sexta-feira, 11 de junho de 2021

TEJE PRESO!

 

Adão de Souza Ribeiro

                        Tem coisas, que acontecem na vida e que nem mesmo Freud explica, em sua vã filosofia. Lá na minha terrinha, na qual, tive a honra de nascer, acontecem fatos pitorescos, onde eu, ao contar as histórias, ninguém acredita. E olha que já dissertei sobre várias delas. Por isso, peço permissão para contar mais uma. Cabe aos leitores, ao final da narrativa, avaliarem se é fato ou fake.

                        Lá havia um galo, conhecido carinhosamente por “Seu Pereira”. De origem nobre e de plumagem exuberante, causava um desassossego às galinhas do terreiro onde habitava. As cocoricós juramentadas viviam disputando entre si, quem iria dormir no poleiro com ele, ou melhor, quem iria fazer um inesquecível “sapeca iaiá” com o galã mais cortejado do quintal. Em virtude da beleza e do porte másculo, ele tinha um harém a sua disposição.

                        Os pintainhos, nascidos dos “sapecas iaiás”, tinham orgulho de serem herdeiros do “Seu Pereira”. O galo era de propriedade do meu compadre Mané Vito. Já quiseram comprá-lo por milhões de patacas, mas o garboso personagem, de quem tanto falo, era inegociável, dizia repetidamente o meu compadre. Ele era destaque no terreiro e causava inveja à vizinhança e, também, ao povo do lugarejo.

                        Certo é que, além da beleza, o “Seu Pereira” era cumpridor dos deveres galináceos, isto é, cobria diariamente as galinhas; protegia o harém, evitando a presença de predadores e ciscava em busca de alimentos para a prole. E, ainda, defendia de unhas e dentes, ou melhor, de esporas afiadas, a perpetuação do seu reinado. Ai do galo estranho, que ousasse invadir o seu território! Era morte na certa.

                        “Seu Pereira” recebera de Deus, o dom de cantar e, o que é mais importante, acordar as pessoas, ao alvorecer. Para o povo da minha terrinha e, em especial, os boias-frias, ele era o despertador natural. Começava cantar sempre, quando surgiam as primeiras luzes do dia. O canto, também era para espantar os espectros da noite.

                        Deixava a suas cocoricós sozinhas no poleiro ou no ninho, chocando os ovos (herdeiros) e gritava com seu canto estridente e compassado: “Acorda meu povoooo”.  Ninguém precisava avisá-lo a hora certa de começar a cantar, pois tinha um despertador dentro de si.  Registre-se que não cobrava um centavo, por aquele serviço matinal. Era um filantropo, sem saber.

                        Mas nem tudo na vida é só de flores, pois ela tem lá seus espinhos. Avida de “Seu Pereira” não fugiria a regra. Eis que um conterrâneo, daqueles que tem medo do trabalho e preferem dormir até meio dia, queixou-se do canto matutino do querido amigo. Pelo fato de “Seu Pereira” cantar antes das cinco da manhã, acusou-o de crime de perturbação do sossego alheio, como incurso no Artigo nº 42, da Lei das Contravenções Penais. Poderia sofrer uma pena de prisão de quinze dias a três meses.

                        Um belo dia, em razão das queixas prestadas, viaturas cercaram a quadra e agentes fortemente armados, após adentrarem ao galinheiro, deram voz de prisão pobre pai de família (leia-se: galo de família), dizendo: “Seu Pereira, teje preso. O senhor está sendo acusado de perturbação do sossego alheio. Qualquer canto agora poderá ser usado contra o senhor no Tribunal. O senhor tem o direito de ficar de bico calado e da assistência de advogado, se assim desejar.”.

                        Depois de algemarem os pés do galo mais querido de meu compadre Mané Vito, colocou no chiqueirinho da viatura policial e o conduziram até a Delegacia de Polícia, apresentando ao Dr. Setembrino Sigismundo, Delegado de Polícia e ao Zaia, Escrivão de Polícia, que lavraram o Auto de Prisão em Flagrante Delito.

                        A sua prisão, causou uma comoção geral. Sei que até fizeram corrente de oração pela sua inocência. O que seria de “Josina Cocoricó” e dos herdeiros chocados por ela? O que seria dos boias-frias, sem o relógio tão pontual como o Big Bem, que começava a despertar às quatro horas da madrugada, chamando-os para mais um dia de labor? O que seria do meu compadre Mané Vito, que tanto amava “Seu Pereira”, o galo de origem nobre, porte exuberante, cortejado por todas as galinhas, dono do invejável harém, de crista em forma de coroa e esporas afiadas?

                        O que nos acalantava é que, um dia, a justiça seria feita. Ela (Justiça) reconheceria que o humilde imperador não cometeu crime algum, por fazer filantropia. Reconheceria que sem o cantor da minha terrinha, a madrugada perdera o seu encanto. Se realmente a Justiça era cega, surda e muda, então ela diria, sem pestanejar: “Seu Pereira, teje solto!”.

                        Com a liberdade dele, a paz voltaria ao galinheiro e, naquele dia tão festivo, as Cocoricós cobririam “Seu Pereira” de mil carinhos. Quer queira ou não, o canto voltaria, com a orquestra sinfônica das penosas: “Vamos acordar meu povoooo!”.

                        Fim. Chega de tragédia.

 

Peruíbe SP, 12 de junho de 2021.

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Um comentário:

Professor Aloísio disse...

Excelente texto, muito bem organizado, sem contar com o enredo, muito criativo com uma ótima pincelada de humor, daria uma história em quadrinhos perfeita...