Ele estava sempre
do meu lado. Não se apartava de mim, por nada deste mundo. Fiel companheiro,
amigo inseparável. Sempre tinha um conselho pronto, quando percebia algum
deslize de minha parte. Conhecia-me por inteiro e bastava um gesto ou um olhar
deste mecenas, para notar o que se passava comigo, interna e externamente.
Sabia corrigir-me com firmeza e ternura. Procurava não me magoar, porque sabia
que a minha estrada a ser percorrida, era longa e íngreme.
Ensinava-me de forma gradativa, a
compreender e respeitar o mundo e as pessoas. Quanta vez usava metáforas e
sinais da natureza, para descrever os mistérios do mundo e da vida, que eram
desenhados à minha frente. Com toda sapiência que lhe era peculiar, conduzia-me
pelos mundos insondáveis do universo e da mente. Para ele, a honra e a
dignidade eram joias preciosas, as quais jamais deveriam ser tocadas por seres
desprezíveis.
Por horas e horas, eu ficava
debruçado na janela do tempo, observando o seu caminhar trôpego e sua
respiração ofegante, pelos caminhos sinuosos da vida. Brilhava nos olhos, uma
luz incandescente, que irradiava esperança àqueles que buscavam alento em seu
conhecimento. Conhecia o meu jeito turrão, mas abrandava meu espírito,
massageando o meu ego, com palavras dóceis e eivadas de ternura. Os seus
cabelos cor de neve, traduziam a certeza de que valeu a pena viver
intensamente, cada momento da existência.
Eu sabia que um dia, quando menos
se esperasse, ele partiria para a mansão do desconhecido. Por essa razão, eu
vivenciava cada segundo do meu tempo ao lado dele. Tinha pressa de beber nos
seus lábios, tudo que podia me oferecer de bom e de belo. Exorcizava todos os
meus medos, para não me ver chorar. Guardava todos os meus segredos, brincadeiras
de infância. Gostava de ouvir sua voz compassada, que sem pressa, balbuciava
cada palavra e cada frase. Parece que desejava que cada palavra e cada gesto,
ficassem marcados para sempre na minha memória. Como um mestre dedicado, tinha
a dimensão exata das minhas necessidades humanas e espirituais.
Como era prazeroso, vê-lo e
ouvi-lo falar de fé, vida, amor, esperança, desejo, prazer, gratidão, família,
pátria, respeito e de tantas outras coisas, que fazem parte da nossa existência
terrena. Dizia que a vida era breve. Lembrei-me do poeta Carlos Drummond de
Andrade, quando disse: “A vida tem a forma breve de um coice”.
Quando menos esperamos, a morte feito um cavalo bravio, acerta em cheio o nosso
peito já carcomido pelas lutas intermináveis, em busca do nada.
Tinha por princípios, não me mimar
demais, a fim de não atrapalhar o meu crescimento. Os desafios que enfrentaria,
dependiam de amadurecimento pessoal para serem vencidos. A experiência é
forjada na bigorna do sofrimento e da luta cotidiana, não de afagos e mimos e
ele tinha consciência disso. Se por ventura fraquejasse, lá estava ele pegando
em minhas mãos e redirecionando a minha vida. Se partisse antes do combinado, o
que seria de mim? Pensamentos que atormentavam e que eu procurava esquecer.
Não tinha vaidade e, por isso, se
vestia de uma beleza tão pura e singela, como os lírios do campo. Foi com ele,
que aprendi a valorizar as virtudes da alma e do espírito e não do corpo. Em
que pese às ingratidões sofridas pelo mundo, representadas pelo ser humano,
devolvia em amor e bondade. Conhecia a lei do retorno e me falava sobre isso,
dizendo: “Cada um dá, somente o que tem de melhor, dentro de si”. O seu amor era tão grande, que não cabia no
mar.
Acompanhou-me a vida inteira, com
tamanha paciência, que me causava espanto. Assim agiu, porque via em mim, uma
doce retribuição de carinho e veneração. E assim, entre um momento e outro, foi
envelhecendo. O peso da vida curvou-lhe as costas, desfigurou o rosto e ofuscou
a visão. A mão ingrata do tempo, só não atrofiou sua mente. Mesmo com a voz
embargada, continuava a me ensinar com primazia, às vicissitudes da vida.
Mas como tudo na vida é efêmero,
um dia ele partiu ao entardecer, para a mansão do desconhecido. Deixou um vazio
imenso dentro do meu peito. Hoje é apenas um quadro amarelado, pendurado na
parede dos meus sonhos infantis. O ano velho se foi, morreu. Partir para
sempre, pela estrada da vida e não voltou mais. Assim como meu pai, o ano velho
passou por mim e não percebi.
Peruíbe SP, 06
de janeiro de 2019.
Um comentário:
Parabens....vc escreve divinamente e nos faz refletir e navegar pelos horizontes da nossa propria historia de vida. Obrigada por nos permitir o prazer da boa leitura.Abçs
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