Adão de Souza
Ribeiro
Tem coisas, que nem Freud explica.
Ao observar as coisas que aconteciam na
Terrinha, imaginei que era só lá que se assucedia aquilo. Eu enganei-me
deveras. Foi então que percebi, que em todo lugar havia algo igual, por isso,
fui obrigado a me conformar. Ali tinha: o louco, o cachaceiro, o valentão, o
sabe tudo, o corno, o baitola, o borra botas, o calça frouxa, a cabritinha - pula
cerca, a sapatão, o Dom Juan (conquistador) e por aí vai... A lista era imensa,
portanto, longa.
Até hoje, guardo na saudosa memória, e em
detalhes, a imagem pitoresca de cada um. O jeito de andar, vestir, agir,
gaguejar e falar, era a marca registrada. Não foi à toa, que se tornaram
patrimônio público do lugarejo, ou melhor, imortais. Por outro lado, se eles não
existissem, o contador de causos não teria assunto para prosear.
A comadre Fifi era uma daquelas preciosidades
da Sagrada Terrinha. Quando o alto-falante, lá no alto da igreja matriz,
executava o hino religioso da “Ave-Maria”, todos sabiam que algum (a)
conterrâneo (a) “havia partido dessa
para melhor”. As beatas juramentadas, ao ouvirem aquilo, faziam o sinal da
cruz e rezavam o Pai Nosso e a Ave-Maria, pela alma do (a) de cujus.
Muito antes do alto-falante anunciar a desencarnação
do (a) saudoso (a) cidadão (ã), a Fifi já havia esparramado aos quatro cantos
do planeta, ou melhor da Terrinha, o ocorrido infortúnio. Maria Guilhermina, a
nossa Fifi, sentia prazer imenso em levar a notícia “em primeira mão’. Ela era
a portadora de tudo que era trágico, bom, mau ou engraçado.
Ela sabia da amante do prefeito Davino, da
falência do turco Nagib, do padreco comunista e do seu filho bastardo, da defloração da menina Gesebel, da mordida de fronha
do carrancudo delegado Raimundo, da corrupção do vereador Alfredo, dos homens
casados e frequentadores da casa das primas, das escapadinhas de Tianinha,
esposa do caminhoneiro Filisbino.
Se o fato chegasse aos ouvidos de Maria
Guilhermina, a Fifi, virava notícia, com direito a replay. Ela sabia como
ninguém, enfeitar a história, ou seja, colocar um temperinho a mais. Dizem as
más línguas, que toda mulher tem um pouco de Fifi dentro de si. Será verdade?
Se alguém quisesse saber se um fato era
verdadeiro ou não, bastava procurar a Fifi. Se uma pessoa tinha bronca de
outra, era só inventar uma história e contar para Maria Guilhermina. Em menos
de meia hora, a cidade toda se inteirava da “fake News” e nem precisava do
William Bonner anunciar no Jornal Nacional, mesmo com plim plim e tudo.
Por incrível que pareça, todos gostavam da
fofoqueira, desculpa, da Fifi. Mas os que tinham telhado de vidro ou rabo preso,
evitavam em ficar perto dela. Quando as beatas e as noviças passavam por ela, se benziam e a xingavam de satanás de saia. A população perguntava: “Será que essa mulher não tem
calcinha (ocupação), para lavar em casa?”. Outra pessoa maldosa,
retrucava: “Acho que Setembrino, o marido, não comparece, por isso, sobra tempo
para as fofocas.”
Pelo amor de Deus! Não duvidem quando digo
que a Terrinha era um celeiro de fatos reais e pitorescos. Não me canso de
contar os causos de lá. Eu tenho um balaio cheio até a boca. Se tiverem
paciência de ouvir, muito me agrada. Os personagens reais de lá, não se
preocupem, pois usarei nomes fictício. Preservarei as identidades, para não me
transformar numa outra “Fifi”, credo!
Como a Terrinha envelheceu e há muito tempo
mudei-me de lá, não sei se a comadre Maria Guilhermina, a “Fifi”, é viva ou “se
já partiu para a mansão do amanhã”. Só espero que do lado de lá, caso tenha
partido, ela não esteja infernizando a vida dos santos e dos anjos. Embora eu
saiba, que ela tinha um jeito todo peculiar de espalhar as fofocas divinas.
Conta a lenda, que quando ela chegasse na
nova morada, iria contar a Santo Antônio, que corria um boato na terra, de que
ele era santo casamenteiro. E que a fofoca partira de São João. Verdade ou não,
eu sinto muita falta de Maria Guilhermina, a Fifi para os íntimos. Se ela não
tivesse existido, como saberíamos das coisas cotidianas da Terrinha, aquele
lugar sagrado?
Se na sua terra não tinha uma “Fifi”, o
problema era seu. Porque na minha terra tinha a preciosa Maria Guilhermina.
Peruíbe SP, 05 de
novembro de 2023.
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