Havia
um jardim belo e florido, encravado no sertão. Lá as plantas e flores viviam
harmoniosamente, ouvindo a sinfonia dos pássaros canoros. Bem cuidado e regado,
pelas mãos de um talentoso jardineiro, causava encanto a todos os seres
viventes. Tudo era puro, tudo era belo e tudo tinha o ar da graça. A vida
respirava paz e tranquilidade. Não havia pressa, porque nada justificava a
ansiedade do que estava por vir. O amanhã era um lugar tão distante e longe dos
olhos do que desfrutavam o sonho da eternidade.
As estações, todos os anos, vinham
cada uma do seu jeito, abraçar e beijar o estonteante jardim. Elas traziam em
seus colos, todo tipo de presente, com o desejo imenso de agradar as flores e
as plantas que ali habitavam. As festas promovidas pelas estações encantavam os
olhos de todo viajor. E as flores retribuíam aquele afeto recebido, exalando fragrância
inesquecível e dançavam ao sabor do vento matutino. Era lindo de se ver. Era agradabilíssimo
sentir a energia daquele lugar sacrossanto!
Cada flor tinha seu encanto
pessoal. Uma pelo aroma que exalava, outra pelas pétalas multicores e outra,
ainda, pela exuberância de seus galhos. E assim, cada uma ao seu modo,
procurava agradecer ao Criador, sua razão de existir. Os artistas, dentre eles,
o músico, o pintor e o literato, ficam sentados por ali, contemplando a beleza
impar do lugar e buscando inspiração divina, para retratar o que ora se narra.
Eles, os tais artistas, observaram
que as flores também sentiam afeto e desejo entre si. Por isso, era comum
naquele mundo florístico, que durante a dança do vento, elas se tocavam e se
acariciavam. Entre um flerte e outro, beijam a flor amada e, sem qualquer
lascívia, o gametófito tocava o pistilo e, naquele momento, o amor singelo e
encantador se consumava. Sem que se percebesse, dava continuidade à procriação
da espécie.
Era notório, que Begônia com toda
sua formosura, inocência e delicadeza, era loucamente apaixonada por Antúrio, porque
via nele, um ar de autoridade, hospitalidade e luxo. Por ter nascido e sido
criada ali, naquele jardim, Begônia era fiel a Antúrio. Nunca se viu ou se
comentou que ela dera uma “pulada de cerca”, ou melhor, uma “pulada de canteiro”,
em busca de prazeres extraflorais. Cuidava de seus rebentos com muito amor e
zelo. É de bom alvitre que se diga que Begônia era loucamente apaixonada por
Antúrio.
Certa feita, não se sabe como,
passou a morar ali, quer dizer, nasceu ali Orquídea. Creio que ela, ainda em
forma de semente, foi trazida no bico de um pássaro errante. Com sua roupa
amarela toda exuberante e seu bailar sedutor, começou a despertar ciúmes entre
as demais. Ocorre que, com o passar do tempo, criou-se uma linda e prospera amizade
entre Begônia e Orquídea. Ambas não se separavam um minuto se quer, eram amigas
e confidentes íntimas.
Begônia, formosa e inocente.
Orquídea, exuberante e sedutora. Begônia, recatada e fiel. Orquídea, bela e
liberal. Não demorou muito para que, aos poucos e sem pressa, Orquídea
convencesse Begônia a passear descontraidamente pelo jardim, enquanto o esposo
Antúrio, com seu espírito humanitário, cuidava de outras flores, em seus
infortúnios. Ele nada desconfiava e, para não criar animosidade, as outras flores
mantinham segredo. Antúrio gerara dois filhos com Begônia, ou seja, Lírio e Azaléa.
Era um esposo carinhoso e um excelente genitor. Dava pena de Antúrio!
Escandalizadas pelo que se passava
no jardim, até então, belo e puro, as outras flores, de nomes diversificados,
mantinham-se equidistante de tudo aquilo. Creia-se que era uma forma de não se contaminarem
com a perdição que batia à porta, ou melhor, que se infiltrava entre os lindos
canteiros. “Por que o pássaro errante não foi pousar em outro lugar, levando aquela
semente contaminada para um desterro distante?”, indagavam entre si, as
flores entristecidas. Até quando elas iriam conviver com aquele pesadelo?
Numa manhã primaveril, cansada
daquele mundo rotineiro e encantada pelo novo horizonte estampado por Orquídea,
sua amiga inseparável, a recatada e fiel Begônia resolveu partir, para onde,
não se sabe. Deixou para trás, a vida tranquila e harmoniosa, daquele jardim
belo e encantador. Abandonou Antúrio e os filhos Lírio e Azaléia. Levou consigo
apenas a amiga Orquídea. Vestida de ilusão, Begônia deixou um mundo que a viu
nascer e crescer. Arrancou pela raiz, a felicidade de Antúrio. Enterrou para
sempre, o amor materno dos filhos.
Conta à lenda, que hoje Begônia
anda por aí, sem rumo e sem as pétalas. Lindas e aromáticas pétalas que, um
dia, as revestiu de tanta formosura e felicidade. A primavera de Begônia, já era!
Peruíbe SP, 11
de dezembro de 2018.
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