O quintal da casa
do meu avô era todo arborizado e florido. Modéstia chamá-lo de quintal, pois,
na realidade, era um sítio em pleno centro da cidade. Foi ali, naquele lugar
tão acolhedor, que passei boa parte da minha infância. Dividia os prazeres da
inocência, com meus seis irmãos e um casal de primos. Nove netos atormentando o
sossego dos nossos avós. Não bastasse isso, tinha os filhos dos vizinhos, tão
arteiros quanto nós, que compartilham da nossa história.
Do outro lado da rua, ficava a
minha casa que, também, tinha um quintal com as mesmas proporções e
características. Mas hoje, vou dissertar sobre esse quintal e não aquele. Para
início de prosa, não tinha cerca e se tivesse, pouco importava. Do lado
direito, fazia divisa com uma pensão, de família japonesa. Aos fundos, também outra
família japonesa, cuja atividade, não me recordo. Já do lado esquerdo, com a
família de comerciante, dona de armazém.
As árvores frutíferas e frondosas
nos davam sombra aconchegante. Também havia flores e plantas medicinais. Ao
lado do tanque (taboa) de esfregar roupa, escorria uma água, a qual alimentava
o pé de hortelã, de poejo, de arruda, de mastruz e de tantos outros. Enquanto
minha tia ficava no batente do dia a dia, nós nos deleitávamos em brincadeiras
infantis. Outras vezes, deliciávamos das frutas colhidas e devorávamos ali
mesmo, com sabor de quero mais.
Como não havia barreiras, cercas
que separavam os quintais vizinhos, avançávamos e também desfrutávamos de lá. As
folhas secas do outono enfeitavam o chão, para, depois, transformarem em adubo
natural. Os meninos e meninas se misturavam em diversões sem maldade. Algumas
briguinhas inconsequentes e, depois, tudo voltava ao normal. E assim,
passávamos horas e horas, sem perceber o vento ameno da noite beijando o nosso
rosto. Com o grito inesperado dos nossos pais, acordávamos para a realidade.
Como não se emocionar, quando
busco na memória, fragmentos daquele tempo áureo, que não volta mais. As
meninas brincavam de “casinha”, montadas com folhagens de banana, como cabanas.
O alimento era representado por panelinhas de barro. As filhas eram bonecas, confeccionadas
com espiga de milho. Já os meninos, talhavam seus brinquedos com madeira, como
por exemplo, os carrinhos, cujas rodas, eram carretéis de madeira. Criávamos um
mundo imaginário, que de tão perfeito, não parecia existir outro igual.
A vizinha do lado esquerdo morria
de ciúmes do seu pé de jabuticaba. Protegia e vigiava, mas de nada adiantava.
Num descuido qualquer, nós estávamos lá, ao lado dele, colhendo uma a uma a
frutas agarradas ao caule. Ela, a vizinha, ao que parece, era apaixonada pelo
meu irmão. Mas ele, alheio a tudo, inclusive aos olhares sedutores, queria
apenas brincar e se divertir. A vida nos ensinava a ser livre, então, para que
se prender as coisas do sentimento... do coração. Tínhamos por regra, apenas
amar a vida, a natureza e a liberdade. Creio que ela, a vizinha, levou para
sempre, o sonho de ser desejada pelo meu irmão, como desejávamos o seu pé de
jabuticaba.
Os pés de fruta, tais como, de
manga bourbon, limão, abacate, laranja, banana,
mexerica, jabuticaba, enfim, todos tinham lá seus encantos e, por isso,
marcaram a nossa infância e adolescência. Não posso esquecer-me das plantas
medicinais, das flores e das aves, que tornaram aquele quintal, um verdadeiro
paraíso. Hoje, decorridos longos anos, tenho medo de voltar lá e ver que tudo
aquilo não mais existe. Por isso, melhor deixar ele vivo na minha imaginação e
nos meus devaneios.
Mas de todas as plantas ali
existentes, uma delas teve um significado especial para mim. Tratava-se do pé
de imbu ou umbu, como preferirem. Lembro-me com ternura, que passava horas e
horas entre os seus galhos. Na maioria das vezes, fazia isso sozinho. Eu ficava
ali camuflado entres sua copa frondosa. Dali observa a casa do meu “amor
platônico”, que ficava distante. Num ângulo privilegiado, podia vê-la entrar e
sair da casa, sem ser notado. Deleitava-me com a beleza e a sensualidade dela.
Viajava no tempo, imaginado ela nos meus braços.
Um dia, após enveredar pelo mundo
da literatura, descobri que imbu significa “árvore que dá de beber”. Compreendi
então, o porquê de uma relação tão intima entre mim e ele. Naquele tempo, com
passos ainda frágeis, busquei galgar nele, sem saber, a sede do conhecimento e
do desejo de um amor inimaginável. Ele soube guardar para sempre, entre seus
galhos e folhas, um sonho, um desejo e um segredo divinal.
Os ventos imprevisíveis da vida
levaram-me para as bandas do norte ou do sul, não sei. Mas uma coisa é certa,
meu pé de imbu: “Eu vivo em você e você vive em mim”. Quanto ao amor
platônico, foi só uma brincadeira de infância, nada mais!
Peruíbe SP, 19
de dezembro de 2018.