Adão de Souza
Ribeiro
Todos os dias são iguais, menos o domingo.
Nas grandes metrópoles não se diferencia, em razão do corre-corre cotidiano,
mas na minha terra natal, encravada no interior e bem no centro do Estado, é
muito diferente. Até o vento que balança a roseira e os bambuzais, não tem nada
que se compara. Sinto uma leveza, só de lembrar e uma saudade imensa no
coração.
Pela manhã, enquanto a lua vai descansar no
horizonte, depois de uma noite tétrica e enfadonha, os pássaros desfilam no céu
com seus gorjeios ritmados. Tenho o privilégio de ouvir a canção da cachoeira
que, com suas águas cristalinas, correm pelas veias do córrego, circundando o
povoado, rumo á floresta lá bem distante. A cidade ainda dorme o sono dos
anjos, com suas janelas fechadas e sonolentas, espiando as ruas descalças e sem
pressa.
Aqui e acolá, um cheiro de café, está sendo
coado na “mariquinha” e acho que é Sinhazinha preparando o desjejum para a
família, que ainda não acordou. Uma carroça, tracionada por um cavalo
obediente, carregada de litros de leite, ordenhados das vacas no sítio,
conduzida pelo Seu Hermininho, vão sendo depositados na porta das casas, num
ritual sacrossanto de todos os dias.
Quando todos já estão despertos e já
degustaram o café com pão, comprado no “Bar do Toshio”, lá se vão para os
prazeres do final de semana, que só acontece aos domingos e, como já disse, um
dia diferente dos demais. As beatas vão ajudar o padre na igreja, onde as
famílias assistem o longo e cansativo sermão. Três abnegados conterrâneos reúnem a molecada
e vão para o campo de futebol, que fica atrás da Delegacia de Polícia, ensinar
a arte de serem atletas.
O conterrâneo da oficina, com seus amigos de
outras plagas, ajunta sua traia de caça e com os cães perdigueiros, vão se
embrenhar no mato, em busca de codorna, para o churrasco da noite. Tem os que
vão pescar tilápias, nas lagoas da redondeza. Não posso me esquecer daqueles
que, enquanto as esposas preparam uma suculenta macarronada ou um almoço
especial, rumam aos botecos a fim de beber cachaça e cantarolar músicas
sertanejas, ao som choroso de uma viola caipira.
Já as crianças, descompromissadas da rotina
escolar, correm para lá e cá, assim como eu, inventando brincadeiras infantis.
De vez em quando, um moleque se machuca e chorando corre para casa, onde a mãe
– eterna protetora-, passa mastruz, quando se trata de luxação ou merthiolate,
quando rala a pele, com pequenas escoriações. Aí o choro é dobrado e, por isso, esquece-se da dor do
tombo.
No jardim da Praça Matriz, os casais
enamorados trocam carícias e sonham num sonho acordado. Do outro lado da rua,
debruçada na janela indiscreta, a dona Severina Fifi espia a cena, recarregando
seu repertório de mexeriqueira. Uma
verdadeira sentinela da vida alheia e das coisas que não lhe diz respeito. Para
a língua do povo, não tem domingo e nem feriado. A exceção é só para os fofoqueiros, onde
todos os dias são iguais... não tem descanso.
Depois do almoço domingueiro, fartos de tanto
comerem, com a pança cheia e parecendo porcas de engorda, as pessoas se
esparrama na varanda. Dormem e roncam feito Ford 29. Para mim, parecem a Quinta
Sinfonia de Beethoven, porém, com uma Orquestra toda desafinada.
Já com a cachola cheia de bebida, outros
contam histórias e piadas, cujos os espectadores riem até perder o folego, sem
nada entenderem. Tem aqueles que vomitam o excesso do almoço e afirmam
descaradamente que a culpa é da linguiça estragada e nunca da maldita pinga. E
é por isso, que teimo em dizer que o dia de domingo é diferente dos demais.
Com advento da televisão em preto e branco, juntamos
os amigos mais chegados e vamos para a casa daquele que tem o aparelho mágico. Certo
que existem poucos na cidade e só os mais abastados tem esse privilégio. Ali passamos
a tarde toda, assistindo desenho animado ou filme de faroeste. Os heróis
continuam vivos na memória, pois, para nós que somos infantes, eles são de verdade. Nós
viajamos naquelas fantasias, pois na segunda-feira, a realidade bate a porta e
começa tudo de novo.
Domingo tem cheiro de família reunida e de
macarronada da mama. Domingo tem o som do sino matinal, chamando para a santa missa. Domingo tem algo especial, que os outros dias não tem.
Ao cair da tarde, badala o sino da igreja,
anunciando a hora da “Ave Maria” e fecham-se as cortinas; recolhemos os nossos
sonhos e vamos dormir o sono dos anjos. Afinal de contas, somos crianças e, por
isso, temos a liberdade de navegar pelos encantos de um “Dia de Domingo”.
Lá do fundo da saudade, vem a cantilena popular:
“Hoje é domingo/Pé de cachimbo/O cachimbo é de barro/Bate no jarro/O jarro é de
ouro/Bate no touro/O touro é valente/Machuca a gente/A gente é fraco/Cai no
buraco/O buraco é fundo/Cabou-se o mundo”.
Peruíbe SP, 28
de maio de 2021.
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