Adão de Souza
Ribeiro
Tem coisas, que acontecem na vida e que nem
mesmo Freud explica, em sua vã filosofia. Lá na minha terrinha, na qual, tive a
honra de nascer, acontecem fatos pitorescos, onde eu, ao contar as histórias,
ninguém acredita. E olha que já dissertei sobre várias delas. Por isso, peço
permissão para contar mais uma. Cabe aos leitores, ao final da narrativa,
avaliarem se é fato ou fake.
Lá havia um galo, conhecido carinhosamente
por “Seu Pereira”. De origem nobre e de plumagem exuberante, causava um
desassossego às galinhas do terreiro onde habitava. As cocoricós juramentadas
viviam disputando entre si, quem iria dormir no poleiro com ele, ou melhor, quem
iria fazer um inesquecível “sapeca iaiá” com o galã mais cortejado do quintal. Em
virtude da beleza e do porte másculo, ele tinha um harém a sua disposição.
Os pintainhos, nascidos dos “sapecas iaiás”,
tinham orgulho de serem herdeiros do “Seu Pereira”. O galo era de propriedade do
meu compadre Mané Vito. Já quiseram comprá-lo por milhões de patacas, mas o garboso
personagem, de quem tanto falo, era inegociável, dizia repetidamente o meu
compadre. Ele era destaque no terreiro e causava inveja à vizinhança e, também,
ao povo do lugarejo.
Certo é que, além da beleza, o “Seu Pereira”
era cumpridor dos deveres galináceos, isto é, cobria diariamente as galinhas;
protegia o harém, evitando a presença de predadores e ciscava em busca de
alimentos para a prole. E, ainda, defendia de unhas e dentes, ou melhor, de
esporas afiadas, a perpetuação do seu reinado. Ai do galo estranho, que ousasse
invadir o seu território! Era morte na certa.
“Seu Pereira” recebera de Deus, o dom de
cantar e, o que é mais importante, acordar as pessoas, ao alvorecer. Para o
povo da minha terrinha e, em especial, os boias-frias, ele era o despertador
natural. Começava cantar sempre, quando surgiam as primeiras luzes do dia. O
canto, também era para espantar os espectros da noite.
Deixava a suas cocoricós sozinhas no poleiro
ou no ninho, chocando os ovos (herdeiros) e gritava com seu canto estridente e
compassado: “Acorda meu povoooo”. Ninguém precisava avisá-lo a hora certa de
começar a cantar, pois tinha um despertador dentro de si. Registre-se que não cobrava um centavo, por aquele
serviço matinal. Era um filantropo, sem saber.
Mas nem tudo na vida é só de flores, pois ela
tem lá seus espinhos. Avida de “Seu Pereira” não fugiria a regra. Eis que um conterrâneo,
daqueles que tem medo do trabalho e preferem dormir até meio dia, queixou-se do
canto matutino do querido amigo. Pelo fato de “Seu Pereira” cantar antes das
cinco da manhã, acusou-o de crime de perturbação do sossego alheio, como
incurso no Artigo nº 42, da Lei das Contravenções Penais. Poderia sofrer uma pena
de prisão de quinze dias a três meses.
Um belo dia, em razão das queixas prestadas,
viaturas cercaram a quadra e agentes fortemente armados, após adentrarem ao
galinheiro, deram voz de prisão pobre pai de família (leia-se: galo de
família), dizendo: “Seu Pereira, teje preso. O senhor está sendo acusado de perturbação do
sossego alheio. Qualquer canto agora poderá ser usado contra o senhor no
Tribunal. O senhor tem o direito de ficar de bico calado e da assistência de advogado,
se assim desejar.”.
Depois de algemarem os pés do galo mais
querido de meu compadre Mané Vito, colocou no chiqueirinho da viatura policial
e o conduziram até a Delegacia de Polícia, apresentando ao Dr. Setembrino
Sigismundo, Delegado de Polícia e ao Zaia, Escrivão de Polícia, que lavraram o Auto
de Prisão em Flagrante Delito.
A sua prisão, causou uma comoção geral. Sei
que até fizeram corrente de oração pela sua inocência. O que seria de “Josina
Cocoricó” e dos herdeiros chocados por ela? O que seria dos boias-frias, sem o
relógio tão pontual como o Big Bem, que começava a despertar às quatro horas da
madrugada, chamando-os para mais um dia de labor? O que seria do meu compadre Mané
Vito, que tanto amava “Seu Pereira”, o galo de origem nobre, porte exuberante,
cortejado por todas as galinhas, dono do invejável harém, de crista em forma de
coroa e esporas afiadas?
O que nos acalantava é que, um dia, a justiça
seria feita. Ela (Justiça) reconheceria que o humilde imperador não cometeu
crime algum, por fazer filantropia. Reconheceria que sem o cantor da minha
terrinha, a madrugada perdera o seu encanto. Se realmente a Justiça era cega,
surda e muda, então ela diria, sem pestanejar: “Seu Pereira, teje solto!”.
Com a liberdade dele, a paz voltaria ao
galinheiro e, naquele dia tão festivo, as Cocoricós cobririam “Seu Pereira” de mil
carinhos. Quer queira ou não, o canto voltaria, com a orquestra sinfônica das penosas:
“Vamos
acordar meu povoooo!”.
Fim. Chega de tragédia.
Peruíbe SP, 12
de junho de 2021.
a
Um comentário:
Excelente texto, muito bem organizado, sem contar com o enredo, muito criativo com uma ótima pincelada de humor, daria uma história em quadrinhos perfeita...
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