terça-feira, 14 de novembro de 2023

RODA DE VIOLA

 

Adão de Souza Ribeiro

                        Todo domingo, dia mais preguiçoso da semana, os homens se reuniam no “Bar do Menino”, esquina da Rua Duque de Caxias com a Rua Ruy Barbosa. Ali tomavam cachaça e proseavam. Eles riam, sem compromisso com o tempo e, enquanto isso, lá no labor da casa, dona patroa dava milho para a criação no terreiro e preparava um suculento almoço.

                        Alheias a tudo aquilo, a molecada corria, para lá e para cá, sem camisa e descalça pelas ruas, numa brincadeira infantil e sem maldade. Na gaiola, o canarinho prisioneiro cantava tanto, até cair do poleiro. Na lagoa, os peixes dançavam a coreografia da liberdade, esquivando-se dos anzóis do pescador Hermenegildo.

                        Mas no “Bar do Menino”, o papo era regado com muita moda de viola. Germano, na sanfona; Dizão, na viola; Dodói, no violão; Facão, no violino; Lair, na gaiata e Felinto, no pandeiro. Já no vocal, os cantadores, dentre eles, o Jorgão (Arrothéia), fossem em dupla ou não, se alternavam.

                        Q grupo executava todo ritmo sertanejo, ou seja, canção rancheira, catira, polca, guarânia, arrasta pé, sapateado e valsa. A beleza na letra da moda sertaneja, estava no fato de retratar a natureza, a dureza do sertanejo, a destreza do peão, a vida pacata do sertão, os amores platônicos, as tragédias campesinas, os heróis caipiras, as lições de vida do caboclo e a candura simples da caipirinha da roça.

                        Os cantadores da Terrinha, tiravam do fundo do baú, as modas cantadas por Tonico & Tinoco; Liu & Léu; Zilo & Zalo; Cacique & Pagé; Pedro Bento & Zé da Estrada; Tião Carreiro & Pardinho; Pena Branca & Xavantino; Belmonte & Amarai; Cascatinha & Inhana; Milionário & José Rico; Mato Grosso & Mathias; Zé Fortuna & Pitangueira; Zé do Rancho & Mariazinha; João Mineiro & Marciano; Duduca & Dalvan; Alvarenga & Ranchinho; Tibagi & Miltinho; Peão Carreiro & Zé Paulo; Chico Rey & Paraná; Lourenço & Lourival; Trio Parada Dura ... só para recordar, pois a lista é longa.

                        Dói no coração, só de lembrar que a mídia manipuladora e castradora, criou um tal de “Sertanejo Universitário”, enfeitado de instrumentos musicais modernos, para disfarçar a péssima voz,  onde a molecada ainda usando fralda, só cantam música com temas eróticos ou com duplo sentido. As letras são verdadeiros lixos e os ritmos são para atrair a massa. A letra e o som, ferem meus ouvidos.

                        Essa mídia selvagem valoriza em demasia, os enlatados estrangeiros, em especial, a música americana. Também, os ritmos nascidos nos guetos, na terra do Tio Sam. A maior rede de televisão aberta brasileira, que é o quintal da casa deles, massifica nosso povo, fazendo acreditar que aquilo é o melhor.

                        Mas deixa eu voltar à minha Terrinha. Nos outros bares, tinham prosa e cachaça; mas ali, no aconchegante “Bar do Menino”, além de haver tudo aquilo, era regado com muita nostalgia. A cantoria transcorria o dia inteiro e seguia noite adentro. Eu, ainda criança, embriagava-me com o som, a letra e o talento do grupo. O pessoal, tinha uma infinidade de fãs.

                        Hoje, ao lembrar das tardes domingueiras e musicais da minha cidade natal, onde tudo reportava a vida pacata, as lágrimas de saudade brotam, como que querendo ressuscitar o que não volta mais. Eu sofro em demasia, por ser eterno saudosista. Mas, ao mesmo tempo, não me recrimino por ter este comportamento. Ao prosear com os conterrâneos pré-históricos, eles compartilham da minha tristeza, em ver a música sertaneja raiz em decadência.

                        Veja o progresso aonde foi. Antes o boi puxava o carro. Hoje o carro puxa o boi.”, da música O progresso brasileiro, de Pedro Bento & Zé da Estrada.  

                        Creio que o êxodo rural tem sua parcela de culpa, senão vejamos. Com a vinda dos roceiros (sertanejos) para a cidade, foi sepultada na memória os costumes e as lendas do povo simples lá da roça. “Oh que saudades que eu tenho, da aurora da minha vida, da minha infância querida, que os anos não trazem mais.” – Poema Meus oito anos, de Casemiro de Abreu. Portanto, as gerações futuras não têm histórias para contar. Vejo que aos poucos, o país vai perdendo a verdadeira identidade.

                        Há se eu pudesse juntar todos aqueles cantadores do “Bar do Menino” e reouvir aquelas melodias nostálgicas, as quais, ainda ecoam nas minhas saudosas lembranças de criança! Entre uma cachaça e outra, os momentos ficavam mais alegres. Triste lembrar que até a Terrinha emudeceu, depois que os músicos “enfiaram a viola no saco” e partiram, para aonde eu não sei.

                        Senhor meu Deus, tenha piedade das nossas tradições que, um dia, vieram a perecer!

 

Peruíbe SP, 13 de novembro de 2023.

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