domingo, 29 de outubro de 2023

A GUERRA DOS MATUTOS

 

Adão de Souza Ribeiro

                        Desde a tenra infância, sempre gostei da guerra. Naquele tempo, não havia radar, foguetes teleguiados, Inteligência Artificial, rádio comunicador e outras tantas parafernálias modernas. A guerra era feita na raça e sem medo, por isso, tinha um sabor diferente. Os soldados se enfrentavam para vencer e não era permitido os borra botas.

                        Não me lembro de televisão narrando os confrontos, em tempo real e ao vivo, como se fosse um jogo de futebol. Ela começava e terminava, sem que soubéssemos quem levou a melhor. Enquanto ela se desenrolava, o mundo continuava na lida diária e ninguém se preocupava com o número de bombas detonadas e nem de mortos. Não havia tanta pressão psicológica.

                        Eu e meus colegas fomos convocados para a guerra. Devidamente fardados e municiados, partimos para o campo de batalha, ou melhor, para a rua de batalha. Na Rua Ruy Barbosa, palco do confronto, era formada a trincheira. Do lado par estava os “meninos do papai” e do lado ímpar os “meninos da mamãe”.

                        Todos se posicionavam estrategicamente, onde tudo servia de esconderijo e proteção. Como arma tínhamos o estilingue e como munição, as mamonas. Carregávamos o imborná e o bolso e encarávamos o “inimigo” de mentirinha. A regra era assim: quando alguém era alvejado, saia do combate, como se estivesse morto.

                        Na batalha, havia dez soldadinhos de cada lado e cada equipe escolhia a melhor estratégia de ataque e defesa. O crime de guerra era acertar a região da cabeça do oponente e, em especial, os olhos. “Bombas na guerra, magia/ Ninguém matava/ morria/ Nas trincheiras da alegria/ O que explodia era o amor”, dizia a Gal Costa.

                        As casas e os muros, ficavam todos manchados de verde, onde eram atingidos pelas mamonas. O combate transcorria o dia inteiro e quando acabava a munição, repunha indo buscar no pé. Em determinado momento, havia o cessar fogo (mamona), para que os soldadinhos pudessem almoçar. Depois do descanso, a luta continuava. 

                        Quando disse que gostava da guerra é porque na guerra de mamonas, havia muita graça, sorriso e diversão. Já na outra, havia muita tragédia e dor. Os adultos lutavam por ganância e nós, lutávamos para manter viva as brincadeiras de infância. Ao final de um dia de batalha, os vencedores e vencidos se abraçavam e reforçavam a amizade.

                        Que bom se todas as guerras do mundo, fossem apenas de mamonas, onde não houvessem feridos e mortos. Os bombardeios travados na Terrinha, pelos soldadinhos de mentira não se estendiam a outros países, ou melhor, ruas adjacentes.

                        Que bom seria se ao voltarem para casa, depois de uma luta por nada, que os guerreiros travavam do outro lado do mundo pensassem: “Que besteira fizemos. Vamos todos no Bar do Iwai, tomar uma cachaça e comer um petisco. Ou no Bar do João Menino, ouvir com os violeiros, música sertaneja raiz. É melhor comemorar a paz!”.

                        Ao recordar da “guerra de mamonas” dá uma saudade imensa e os olhos lacrimejam. Hoje caminhando pela rua deserta, onde era o front, vejo as paredes e muros desbotados, sem as manchas verdes de tiros, ou melhor, das mamonas. As marcas da infância, foram vencidas pela guerra do tempo.

                        Para os meninos matutos, na guerra de mamonas lá na Terrinha tudo era válido, menos morrer!

Peruíbe SP, 28 de outubro de 2023. 

 

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