terça-feira, 24 de maio de 2022

O ARRAIÁ

 

Adão de Souza Ribeiro

                        - Nóis viemu aqui, pramórdi assisti, u casamentu da Nha Chica i du Nho Bentu. Pramórdi comemurá, nóis vai dançá. Sanfuneru, faiz favô!

                        Com aquela ordem do festeiro, a alegria se arrastava noite adentro e não tinha hora para terminar. Todos vestidos a caráter e de acordo com o evento, isto é, os homens com calça rancheira, toda cheia de remendos e acima do calcanhar; camisa xadrez quadriculada e colorida, de manga comprida; chapéu de palha, desfiado nas abas; lenço em forma de gravata, no pescoço; outro lenço dobrado e colorido, dentro do bolso da camisa; botina nos pés; alguns dentes pintados de preto, como se fossem falhos.

                        Já as mulheres, as lindas caipirinhas, trajavam vestido de chita colorido e rodado, com saia sobre saia; chapéu igual dos homens; trança no cabelo, batom vermelho, nos lábios; rosto pintado com leveza, com pintas em forma de sardas; fitas coloridas na cintura; alguns dentes, pintados como dos homens. Apenas a noiva vestia-se de branco, com uma flor na cabeça e um buquê de flores, na mão.

                        O ambiente todo decorado, isto é, com: bandeirolas coloridas; uma grande fogueira; imitações de balão e fogueira, pendurados junto às bandeirolas, arcos de entrada na festa, feitos de bambu verde. Os convidados para o casório tradicional, deleitavam-se com as músicas, bem como, com os comes e bebes.

                        Aos convivas, eram servidos: bolos (milho, fubá e mandioca), tapioca, vatapá,  mugunzá, tacacá,  maniçoba, caldinho de (feijão, mandioca), batata doce assada na fogueira, caldo verde, cocada branca, pinhão, queijadinha, cuscuz, polenta, paçoca caseira, pamonha, pipoca salgada e doce, arroz doce, canjica, amendoim torrado, curau, maçã do amor, quentão, vinho quente, espiga de milho cozido, pé de moleque, pé de moça, feijão tropeiro, baião de dois, escondidinho de carne seca, doce de abóbora e broa de fubá. Cada região geográfica do País tinha sua comida típica, por isso, transcrevemos todas. 

                        Porém, antes da festa propriamente dita, era realizado o casamento dos noivos, carregado de humor e alegria para, em seguidas, desenvolver uma dança típica dos convidados caipiras. Somente depois de todo ritual, cuidadosamente ensaiado pelos figurantes, então a festa era aberta ao público em geral.

                        Como brincadeiras, havia uma cadeia, cujas grades eram confeccionadas em bambu. A pessoa pagava ao delegado para prender alguém e os soldados saiam à caça. A pessoa só era solta se pagasse. Normalmente eram os namorados ou amigos, que pagavam para prender o outro e, sem esquecer-se das pescarias, jogo de argolas, estalinhos e rojões. 

                            Também havia o correio elegante, onde se escrevia cartas de amor. Pagava-se a um dos organizadores, que era o pombo correio, encarregado de entregar ao destinatário (a). As simpatias, para casar ou se tornarem primos (as) e que, para serem realizada, tinham que pular a fogueira, quando estava só a brasa, claro! A diversão era total. 

                                  Não se pode esquecer a dança das cadeiras, corrida do ovo na colher, caixa de surpresas, corrida do saci, pau de sebo, rabo do burro, boliche de lata, pescaria, boca de palhaço, cabo de guerra, corrida de carrinho de mão e por aí se vai. E assim todos se divertiam a noite inteira, sem incidentes. Quantos namoros, noivados e casamentos, nasceram no calor das quermesses.

                        Nos alto-falantes, espalhados por toda parte, ouviam-se músicas, as quais exaltavam a simplicidade do povo caipira e seus costumes antigos. Em ritmo de xote, xaxado ou baião, sempre alegre levavam as pessoas a dançarem, enquanto degustavam as comilanças, isto é, as comidas e bebidas, que eram servidas. Quando havia um grupo de música presencial, usavam como instrumentos: cavaquinho, sanfona, triângulo e reco-reco.

                        Até hoje, ao reportarmos as festas juninas antigas, lembramo-nos de tantas músicas, que ainda adoçam os nossos ouvidos, tais como: “O balão tá subindo/Tá caindo a garoa/ O céu é tão lindo/ E a noite é tão boa/ São João/ São João/ Acende a fogueira/ Do meu coração.”

                        De repente viajamos ao recordarmos de outra canção: “Eu pedi numa oração/ Ao querido São João/ Que me desse um matrimônio/ São João disse que não/ São João disse que não/ Isto é lá com Santo Antônio/ Implorei a São João/ Desse ao menos um cartão/ Que eu levava à Santo Antônio/ São João ficou zangado/ São João só dá cartão/ Com direito a batizado/ São João não me atendendo/ A São Pedro fui correndo/ Nos portões do paraíso/ Disse o velho num sorriso/ Minha gente, eu sou chaveiro/ Nunca fui casamenteiro/ Matrimônio, matrimônio/ Isto é lá com Santo Antônio.”

                            Embora se originasse na Península Ibérica, isto é, Portugal e França, no século XVI. ao chegar aqui. ela abrasileirou-se. Caiu nas graças e no gosto de um povo alegre e festeiro. Inicialmente, a festa possuía um forte tom religioso - conotação essa que se perdeu em parte, uma vez que é vista por muitos como uma festividade popular do que religiosa. Além disso, a evolução da festa junina no Brasil fez com que ela se associasse as símbolos típicos rurais.  

                        As grandes cidades maculam esta tradição da nossa cultura. Nós percebemos, que se introduzira lixos musicais, isto é, o rap e o funk, bem como, estrangeiros (americanos). Sem contar com as danças, onde as mulheres exibem as bundas e dançam ritmos eróticos. Aos poucos, as gerações futuras, vão padecendo  de referências, no que diz respeito as nossas origens. Agindo assim a Pátria vai se definhando. É triste tudo isso!

                        - Si nóis cuntá, qui isso si assucidia nu Turrão Natá, vóismiceis querdita?  

                      

Peruíbe SP, 24 de maio de 2022.

                       

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