tem conhecimento, fica ali ao alcance dos nossos olhos. Basta observar no cotidiano daquele lugar bucólico, para se encantar com os fatos pitorescos e com os trejeitos das pessoas. Tudo desperta lembrança e ternura.
                                   Quem tem olhar de lince, consegue captar lances inesquecíveis e que perpetuarão na memória e na alma de seu povo. Todas as vezes que são lembrados, alguns fatos causam saudades e humor; já outros, reconduzem a momentos de tristeza e dor. Por isso, ao se pretender narrar algo, não se pode divagar tanto. A divagação corre o risco de macular a realidade do que se pretende narrar e ofuscar a história, daquilo que tinha tudo para convencer o leitor.
                                   Ao manusear as folhas amareladas do livro da história do meu rincão, deparei-me com um fato, o qual, até hoje, não compreendo porque teria que acontecer ali. Sempre reporto à minha infância, pois, tudo de bom e de belo, desenvolveu naquela fase da vida e naquele lugar tão especial. A começar pelo amor platônico. Já discorri sobre isso e não quero ser enfadonho. As narrativas tem aguçado a curiosidade de alguns e, por outro lado, despertado o saudosismo de outros.
                                   Pois bem. Havia ali uma família comum, como todas as outras. O casal Joaquim José e Serafina, tinham três filhos, a saber: José Joaquim, Belarmina e Maria Rosa. O patriarca era domador de cavalo, por ofício. A esposa, por sua vez, de candura invejável, cuidava da casa e dos filhos, como ninguém. As filhas, tímidas por natureza e sem estudo, buscavam na lavoura, o seu destino e sustento. Já o filho José Joaquim, caçula e mais carismático, gostava de futebol e de cantoria. Um fanfarrão, monitorado pelo pai.
                                   Numa cidade provinciana e de comportamento arcaico, a família tinha um tratamento rígido. As mulheres ficavam em casa ou no trabalho. Já os homens podiam tudo ou quase tudo. Por isso, a esposa e as filhas, dificilmente eram vistas transitando pela rua, mesmo nos finais de semana. Raras vezes, elas (esposa e filhas) frequentavam as missas dominicais ou festejos tradicionais e quando aconteciam, estavam sempre acompanhadas de Joaquim José. Namorados, nem pensar.
                                   Já os machos tinham como lazer: os botecos, com cachaças intermináveis; as partidas de futebol, num campo, atrás da delegacia; as pescarias, num córrego barrento; os festivais de violeiros, na praça matriz e, como não podia deixar de ser, a “casa das primas”, ao norte da cidade. Aos sábados, os sitiantes vinham para a cidade, fazerem a despesa da semana e, por isso, tudo parecia um mercado persa.
                                   Joaquim José tinha por hábito e lazer, frequentar a “casa das primas”, isso sempre longe dos olhos e dos ouvidos da família. Passava longas horas em deleites em caricias amorosas. Entre uma lascívia e outra, conheceu Brenda. Uma mulher fogosa e que jorrava prazer e carinho. Sabia cativar, como ninguém, a atenção e o interesse masculino, através de seus serviços prestados. O cliente já fisgado pelas virtudes de Brenda fazia tudo o que ela pedia. Enquanto isso, a família de Joaquim José, vivia a penúria do cativeiro. O rigor no tratamento era para que nada desconfiassem.
                                   Logo que ganhou a maioridade e o passaporte para viver a vida com intensidade, o filho José Joaquim descobriu o caminho florido e sedutor da “casa das primas”. Gostava dos namoricos, na praça matriz; dos desafios de violeiros, no clube municipal e das peladas de futebol, no campo de várzea. Mas quando surgia oportunidade, dava suas escapadelas para a “casa das primas” e feito animal no cio, caia nos braços de Bruna. E ela sabia, com seu jeito dengoso, laçar uma presa inexperiente.
                                    Não se sabe como, pai e filho não se cruzavam pelas estradas, a caminho daquela casa de luxurias e, muito menos, nos compartimentos onde sexo e bebida eram servidos a preço camarada. Não imaginava o criador e a criatura, que a fêmea tão cobiçada, a quem eles descarregavam seus momentos de delírios sexuais, era a mesma. Como eu disse: “Não se sabe o porquê que tudo acontece lá pelas bandas do meu rincão”. Essa não pode ser a crônica de uma tragédia anunciada.
                                   Não costumo enveredar por caminhos que não conheço, pois tudo na vida tem um preço, os quais, na maioria das vezes, nós não temos como pagar. Um dia, quis o destino, que os protagonistas desta história, descobrissem que a fêmea tão cobiçada e dona de predicados invejáveis por ambos, era a mesma. Com seus amores diversos, Brenda e Bruna eram irmãs siamesas. O enredo da perdição não teve inspiração para escrever as cenas do próximo capítulo.
                                   Numa tarde triste de domingo, durante um entrevero sem precedentes, houve o confronto final. No quintal da casa e numa peleja de gladiadores, Joaquim José com um golpe certeiro no coração, ceifou a vida de José Joaquim. Ali ao lado do pé de bananeira, o criador viu a criatura dar o último suspiro, não de prazer, mas de agonia como se fosse uma anunciada tragicomédia grega.
                                   O que aconteceu com Brenda ou Bruna, pivô do triangulo amoroso, até hoje não sei. Assim como minha infância, o desfecho da história se perdeu na memória do contador de causos.

 Peruíbe SP, 20 de junho de 2019.


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