terça-feira, 18 de dezembro de 2018

O PÉ DE IMBU

                         O quintal da casa do meu avô era todo arborizado e florido. Modéstia chamá-lo de quintal, pois, na realidade, era um sítio em pleno centro da cidade. Foi ali, naquele lugar tão acolhedor, que passei boa parte da minha infância. Dividia os prazeres da inocência, com meus seis irmãos e um casal de primos. Nove netos atormentando o sossego dos nossos avós. Não bastasse isso, tinha os filhos dos vizinhos, tão arteiros quanto nós, que compartilham da nossa história.
                                   Do outro lado da rua, ficava a minha casa que, também, tinha um quintal com as mesmas proporções e características. Mas hoje, vou dissertar sobre esse quintal e não aquele. Para início de prosa, não tinha cerca e se tivesse, pouco importava. Do lado direito, fazia divisa com uma pensão, de família japonesa. Aos fundos, também outra família japonesa, cuja atividade, não me recordo. Já do lado esquerdo, com a família de comerciante, dona de armazém.
                                As árvores frutíferas e frondosas nos davam sombra aconchegante. Também havia flores e plantas medicinais. Ao lado do tanque (taboa) de esfregar roupa, escorria uma água, a qual alimentava o pé de hortelã, de poejo, de arruda, de mastruz e de tantos outros. Enquanto minha tia ficava no batente do dia a dia, nós nos deleitávamos em brincadeiras infantis. Outras vezes, deliciávamos das frutas colhidas e devorávamos ali mesmo, com sabor de quero mais.
                             Como não havia barreiras, cercas que separavam os quintais vizinhos, avançávamos e também desfrutávamos de lá. As folhas secas do outono enfeitavam o chão, para, depois, transformarem em adubo natural. Os meninos e meninas se misturavam em diversões sem maldade. Algumas briguinhas inconsequentes e, depois, tudo voltava ao normal. E assim, passávamos horas e horas, sem perceber o vento ameno da noite beijando o nosso rosto. Com o grito inesperado dos nossos pais, acordávamos para a realidade.
                                   Como não se emocionar, quando busco na memória, fragmentos daquele tempo áureo, que não volta mais. As meninas brincavam de “casinha”, montadas com folhagens de banana, como cabanas. O alimento era representado por panelinhas de barro. As filhas eram bonecas, confeccionadas com espiga de milho. Já os meninos, talhavam seus brinquedos com madeira, como por exemplo, os carrinhos, cujas rodas, eram carretéis de madeira. Criávamos um mundo imaginário, que de tão perfeito, não parecia existir outro igual.
                                   A vizinha do lado esquerdo morria de ciúmes do seu pé de jabuticaba. Protegia e vigiava, mas de nada adiantava. Num descuido qualquer, nós estávamos lá, ao lado dele, colhendo uma a uma a frutas agarradas ao caule. Ela, a vizinha, ao que parece, era apaixonada pelo meu irmão. Mas ele, alheio a tudo, inclusive aos olhares sedutores, queria apenas brincar e se divertir. A vida nos ensinava a ser livre, então, para que se prender as coisas do sentimento... do coração. Tínhamos por regra, apenas amar a vida, a natureza e a liberdade. Creio que ela, a vizinha, levou para sempre, o sonho de ser desejada pelo meu irmão, como desejávamos o seu pé de jabuticaba.
                                   Os pés de fruta, tais como, de manga bourbon, limão, abacate,  laranja, banana, mexerica, jabuticaba, enfim, todos tinham lá seus encantos e, por isso, marcaram a nossa infância e adolescência. Não posso esquecer-me das plantas medicinais, das flores e das aves, que tornaram aquele quintal, um verdadeiro paraíso. Hoje, decorridos longos anos, tenho medo de voltar lá e ver que tudo aquilo não mais existe. Por isso, melhor deixar ele vivo na minha imaginação e nos meus devaneios.
                                   Mas de todas as plantas ali existentes, uma delas teve um significado especial para mim. Tratava-se do pé de imbu ou umbu, como preferirem. Lembro-me com ternura, que passava horas e horas entre os seus galhos. Na maioria das vezes, fazia isso sozinho. Eu ficava ali camuflado entres sua copa frondosa. Dali observa a casa do meu “amor platônico”, que ficava distante. Num ângulo privilegiado, podia vê-la entrar e sair da casa, sem ser notado. Deleitava-me com a beleza e a sensualidade dela. Viajava no tempo, imaginado ela nos meus braços.
                                   Um dia, após enveredar pelo mundo da literatura, descobri que imbu significa “árvore que dá de beber”. Compreendi então, o porquê de uma relação tão intima entre mim e ele. Naquele tempo, com passos ainda frágeis, busquei galgar nele, sem saber, a sede do conhecimento e do desejo de um amor inimaginável. Ele soube guardar para sempre, entre seus galhos e folhas, um sonho, um desejo e um segredo divinal.
                                   Os ventos imprevisíveis da vida levaram-me para as bandas do norte ou do sul, não sei. Mas uma coisa é certa, meu pé de imbu: “Eu vivo em você e você vive em mim”. Quanto ao amor platônico, foi só uma brincadeira de infância, nada mais!

Peruíbe SP, 19 de dezembro de 2018.

3 comentários:

Unknown disse...

Maravilha de texto. Como me fez lembrar de como era bom a vida simples de criança, sem maldade e compromisso da vida adulta . E agora contaminada pela tecnologia que nos aproxima dos que estão longe e nos afasta de quem está perto .Te adoro amigo , para todo sempre .

Unknown disse...

Não tive quintal com árvores frutíferas e medicinais, pois.nasci na Capital.
Dos avós conheci apenas a vovó Santina, mãe da Guigui, minha mãezinha querida e com o mesmo carinho tive um Gepeto como pai.
Enfim essa história guarda semelhanças com outras, mas assim mesmo é única, pois cada um vive sua.

jaime disse...

Belissimo texto, que tal um livro com estorias policiais, temos muitas, gostaria de ter seu talento para conta-las.