terça-feira, 11 de dezembro de 2018

FLOR DESPETALADA

                     Havia um jardim belo e florido, encravado no sertão. Lá as plantas e flores viviam harmoniosamente, ouvindo a sinfonia dos pássaros canoros. Bem cuidado e regado, pelas mãos de um talentoso jardineiro, causava encanto a todos os seres viventes. Tudo era puro, tudo era belo e tudo tinha o ar da graça. A vida respirava paz e tranquilidade. Não havia pressa, porque nada justificava a ansiedade do que estava por vir. O amanhã era um lugar tão distante e longe dos olhos do que desfrutavam o sonho da eternidade.
                                   As estações, todos os anos, vinham cada uma do seu jeito, abraçar e beijar o estonteante jardim. Elas traziam em seus colos, todo tipo de presente, com o desejo imenso de agradar as flores e as plantas que ali habitavam. As festas promovidas pelas estações encantavam os olhos de todo viajor. E as flores retribuíam aquele afeto recebido, exalando fragrância inesquecível e dançavam ao sabor do vento matutino. Era lindo de se ver. Era agradabilíssimo sentir a energia daquele lugar sacrossanto!
                                   Cada flor tinha seu encanto pessoal. Uma pelo aroma que exalava, outra pelas pétalas multicores e outra, ainda, pela exuberância de seus galhos. E assim, cada uma ao seu modo, procurava agradecer ao Criador, sua razão de existir. Os artistas, dentre eles, o músico, o pintor e o literato, ficam sentados por ali, contemplando a beleza impar do lugar e buscando inspiração divina, para retratar o que ora se narra.
                                   Eles, os tais artistas, observaram que as flores também sentiam afeto e desejo entre si. Por isso, era comum naquele mundo florístico, que durante a dança do vento, elas se tocavam e se acariciavam. Entre um flerte e outro, beijam a flor amada e, sem qualquer lascívia, o gametófito tocava o pistilo e, naquele momento, o amor singelo e encantador se consumava. Sem que se percebesse, dava continuidade à procriação da espécie.
                                   Era notório, que Begônia com toda sua formosura, inocência e delicadeza, era loucamente apaixonada por Antúrio, porque via nele, um ar de autoridade, hospitalidade e luxo. Por ter nascido e sido criada ali, naquele jardim, Begônia era fiel a Antúrio. Nunca se viu ou se comentou que ela dera uma “pulada de cerca”, ou melhor, uma “pulada de canteiro”, em busca de prazeres extraflorais. Cuidava de seus rebentos com muito amor e zelo. É de bom alvitre que se diga que Begônia era loucamente apaixonada por Antúrio.
                                   Certa feita, não se sabe como, passou a morar ali, quer dizer, nasceu ali Orquídea. Creio que ela, ainda em forma de semente, foi trazida no bico de um pássaro errante. Com sua roupa amarela toda exuberante e seu bailar sedutor, começou a despertar ciúmes entre as demais. Ocorre que, com o passar do tempo, criou-se uma linda e prospera amizade entre Begônia e Orquídea. Ambas não se separavam um minuto se quer, eram amigas e confidentes íntimas.
                                   Begônia, formosa e inocente. Orquídea, exuberante e sedutora. Begônia, recatada e fiel. Orquídea, bela e liberal. Não demorou muito para que, aos poucos e sem pressa, Orquídea convencesse Begônia a passear descontraidamente pelo jardim, enquanto o esposo Antúrio, com seu espírito humanitário, cuidava de outras flores, em seus infortúnios. Ele nada desconfiava e, para não criar animosidade, as outras flores mantinham segredo. Antúrio gerara dois filhos com Begônia, ou seja, Lírio e Azaléa. Era um esposo carinhoso e um excelente genitor.  Dava pena de Antúrio!    
                                   Escandalizadas pelo que se passava no jardim, até então, belo e puro, as outras flores, de nomes diversificados, mantinham-se equidistante de tudo aquilo. Creia-se que era uma forma de não se contaminarem com a perdição que batia à porta, ou melhor, que se infiltrava entre os lindos canteiros. “Por que o pássaro errante não foi pousar em outro lugar, levando aquela semente contaminada para um desterro distante?”, indagavam entre si, as flores entristecidas. Até quando elas iriam conviver com aquele pesadelo?
                                   Numa manhã primaveril, cansada daquele mundo rotineiro e encantada pelo novo horizonte estampado por Orquídea, sua amiga inseparável, a recatada e fiel Begônia resolveu partir, para onde, não se sabe. Deixou para trás, a vida tranquila e harmoniosa, daquele jardim belo e encantador. Abandonou Antúrio e os filhos Lírio e Azaléia. Levou consigo apenas a amiga Orquídea. Vestida de ilusão, Begônia deixou um mundo que a viu nascer e crescer. Arrancou pela raiz, a felicidade de Antúrio. Enterrou para sempre, o amor materno dos filhos.   
                                   Conta à lenda, que hoje Begônia anda por aí, sem rumo e sem as pétalas. Lindas e aromáticas pétalas que, um dia, as revestiu de tanta formosura e felicidade.  A primavera de Begônia, já era!


Peruíbe SP, 11 de dezembro de 2018.  

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