Adão de Souza
Ribeiro
A cidade acordou em pânico e toda chorosa.
Uma respeitada munícipe e rezadora de carteirinha acendeu o alerta ao povo
pacato: “Por onde anda o velho sino da igreja matriz?” Isso bastou para
tirar a paz do lugarejo. De boca em boca, a notícia se espalhou como erva
daninha. Quando chegou aos ouvidos de Josué, escriba oficial e responsável pela
segurança da terra, onde nada de grave acontecia, a não ser furtos de galinha
caipira, a coisa começou a ganhar corpo.
De pronto e por dever de ofício, Josué determinou
minuciosa investigação, sobre autoria do desaparecimento e paradeiro da
relíquia. Para auxiliá-lo naquele labor, solicitou apoio da Polícia Federal,
FBI (Estados Unidos), Scotland Yard (Inglaterra), KGB (Rússia), Grenzschugruppe
(Alemanha), Sureté Nationale (França), Cuerpo Nacional de Policia (Espanha), Keisatsu-chô
(Japão).
Se estivesse fugido, o autor iria parar na
lista negra da Interpol. Não demorou muito e imprensa internacional estava ali,
feito urubu na carniça. A Santa Sé foi comunicada e o Sumo Pontífice pediu
providência ao pároco local, sob a pena de perda da batina. E, para ele, perder
a batina, seria um sacrilégio.
A torre de madeira, ao lado da capela, onde
ficava suspenso o sino, estando carcomida pelo tempo impiedoso, por questão de
segurança, fora demolida. As pessoas distraídas, não se recordavam quando e quem
pôs a torre abaixo. Tempos distantes, as santas imagens foram guardadas pelas
beatas sacramentadas, em suas casas, depois que um padre comunista e
mulherengo, mudou o ritual litúrgico e as excomungou (imagens). Não fora o
mesmo destino dado ao sino, um símbolo da humilde fé cristã?
Certo é que cravou na memória dos católicos
fervorosos, o som melodioso do sino, o qual, todo final de tarde, anunciava a
hora da “Ave Maria”. Também religiosamente aos domingos, chamava a população para
a missa matinal. Não há como esquecer que ele, de mãos dadas com o
alto-falante, estático lá no cume da igreja, anunciava pesarosamente a partida
de algum conterrâneo e ente querido para o plano celestial, isto é, “foi
descansar no sono eterno”.
Quando as pessoas fitavam o lugar, onde jaz o
campanário, reviviam cenas da molecada vinda em bando do Grupo Escolar “José
Belmiro Rocha” e ao passarem por ele, dependuravam na corda. Para eles, aquilo
era pura diversão. O som fora de hora, ecoava pelos quatro cantos da cidade e
deixava o vigário italiano octogenário fora de si, rodando a baiana, ou melhor,
a batina.
Lá da Casa Paroquial, aos berros, dizia: “Porca
pipa, Dio mio. Vá lá Mundico – o sacristão - escorraçar aquelas pragas de
moleques”. Tinha até foto do “Mané do Açougue”, escalando a legendária torre
de madeira, cena digna de ser exposta em museu. As vigas eram de madeira
rústica, não tratada contra a corrosão da natureza. Um ponto turístico, que
deveria ter sido explorado com carinho.
O Alcaide decretou ser de utilidade pública e
patrimônio cultural “post mortem” (após morte), ou melhor, “post exitum” (após
sumiço). Também, determinou uma varredura a cada centímetro, em todos os
quintais e casas, devendo comunicá-lo sobre o encontro do sino e identificação
do larápio/herege. Aparelhos rastreadores e cães farejadores, ajudavam nas
buscas incansáveis, sob o comando do detetive Faro-Fino, um expert no assunto.
As emissoras de televisão, de hora em hora,
transmitiam imagens da Praça Matriz. Camelôs, pipoqueiros, retratistas,
repentistas, escritores de cordel, jornaleiros instalaram-se ali. Um turco
montou uma lojinha de armarinho, bem na esquina da praça. Os oportunistas de
plantão não perdoavam e não perdiam tempo, mas a tristeza era imensa.
Será que os gatunos derreteram e venderam
para comprar cachaça no “Bar do Iwai”, como fizeram com outra relíquia, a
“Jules Rimet?” Será que transportaram numa carroça ou no lombo de um burro? A
peça era grande e pesada demais, para uma pessoa sozinha levar nas costas e,
assim, seria facilmente percebido.
A demora em perceber a falta, fez com que o
crime não deixasse rastro e doía só de pensar naquilo, caso tenha sido
derretido. Nem mesmo o busto dos desbravadores e fundadores orientais do
lugarejo, ao lado do campanário, que diuturnamente cuidavam do sino, impediram
o sumiço misterioso do mesmo.
O sino uniu a fé, pois todas as igrejas,
independente do dogma religioso, uniram-se a procura do sino. Procissões e
vigílias aconteciam toda hora. Em todos os postes e muros, haviam cartazes
fixados, com os dizeres: “Procura-se o sino de bronze. Recompensa: Cem mil réis
e uma missa dominical.” Pensaram até numa réplica, sendo a ideia descartada,
pois não teria o mesmo valor histórico.
Por que demoraram tanto, para sentirem falta
do sino? Vai-se o tempo e somem as provas. As lembranças e as fotos não
substituem o badalar cadenciado a repicar no bronze. Era poético ver Mundico – ajudante
de ordem do vigário -, um menino mirrado, puxando a corda, que até o levitava,
dando vida aquele instrumento tão importante do vilarejo.
Hoje a igreja chora triste e o alto-falante
emudece com o sumiço do velho sino de bronze. Os “de cujus” partem sem os
rituais de respeito e pesares. A Praça Matriz sem o campanário, com o velho
sino de bronze pendurado nele, é apenas uma praça e nada mais. E aos cristãos de outrora, só
restaram saudades. Dim... Dem... Dom...
Se por um milagre do destino, for localizado
o velho sino de bronze, com notícias no “New York Times”, a história
continua...
Peruíbe SP, 30
de abril de 2021.
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