segunda-feira, 8 de julho de 2019

LOBOS SOLITÁRIOS

Adão de Souza Ribeiro

                        O destino tem lá suas razões, que a própria razão desconhece. Creio ser este o motivo pelo qual, não se podem traçar planos para o futuro. Os acontecimentos cotidianos são como uma caixinha de surpresa, pois não se sabe o que vem dentro. E é esse mistério, que alimenta a esperança de cada um de nós e que nos impulsiona a lutar de unhas e dentes, por aquilo que acreditamos que nos fará bem. Na busca incansável pelo destino que traçamos, ficamos cegos, talvez; mas isso é o que menos importa.
                        Só quem já sofreu, na expectativa de ter um amor correspondido, sabe do que estou falando. No mundo imaginário, acredita-se que o destino são como duas estradas, que se cruzam na linha do horizonte, onde se realizam todos os sonhos adormecidos ao longo da nossa existência. Anulamo-nos para o mundo, quando sonhamos em tocar a estrela do nosso desejo infinito. Se a estrela existe, não se sabe.
                        Foi com essa ótica, que um jovem sonhador de minha terra natal, despertou para o amor. Ao enveredar pelos caminhos tortuosos do sentimento amoroso, perdeu a bússola do coração. Ao engraçar-se por uma galeguinha, turvou a visão. A partir daquele instante, o seu mundo passou a girar em torno dela e para ela. O jovem fazia de tudo para agradá-la e dela, conquistar o coração endurecido. Mas a galeguinha, como toda fêmea, nada queria com o jovem. Tinha como cumplice, um dos irmãos da infante, mas de nada adiantava. Os olhos dela fitavam outras pastagens.
                        O jovem de que falo, atendia por nome, ou melhor, apelido de Juá. Um roceiro... um trabalhador incansável. Um jovem branco e esguio. Com seu jeito simples de se vestir, tinha o coração do tamanho do universo. De fácil amizade, gostava de ajudar a todos, que dele buscavam alento. Com uma desculpa esfarrapada, todo final de semana, batia à casa da galeguinha, simplesmente para matar a saudade. Se os olhos estavam voltados para ela, os dela fitavam Carlão. Mas o jovem Juá, assim como todo brasileiro, não desistia nunca. Sofria e persistia. Sabe-se lá, até que dia!
                        Como diz o adágio popular: “Um dia, de tanto ir à fonte, o vaso quebra”. E assim, de tanto sofrer por aquele amor não correspondido, o jovem Juá resolveu voar para outras plagas. Pousou suas lindas asas, lá pelas bandas da “casa das primas”. Lugar onde se afoga as mágoas e amores mal resolvidos, ali encontrou terreno fértil. Não demorou muito e o jovem inexperiente deitou no colo de Clarice, a “prima” pra lá de bela e dengosa. Aos poucos e sem que percebesse, caiu nas teias da paixão e do desejo. Com o passar do tempo, a galeguinha tornou-se apenas uma imagem perdida na memória.
                        Lá estava o destino enfiando o dedo aonde não era chamado e, assim, mudando o enredo de uma história de amor, que tinha tudo para dar certo. Na casa dos prazeres e amores ilusórios, também frequentavam alguns forasteiros de uma empresa, vinda das bandas do norte. Um dos forasteiros, de nome Setembrino, era “caso fixo” de Clarice, aquela prima pra lá de bela e dengosa. Mulher que vende o corpo, não tem dono e nem cabresto. Manda no corpo e no coração dela, quem paga mais. Se o corpo arde de desejo, o coração é duro como um gelo.
                        Quando a cama gelou, Setembrino esperneou feito louco. Certo dia, durante um trago de cigarro e um gole de bebida, Clarice confessou que naquele leito, também dormia um jovem sedento de amor e de desejo. A alma de Setembrino cuspiu maldade. Num confronto com o rival, o dono da prima vociferou ameaças, prometendo beber o sangue de Juá. Foi com aquele propósito que arregimentou um de seus subordinados na empresa. Prometeu dinheiro e promoção, sendo aceito pelo comparsa.
                        A vingança se come em prato frio. Cerca de seis meses da descoberta da traição, Setembrino e o comparsa encontraram Juá caminhando pelas ruas tranquilas do povoado, isso defronte a um armazém tradicional. Em rápidas conversas, o ofendido disse ao jovem que tudo não passara de um mal entendido e que, por isso, não guardara mágoa. Juá, na inocência de quem não tem maldade, acreditou no lero lero. “Vamos tomar uma branquinha, no bar do seu Shaolin, para comemorar nossa amizade.”, convidou o desafeto e o jovem aceitou.
                        Juá, o jovem de coração bondoso e peito aberto, sem maldade entrou na caminhoneta da empresa. Lá estava o desafeto e o comparsa ao volante. Sentado entre os dois, o jovem sorria, não sabendo que tudo terminaria ali. Era domingo de manhã, por volta das seis horas. Ali mesmo, passou a receber vários golpes de peixeira em seu coração inocente. Ainda menino, com meus onze anos, eu vi a tal caminhonete passar por mim, estando defronte a minha casa, na Rua Rui Barbosa. Eu não sabia que o jovem Juá agonizava nas mãos sanguinárias de Setembrino, dono de Clarice e amante da “casa das primas”.
                        Já sem vida, fora conduzido rua acima, rumo ao cafezal, depois do grupo escolar. Seu corpo branco e esguio, de roceiro trabalhador, fora jogado entre os pés de café, que ficavam pelas bandas da antiga caixa d´água. Os covardes fugiram, para nunca mais. A cidade chorou a perda do jovem de um coração do tamanho do universo. A galeguinha seguiu em busca de seu amor tão cobiçado e verdadeiro. Já Clarice, sem remorso, foi se deitar com outro homem, porque mulher de vida fácil não tem dono. O dono dela é quem paga mais pelos seus dotes.  Não queria que esse conto terminasse assim. O que aconteceu com a família de Juá? Depois te conto.
                        A vida e a morte caminham de mãos dadas pelas ruas tranquilas da cidade. Já o destino e o amor, feito lobos solitários, continuam devorando sonhos juvenis. E o desejo esconde-se no leito sombrio de um quarto qualquer.


Peruíbe SP, 07 de julho de 2019, 

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