sábado, 1 de maio de 2021

O CAMPANÁRIO

 

Adão de Souza Ribeiro

                        A cidade acordou em pânico e toda chorosa. Uma respeitada munícipe e rezadora de carteirinha acendeu o alerta ao povo pacato: “Por onde anda o velho sino da igreja matriz?” Isso bastou para tirar a paz do lugarejo. De boca em boca, a notícia se espalhou como erva daninha. Quando chegou aos ouvidos de Josué, escriba oficial e responsável pela segurança da terra, onde nada de grave acontecia, a não ser furtos de galinha caipira, a coisa começou a ganhar corpo.

                        De pronto e por dever de ofício, Josué determinou minuciosa investigação, sobre autoria do desaparecimento e paradeiro da relíquia. Para auxiliá-lo naquele labor, solicitou apoio da Polícia Federal, FBI (Estados Unidos), Scotland Yard (Inglaterra), KGB (Rússia), Grenzschugruppe (Alemanha), Sureté Nationale (França), Cuerpo Nacional de Policia (Espanha), Keisatsu-chô (Japão).

                        Se estivesse fugido, o autor iria parar na lista negra da Interpol. Não demorou muito e imprensa internacional estava ali, feito urubu na carniça. A Santa Sé foi comunicada e o Sumo Pontífice pediu providência ao pároco local, sob a pena de perda da batina. E, para ele, perder a batina, seria um sacrilégio.

                        A torre de madeira, ao lado da capela, onde ficava suspenso o sino, estando carcomida pelo tempo impiedoso, por questão de segurança, fora demolida. As pessoas distraídas, não se recordavam quando e quem pôs a torre abaixo. Tempos distantes, as santas imagens foram guardadas pelas beatas sacramentadas, em suas casas, depois que um padre comunista e mulherengo, mudou o ritual litúrgico e as excomungou (imagens). Não fora o mesmo destino dado ao sino, um símbolo da humilde fé cristã?

                        Certo é que cravou na memória dos católicos fervorosos, o som melodioso do sino, o qual, todo final de tarde, anunciava a hora da “Ave Maria”. Também religiosamente aos domingos, chamava a população para a missa matinal. Não há como esquecer que ele, de mãos dadas com o alto-falante, estático lá no cume da igreja, anunciava pesarosamente a partida de algum conterrâneo e ente querido para o plano celestial, isto é, “foi descansar no sono eterno”.

                        Quando as pessoas fitavam o lugar, onde jaz o campanário, reviviam cenas da molecada vinda em bando do Grupo Escolar “José Belmiro Rocha” e ao passarem por ele, dependuravam na corda. Para eles, aquilo era pura diversão. O som fora de hora, ecoava pelos quatro cantos da cidade e deixava o vigário italiano octogenário fora de si, rodando a baiana, ou melhor, a batina.

                        Lá da Casa Paroquial, aos berros, dizia: “Porca pipa, Dio mio. Vá lá Mundico – o sacristão - escorraçar aquelas pragas de moleques”. Tinha até foto do “Mané do Açougue”, escalando a legendária torre de madeira, cena digna de ser exposta em museu. As vigas eram de madeira rústica, não tratada contra a corrosão da natureza. Um ponto turístico, que deveria ter sido explorado com carinho.

                        O Alcaide decretou ser de utilidade pública e patrimônio cultural “post mortem” (após morte), ou melhor, “post exitum” (após sumiço). Também, determinou uma varredura a cada centímetro, em todos os quintais e casas, devendo comunicá-lo sobre o encontro do sino e identificação do larápio/herege. Aparelhos rastreadores e cães farejadores, ajudavam nas buscas incansáveis, sob o comando do detetive Faro-Fino, um expert no assunto.

                        As emissoras de televisão, de hora em hora, transmitiam imagens da Praça Matriz. Camelôs, pipoqueiros, retratistas, repentistas, escritores de cordel, jornaleiros instalaram-se ali. Um turco montou uma lojinha de armarinho, bem na esquina da praça. Os oportunistas de plantão não perdoavam e não perdiam tempo, mas a tristeza era imensa.

                        Será que os gatunos derreteram e venderam para comprar cachaça no “Bar do Iwai”, como fizeram com outra relíquia, a “Jules Rimet?” Será que transportaram numa carroça ou no lombo de um burro? A peça era grande e pesada demais, para uma pessoa sozinha levar nas costas e, assim, seria facilmente percebido.

                        A demora em perceber a falta, fez com que o crime não deixasse rastro e doía só de pensar naquilo, caso tenha sido derretido. Nem mesmo o busto dos desbravadores e fundadores orientais do lugarejo, ao lado do campanário, que diuturnamente cuidavam do sino, impediram o sumiço misterioso do mesmo.

                        O sino uniu a fé, pois todas as igrejas, independente do dogma religioso, uniram-se a procura do sino. Procissões e vigílias aconteciam toda hora. Em todos os postes e muros, haviam cartazes fixados, com os dizeres: “Procura-se o sino de bronze. Recompensa: Cem mil réis e uma missa dominical.” Pensaram até numa réplica, sendo a ideia descartada, pois não teria o mesmo valor histórico.

                        Por que demoraram tanto, para sentirem falta do sino? Vai-se o tempo e somem as provas. As lembranças e as fotos não substituem o badalar cadenciado a repicar no bronze. Era poético ver Mundico – ajudante de ordem do vigário -, um menino mirrado, puxando a corda, que até o levitava, dando vida aquele instrumento tão importante do vilarejo.

                        Hoje a igreja chora triste e o alto-falante emudece com o sumiço do velho sino de bronze. Os “de cujus” partem sem os rituais de respeito e pesares. A Praça Matriz sem o campanário, com o velho sino de bronze pendurado nele, é apenas uma praça e nada mais. E aos cristãos de outrora, só restaram saudades. Dim... Dem... Dom...

                        Se por um milagre do destino, for localizado o velho sino de bronze, com notícias no “New York Times”, a história continua...

Peruíbe SP, 30 de abril de 2021.

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