domingo, 5 de novembro de 2023

A COMADRE FIFI

 

Adão de Souza Ribeiro

                                Tem coisas, que nem Freud explica.

                        Ao observar as coisas que aconteciam na Terrinha, imaginei que era só lá que se assucedia aquilo. Eu enganei-me deveras. Foi então que percebi, que em todo lugar havia algo igual, por isso, fui obrigado a me conformar. Ali tinha: o louco, o cachaceiro, o valentão, o sabe tudo, o corno, o baitola, o borra botas, o calça frouxa, a cabritinha - pula cerca, a sapatão, o Dom Juan (conquistador) e por aí vai... A lista era imensa, portanto, longa.

                        Até hoje, guardo na saudosa memória, e em detalhes, a imagem pitoresca de cada um. O jeito de andar, vestir, agir, gaguejar e falar, era a marca registrada. Não foi à toa, que se tornaram patrimônio público do lugarejo, ou melhor, imortais. Por outro lado, se eles não existissem, o contador de causos não teria assunto para prosear.

                        A comadre Fifi era uma daquelas preciosidades da Sagrada Terrinha. Quando o alto-falante, lá no alto da igreja matriz, executava o hino religioso da “Ave-Maria”, todos sabiam que algum (a) conterrâneo (a) “havia partido dessa para melhor”. As beatas juramentadas, ao ouvirem aquilo, faziam o sinal da cruz e rezavam o Pai Nosso e a Ave-Maria, pela alma do (a) de cujus.

                        Muito antes do alto-falante anunciar a desencarnação do (a) saudoso (a) cidadão (ã), a Fifi já havia esparramado aos quatro cantos do planeta, ou melhor da Terrinha, o ocorrido infortúnio. Maria Guilhermina, a nossa Fifi, sentia prazer imenso em levar a notícia “em primeira mão’. Ela era a portadora de tudo que era trágico, bom, mau ou engraçado.

                        Ela sabia da amante do prefeito Davino, da falência do turco Nagib, do padreco comunista e do seu filho bastardo, da defloração da menina Gesebel, da mordida de fronha do carrancudo delegado Raimundo, da corrupção do vereador Alfredo, dos homens casados e frequentadores da casa das primas, das escapadinhas de Tianinha, esposa do caminhoneiro Filisbino.

                        Se o fato chegasse aos ouvidos de Maria Guilhermina, a Fifi, virava notícia, com direito a replay. Ela sabia como ninguém, enfeitar a história, ou seja, colocar um temperinho a mais. Dizem as más línguas, que toda mulher tem um pouco de Fifi dentro de si. Será verdade?  

                        Se alguém quisesse saber se um fato era verdadeiro ou não, bastava procurar a Fifi. Se uma pessoa tinha bronca de outra, era só inventar uma história e contar para Maria Guilhermina. Em menos de meia hora, a cidade toda se inteirava da “fake News” e nem precisava do William Bonner anunciar no Jornal Nacional, mesmo com plim plim e tudo.

                        Por incrível que pareça, todos gostavam da fofoqueira, desculpa, da Fifi. Mas os que tinham telhado de vidro ou rabo preso, evitavam em ficar perto dela. Quando as beatas e as noviças passavam por ela, se benziam e a xingavam de satanás de saia. A população perguntava: “Será que essa mulher não tem calcinha (ocupação), para lavar em casa?”. Outra pessoa maldosa, retrucava: “Acho que Setembrino, o marido, não comparece, por isso, sobra tempo para as fofocas.

                        Pelo amor de Deus! Não duvidem quando digo que a Terrinha era um celeiro de fatos reais e pitorescos. Não me canso de contar os causos de lá. Eu tenho um balaio cheio até a boca. Se tiverem paciência de ouvir, muito me agrada. Os personagens reais de lá, não se preocupem, pois usarei nomes fictício. Preservarei as identidades, para não me transformar numa outra “Fifi”, credo!

                        Como a Terrinha envelheceu e há muito tempo mudei-me de lá, não sei se a comadre Maria Guilhermina, a “Fifi”, é viva ou “se já partiu para a mansão do amanhã”. Só espero que do lado de lá, caso tenha partido, ela não esteja infernizando a vida dos santos e dos anjos. Embora eu saiba, que ela tinha um jeito todo peculiar de espalhar as fofocas divinas.

                        Conta a lenda, que quando ela chegasse na nova morada, iria contar a Santo Antônio, que corria um boato na terra, de que ele era santo casamenteiro. E que a fofoca partira de São João. Verdade ou não, eu sinto muita falta de Maria Guilhermina, a Fifi para os íntimos. Se ela não tivesse existido, como saberíamos das coisas cotidianas da Terrinha, aquele lugar sagrado?

                        Se na sua terra não tinha uma “Fifi”, o problema era seu. Porque na minha terra tinha a preciosa Maria Guilhermina.

 

Peruíbe SP, 05 de novembro de 2023.

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