domingo, 6 de janeiro de 2019

A MORTE DO VELHO

                         Ele estava sempre do meu lado. Não se apartava de mim, por nada deste mundo. Fiel companheiro, amigo inseparável. Sempre tinha um conselho pronto, quando percebia algum deslize de minha parte. Conhecia-me por inteiro e bastava um gesto ou um olhar deste mecenas, para notar o que se passava comigo, interna e externamente. Sabia corrigir-me com firmeza e ternura. Procurava não me magoar, porque sabia que a minha estrada a ser percorrida, era longa e íngreme.
                                   Ensinava-me de forma gradativa, a compreender e respeitar o mundo e as pessoas. Quanta vez usava metáforas e sinais da natureza, para descrever os mistérios do mundo e da vida, que eram desenhados à minha frente. Com toda sapiência que lhe era peculiar, conduzia-me pelos mundos insondáveis do universo e da mente. Para ele, a honra e a dignidade eram joias preciosas, as quais jamais deveriam ser tocadas por seres desprezíveis.
                                   Por horas e horas, eu ficava debruçado na janela do tempo, observando o seu caminhar trôpego e sua respiração ofegante, pelos caminhos sinuosos da vida. Brilhava nos olhos, uma luz incandescente, que irradiava esperança àqueles que buscavam alento em seu conhecimento. Conhecia o meu jeito turrão, mas abrandava meu espírito, massageando o meu ego, com palavras dóceis e eivadas de ternura. Os seus cabelos cor de neve, traduziam a certeza de que valeu a pena viver intensamente, cada momento da existência.
                                   Eu sabia que um dia, quando menos se esperasse, ele partiria para a mansão do desconhecido. Por essa razão, eu vivenciava cada segundo do meu tempo ao lado dele. Tinha pressa de beber nos seus lábios, tudo que podia me oferecer de bom e de belo. Exorcizava todos os meus medos, para não me ver chorar. Guardava todos os meus segredos, brincadeiras de infância. Gostava de ouvir sua voz compassada, que sem pressa, balbuciava cada palavra e cada frase. Parece que desejava que cada palavra e cada gesto, ficassem marcados para sempre na minha memória. Como um mestre dedicado, tinha a dimensão exata das minhas necessidades humanas e espirituais.
                                   Como era prazeroso, vê-lo e ouvi-lo falar de fé, vida, amor, esperança, desejo, prazer, gratidão, família, pátria, respeito e de tantas outras coisas, que fazem parte da nossa existência terrena. Dizia que a vida era breve. Lembrei-me do poeta Carlos Drummond de Andrade, quando disse: “A vida tem a forma breve de um coice”. Quando menos esperamos, a morte feito um cavalo bravio, acerta em cheio o nosso peito já carcomido pelas lutas intermináveis, em busca do nada.
                                   Tinha por princípios, não me mimar demais, a fim de não atrapalhar o meu crescimento. Os desafios que enfrentaria, dependiam de amadurecimento pessoal para serem vencidos. A experiência é forjada na bigorna do sofrimento e da luta cotidiana, não de afagos e mimos e ele tinha consciência disso. Se por ventura fraquejasse, lá estava ele pegando em minhas mãos e redirecionando a minha vida. Se partisse antes do combinado, o que seria de mim? Pensamentos que atormentavam e que eu procurava esquecer.
                                   Não tinha vaidade e, por isso, se vestia de uma beleza tão pura e singela, como os lírios do campo. Foi com ele, que aprendi a valorizar as virtudes da alma e do espírito e não do corpo. Em que pese às ingratidões sofridas pelo mundo, representadas pelo ser humano, devolvia em amor e bondade. Conhecia a lei do retorno e me falava sobre isso, dizendo: “Cada um dá, somente o que tem de melhor, dentro de si”.  O seu amor era tão grande, que não cabia no mar.
                                   Acompanhou-me a vida inteira, com tamanha paciência, que me causava espanto. Assim agiu, porque via em mim, uma doce retribuição de carinho e veneração. E assim, entre um momento e outro, foi envelhecendo. O peso da vida curvou-lhe as costas, desfigurou o rosto e ofuscou a visão. A mão ingrata do tempo, só não atrofiou sua mente. Mesmo com a voz embargada, continuava a me ensinar com primazia, às vicissitudes da vida.
                                   Mas como tudo na vida é efêmero, um dia ele partiu ao entardecer, para a mansão do desconhecido. Deixou um vazio imenso dentro do meu peito. Hoje é apenas um quadro amarelado, pendurado na parede dos meus sonhos infantis. O ano velho se foi, morreu. Partir para sempre, pela estrada da vida e não voltou mais. Assim como meu pai, o ano velho passou por mim e não percebi.

Peruíbe SP, 06 de janeiro de 2019. 

Um comentário:

Selma Santos disse...

Parabens....vc escreve divinamente e nos faz refletir e navegar pelos horizontes da nossa propria historia de vida. Obrigada por nos permitir o prazer da boa leitura.Abçs