Ao completar doze
anos de idade, descobri que passei a padecer de uma doença contagiosa. Aquela
notícia caiu feito bomba sobre mim. Senti o chão se abrir sob meus pés. Entrei
em transe, gritei, chorei, rezei e pedi por socorro. Um vazio enorme,
assenhorou-se da alma. O que seria da minha vida, a partir de então? De que
valiam os caminhos já percorridos, os sonhos sonhados e as brincadeiras
inocentes, com os amigos inseparáveis? Onde eu iria buscar alento e quem me
daria colo? Perguntas, mil perguntas sem resposta e sem solução.
Até aquele dia, minha vida se
resumia em peraltices inconsequentes. Preocupava-me apenas em brincar, estudar,
comer, dormir, sonhar, nada mais. O amanhã era um mundo distante demais e o longe,
um lugar que não existia. Achava engraçados os adultos perderem noites de sono,
com problemas de somenos importância. Enquanto eles acordavam irritados e
rabugentos, eu despertava alegre para o dia a dia. O mundo era um poema,
escrito no caderno da felicidade. Até aquele dia, a minha infância se resumia
em alegria.
A notícia repentina caiu como uma
ducha fria, sobre mim. Fiquei desacordado por espaço indefinido e só recobrei o
sentido, quando um anjo divino, tocou meu rosto e me despertou para realidade.
Ele sussurrou angelicalmente aos meus ouvidos, dizendo: “Você acaba de receber o sopro de
um novo tempo”. Senti-me confortado por tamanha compreensão, porém,
ainda sem nada entender. É certo que, em poucos segundos, a doença se alastrou
por todo o corpo, até atingir fatalmente o coração.
Teria eu entrado na puberdade?
Fiquei horas a fio, recordando das aulas de biologia, ciências, anatomia e
fisiologia. E até das enfadonhas aulas de matemática, com seus cálculos exatos:
se e somente se, a soma do quadrado do cateto é igual à hipotenusa. Mas o que a doença
contagiosa, tinha a ver com os ensinamentos dos meus amados mestres? Estava
contaminado e pronto. Tinha que aprender a lidar com aquilo, sem milongas.
Senti-me prisioneiro de mim.
Roguei a Deus, fé, força e
sabedoria para seguir a nova estrada. Mas minha infância tão bela e tão pura,
onde a guardaria? E quando a velhice batesse sorrateiramente à porta, o que eu
diria aos sonhos infantis, trancafiados no baú da saudade? Mas não me saía da
mente, que de repente, fui acometido de uma doença contagiosa. Relutei para
aceitar, mas, aos poucos, fui absolvendo a ideia de que teria que vencer aquele
novo desafio, custasse o que custasse.
Ao analisar o diagnóstico, percebi
que a doença contagiosa atendia pelo nome de cientifico AMOR e o que o agente
vetor, era a menina mais linda e meiga da minha cidade natal. Fui picado pelo vírus
da paixão e, depois de curto tempo de incubação, ele tomou conta da
mente e do coração, até transforma-se naquela doença irreversível. Não é
preciso dizer que, a partir daquele momento, vivi longos dias e anos de intensa
agonia e sofrimento. Não havia remédio que abrandasse a febre e o desejo de
estar perto ou tocar a menina mais desejada da infância.
Meus olhos brilhavam e o coração
ardia em chamas, quando a via caminhando para lá e para cá, quer fosse pelas ruas
calmas ou pelo longo pátio da escola. Os cabelos tocados pelo vento tinham
graça impar. O caminhar feminino despertava em mim, algo inexplicável. O corpo
de pele branca e macia, simetricamente desenhado, era como nave,
transportando-me para uma galáxia inatingível. Os lábios, de um leve tom
avermelhado, davam um toque surreal ao rosto mais lindo que já se viu.
A doença de que estava acometido,
aos poucos foi se agravando. Dormia e acordava, pensando na mulher amada. De
dia eu observava a menina da minha infância e, à noite, era ela quem me
observava, durante meus devaneios. Na doce ilusão de realizar o meu sonho de
amor, contentava apenas em vê-la e ouvir a sua voz. Quando na escola, ela dançava em datas
festivas, eu ia ao delírio emocional. Pouco importava se ela não desse crédito
aos meus sentimentos. Deleitava-me em saber que, nos sonhos, ela viajava ao meu
lado. Tocava o seu corpo ao meu e reclinava sua cabeça no meu ombro, buscando
proteção.
Chegou aos meus ouvidos, que ela
tinha certa admiração pelo meu melhor amigo de carteira escolar. Entristeceu-me
deveras. Seria em razão dos dotes, que a família dele possuía ou apenas para me
provocar ciúmes? Sei que a minha
timidez, era fator preponderante, para não me ousar em declarar o grande amor
que nutria por ela. Deveria ter sido mais atrevido e não fui, paciência. Hoje, tudo
poderia ter sido diferente. Perdi o trem da história.
O tempo passou, mas o amor platônico,
não. O sentimento mais puro da alma permaneceu arraigado e encravado no coração.
A estrada da nossa vida tomou rumos diferentes. Mas o pensamento daquele menino,
de vida e espirito simples, continuou fiel ao amor e desejo que sempre nutriu
pela menina mais bela da terra natal. Fiz de tudo para que ninguém descobrisse
o quanto eu a amava, para não constrangê-la e, muito menos, para que eu não
fosse alvo de chacotas. Coisas de minha timidez.
A menina mais bela da minha
infância cresceu, criou formas delineadas e voou. Casou, construiu um ninho,
teve filhos e foi ser feliz. Acrescentou nome, doce coincidência. A tecnologia
promoveu encontro virtual. Arrisco de longe, relembrar a candura do amor
platônico, que tanto me contagiou e me lançou para o mundo do sonho e da
fantasia. Foi por ela, que me enveredei pelo mundo da arte e da poesia. Se hoje
a imortalizo nessas mal traçadas linhas é porque, já há muito tempo, foi
imortalizada no meu coração.
O amor é platônico, porque ele
só existiu, no meu imaginário!
Peruíbe SP, 22 de
setembro de 2018.
Nenhum comentário:
Postar um comentário