quinta-feira, 9 de novembro de 2023

NOSTRADAMUS, EU?!

                                                                                                                               Adão de Souza Ribeiro

 

                        “Todos nós temos o destino traçado”, já diziam meus saudosos avós, lá pelas longínquas bandas do sertão. Eles não frequentaram carteiras escolares, mas tinham uma sabedoria invejável. Quantas vezes, eu ficava horas e horas, ouvindo suas histórias e ensinamentos sobre a vida e o mundo.

                        Penso que foi deles, que herdei essa curiosidade em aprender cada vez mais, sobre este mundo farto de acontecimentos intrigantes. O desconhecido sempre causou impacto na minha mente e é por isso, que vivo em constante desassossego. Estou certo de que padeço muito, nesta busca incansável por resposta.

                        Lá na minha Terrinha, que costumo chamá-la de cantinho sagrado, havia um menino, querido e admirado por todos, quer pela humildade quer pela sabedoria. José Donizete, apelidado de “Nostradamus”, despertava uma idolatria por todos os conterrâneos.

                        Vindo de uma família pobre, usava vestimentas simples e tinha aversão por luxo, por isso, se contentava com o pouco que a vida lhe oferecia. Com seu jeito introvertido, vivia dentro de uma bolha, isto é, num mundo criado por ele. Gostava de estar atualizado com tudo o que se passava no Universo. Incrível, mas se parecia comigo.

                        Um belo dia disse, numa roda de amiguinhos: “ Vai haver uma geada muito forte, conhecida por geada seca e, por isso, devastará toda a plantação de café em toda redondeza. ” Dito e feito, foi a maior tragédia que assolou a lavoura da Terrinha. A partir daquele prenúncio, as pessoas prestaram mais atenção no menino paupérrimo e calado.

                        Não demorou muito, disse que Agostinho, fazendeiro respeitado, iria cair do cavalo e ficaria tetraplégico. Dito e feito, pois a premunição ocorreu. Numa tarde de inverno, previu que o padre octogenário morreria e que no seu lugar, assumiria um padre moderno e comunista, o qual levaria a Terrinha à bancarrota. Hoje a história está aí para confirmar a previsão. 

                        Em tom de brincadeira, disse que Maria Eugênia, filha do Genivaldo – médico ginecologista-, menina pura de quinze anos, seria inaugurada naquele mês, pelo namorado bocó. Não preciso nem falar, que não tardou e ela “virou mulher”, como se dizia no interior.

                        Olhava para o céu e dizia quando choveria, faria sol ou haveria grande tempestade. O povo pedia esperar, que era batata (certeza). Ele previu quando a casa das primas fecharia as portas, por falta de clientes. Então Coroné Virgulino, exclamou: “Puta que partiu, sô!”

                        Rosalina deu à luz a um menino bonito e viçoso. “Nostradamus”, disse: “Acaba de nascer na Terrinha, um baitola, um morde fronha”. Naquela cidade provinciana e recatada, aquilo caiu como uma bomba atômica, onde todos ficaram estupefatos. Hoje, passados tantos anos, lá está Kaique, filho primogênito de Rosalina, espalhando charme e mordendo mil fronhas.    

                        José Donizete fazia-me lembrar do menino Messias (Jesus Cristo), que não sabia dos seus dons e poderes divinos e que, por isso, era constantemente vigiado pelos pais zelosos, isto é, José e Maria. Na minha cidade, como de costume, as pessoas tinham apelido e o meu amiguinho passou a ser conhecido e chamado de “Nostradamus”.

                        Engraçado que, quando alguém o chamava pelo apelido, ele perguntava admirado: “Nostradamus, eu?!”. Às vezes, ele pressentia os acontecimentos em sonho; outras vezes, em pensamento; ou ainda, com um aperto no coração.

                        Previa não só as coisas da Terrinha, mas do país e do mundo. Ele previu a volta da ditadura comunista no país, através do presidente nove dedos; o assassinato de Tancredo Neves e, também, o nascimento da ditadura de toga.

                        Previu, ainda, a eleição de Barack Obama, primeiro presidente negro dos E.U.A.; da guerra das Malvinas ou Falklands, entre a Argentina e a Inglaterra; do assassinato de Shinzo Abe, primeiro ministro japonês; a guerra santa entre Hamas, na Faixa de Gaza, e Israel.

                        Outro conterrâneo, por ser cachaceiro inveterado, fora apelidado de “Nostravamus”. Aquele coitado não sabia adivinhar nem o preço da dose da marvada pinga e, o pior, quantos tombos levaria do boteco até a sua casa.

                        Ah, minha Terrinha, quanta saudade dos seus personagens!

 

Peruíbe SP, 09 de novembro de 2023.

 

P.S.: Michel de Nostredame, conhecido por Nostradamus, nasceu em Saint Rêmy de Provence, na França, no dia 14 de dezembro de 1503. Ele foi um astrólogo, vidente e farmacêutico francês. Fez grandes profecias e algumas delas se concretizaram

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