Adão de Souza
Ribeiro
Uma enxaqueca milenar e incurável dera-me de
presente, dores de cabeça insuportáveis, que afugentavam as longas e suaves noites
de sono. Nas inquietações, eu saia para o quintal, rodava em círculo, contava
estrelas e voltava para o quatro. A cabeça pesada parecia carregar uma bigorna
de centenas de toneladas de peso. Os olhos turvados com a visão fervilhando e,
ainda, as ânsias de vômito completavam o enredo de tamanha lamúria. Quem me
visse daquele jeito, com certeza não me reconheceria. A expressão do rosto
transfigurava-me e eu não era eu.
O que aliviava o flagelo era a mãezinha ao
lado da cama, que paciente, ao cuidar de mim, trazia nas mãos um rosário,
onde, através de orações, suplicava ao Divino Espírito Santo a cura. Ao rezar o
terço, lançava mão dos três mistérios, isto é, Gozosos, Dolorosos e Gloriosos.
Cada mistério era composto de um pedido, seguido de cinquenta Ave-Marias.
Portanto, há que se compreender que ela passava a noite inteira ao meu lado,
fazendo pedidos e ouvindo os meus gemidos de dor.
Para amenizar o sofrimento e os gritos de
dor, como se fosse um antidoto letal para dissipá-lo, sussurrava aos meus
ouvidos, dizendo: “Calma filho, pois tudo passa!”. Entre um instante e outro de
calmaria, em meio ao sono leve, dava breves cochiladas. Não sei se era pelo som
das repetitivas orações ou pela voz calma e acalentadora, dizendo: “Calma
filho, pois tudo passa!”. Dona Olindrina, minha mãezinha (uma mulher
baixinha e franzina), tinha a força e a braveza de uma leoa, quando se tratava
de acolher e proteger seus rebentos. Nunca vi tamanha energia, escondida na
fragilidade de uma mulher.
E foi assim, calcado na singeleza daquela
frase tão simples e poderosa, que aprendi a suportar e vencer todos os flagelos
do mundo. Olha que, na trajetória da vida, passei por longas e desesperadas
turbulências. Muitas vezes, pensei que iria desfraldar a bandeira da rendição e
da covardia. Mas ao lembrar-me do ensinamento de minha mãe, eu resistia e
vencia heroicamente. A mente confusa inquiria-me: “Será que vale a pena lutar?”.
Mas lá bem distante, a voz acalentadora daquela mulher franzina que, de frágil
não tinha nada, assim em suas incansáveis orações, dizia: “Calma filho, pois tudo passa!”.
E não é mesmo, que o pessimismo e o medo, de repente passavam.
Creio que fora por aquela razão que, desde
muito cedo, nunca temi a nada. Desafiava a “lei da lógica”, para fazer valer os
meus desejos e pontos de vista. Não aceitava passivamente as imposições dos
tiranos do cotidiano. Buscava a verdade a todo custo, porque, nem mesma a minha
era absoluta. Quando a mãe dizia: “Calma meu filho, pois tudo passa!”,
tinha pra mim, que ela dizia: “Calma meu filho, pois na vida tudo é transitório!”.
Hoje estou e amanhã não estou mais. Então, para que tanta pressa?
E foi assim, com aquela célebre frase na
cabeça, que passei a observar o mundo à minha volta. Às duras penas, notei a
fragilidade do ferro e do cimento. Vi o pobre ficar rico e o rico escafeder-se.
Creuza, tão bela e glamorosa na juventude, parecia maracujá de gaveta na
velhice. O carro top de linha tornou-se anos depois, uma lata velha. As flores
do jardim da praça matriz, sem os cuidados do dedicado jardineiro, murcharam e
pereceram. Por mais que prendemos o tempo, ele escapa por entre os dedos. Ele
precisa apenas caminhar, viver e envelhecer.
Quando repouso-me sozinho, na velha cama de
colchão de palha de milho, vêm à mente a doce lembrança de minha mãe, a qual,
ainda muito jovem, cuidava das minhas intermináveis dores de cabeça. Uma xícara
de chá de ervas caseiras, plantadas no quintal de casa e maceradas pelas mãos
calejadas, de quem nunca se apartou de mim. Tudo passa, menos a lembrança
daquela cuidadora, que o tempo cuidou de lhe curvar o corpo. As tragédias da
atualidade e as doenças avassaladoras, não me impõe medo, porque ainda na terra
idade, minha mãe ensinou-me que tudo passa.
Hoje os meus cabelos brancos, são provas
vivas e irrefutáveis de que, na longa trajetória da vida, venci grandes
batalhas externas e internas. Lutei contra tudo e contra todos, para impor a
minha marca registrada de homem e de ser pensante. Desde o início, fui o único espermatozoide,
dentre bilhões a ser fecundado. Já nos remotos tempos de minha existência,
sempre fui um lutador. Diante de tanta luta, deixo a vida me levar, pois tudo
passa. Passam-se os sonhos e as decepções, mas só não passa a saudade daquela
linda menina da infância Enfim, passam-se as ilusões, mas, não os sentimentos.
Sentado aqui à beira da estrada da existência
e contemplando a beleza e a força do Universo, vejo que no mundo, tudo passa.
Passa o tempo que passar, tudo passa. Até a uva passa!
Peruíbe SP, 22
de março de 2020.
3 comentários:
Parabéns!!
Obg pela boa leitura, meu amigo!
👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻
Postar um comentário