Adão de Souza
Ribeiro
O destino tem lá suas razões, que a própria
razão desconhece. Creio ser este o motivo pelo qual, não se podem traçar planos
para o futuro. Os acontecimentos cotidianos são como uma caixinha de surpresa,
pois não se sabe o que vem dentro. E é esse mistério, que alimenta a esperança
de cada um de nós e que nos impulsiona a lutar de unhas e dentes, por aquilo
que acreditamos que nos fará bem. Na busca incansável pelo destino que
traçamos, ficamos cegos, talvez; mas isso é o que menos importa.
Só quem já sofreu, na expectativa de ter um
amor correspondido, sabe do que estou falando. No mundo imaginário, acredita-se
que o destino são como duas estradas, que se cruzam na linha do horizonte, onde
se realizam todos os sonhos adormecidos ao longo da nossa existência.
Anulamo-nos para o mundo, quando sonhamos em tocar a estrela do nosso desejo
infinito. Se a estrela existe, não se sabe.
Foi com essa ótica, que um jovem sonhador de
minha terra natal, despertou para o amor. Ao enveredar pelos caminhos tortuosos
do sentimento amoroso, perdeu a bússola do coração. Ao engraçar-se por uma galeguinha,
turvou a visão. A partir daquele instante, o seu mundo passou a girar em torno
dela e para ela. O jovem fazia de tudo para agradá-la e dela, conquistar o
coração endurecido. Mas a galeguinha, como toda fêmea, nada queria com o jovem.
Tinha como cumplice, um dos irmãos da infante, mas de nada adiantava. Os olhos dela
fitavam outras pastagens.
O jovem de que falo, atendia por nome, ou
melhor, apelido de Juá. Um roceiro... um trabalhador incansável. Um jovem
branco e esguio. Com seu jeito simples de se vestir, tinha o coração do tamanho
do universo. De fácil amizade, gostava de ajudar a todos, que dele buscavam
alento. Com uma desculpa esfarrapada, todo final de semana, batia à casa da
galeguinha, simplesmente para matar a saudade. Se os olhos estavam voltados
para ela, os dela fitavam Carlão. Mas o jovem Juá, assim como todo brasileiro,
não desistia nunca. Sofria e persistia. Sabe-se lá, até que dia!
Como diz o adágio popular: “Um
dia, de tanto ir à fonte, o vaso quebra”. E assim, de tanto sofrer por
aquele amor não correspondido, o jovem Juá resolveu voar para outras plagas.
Pousou suas lindas asas, lá pelas bandas da “casa das primas”. Lugar onde se
afoga as mágoas e amores mal resolvidos, ali encontrou terreno fértil. Não
demorou muito e o jovem inexperiente deitou no colo de Clarice, a “prima” pra
lá de bela e dengosa. Aos poucos e sem que percebesse, caiu nas teias da paixão
e do desejo. Com o passar do tempo, a galeguinha tornou-se apenas uma imagem
perdida na memória.
Lá estava o destino enfiando o dedo aonde não
era chamado e, assim, mudando o enredo de uma história de amor, que tinha tudo
para dar certo. Na casa dos prazeres e amores ilusórios, também frequentavam
alguns forasteiros de uma empresa, vinda das bandas do norte. Um dos
forasteiros, de nome Setembrino, era “caso fixo” de Clarice, aquela prima pra
lá de bela e dengosa. Mulher que vende o corpo, não tem dono e nem cabresto.
Manda no corpo e no coração dela, quem paga mais. Se o corpo arde de desejo, o
coração é duro como um gelo.
Quando a cama gelou, Setembrino esperneou
feito louco. Certo dia, durante um trago de cigarro e um gole de bebida, Clarice
confessou que naquele leito, também dormia um jovem sedento de amor e de
desejo. A alma de Setembrino cuspiu maldade. Num confronto com o rival, o dono
da prima vociferou ameaças, prometendo beber o sangue de Juá. Foi com aquele
propósito que arregimentou um de seus subordinados na empresa. Prometeu
dinheiro e promoção, sendo aceito pelo comparsa.
A vingança se come em prato frio. Cerca de
seis meses da descoberta da traição, Setembrino e o comparsa encontraram Juá
caminhando pelas ruas tranquilas do povoado, isso defronte a um armazém
tradicional. Em rápidas conversas, o ofendido disse ao jovem que tudo não passara
de um mal entendido e que, por isso, não guardara mágoa. Juá, na inocência de
quem não tem maldade, acreditou no lero lero. “Vamos tomar uma branquinha, no
bar do seu Shaolin, para comemorar nossa amizade.”, convidou o desafeto
e o jovem aceitou.
Juá, o jovem de coração bondoso e peito
aberto, sem maldade entrou na caminhoneta da empresa. Lá estava o desafeto e o
comparsa ao volante. Sentado entre os dois, o jovem sorria, não sabendo que
tudo terminaria ali. Era domingo de manhã, por volta das seis horas. Ali mesmo,
passou a receber vários golpes de peixeira em seu coração inocente. Ainda
menino, com meus onze anos, eu vi a tal caminhonete passar por mim, estando
defronte a minha casa, na Rua Rui Barbosa. Eu não sabia que o jovem Juá
agonizava nas mãos sanguinárias de Setembrino, dono de Clarice e amante da
“casa das primas”.
Já sem vida, fora conduzido rua acima, rumo
ao cafezal, depois do grupo escolar. Seu corpo branco e esguio, de roceiro
trabalhador, fora jogado entre os pés de café, que ficavam pelas bandas da
antiga caixa d´água. Os covardes fugiram, para nunca mais. A cidade chorou a
perda do jovem de um coração do tamanho do universo. A galeguinha seguiu em
busca de seu amor tão cobiçado e verdadeiro. Já Clarice, sem remorso, foi se
deitar com outro homem, porque mulher de vida fácil não tem dono. O dono dela é
quem paga mais pelos seus dotes. Não
queria que esse conto terminasse assim. O que aconteceu com a família de Juá?
Depois te conto.
A vida e a morte caminham de mãos dadas pelas
ruas tranquilas da cidade. Já o destino e o amor, feito lobos solitários, continuam
devorando sonhos juvenis. E o desejo esconde-se no leito sombrio de um quarto
qualquer.
Peruíbe SP, 07
de julho de 2019,
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