Adão de Souza
Ribeiro
Desde a tenra infância, sempre gostei da
guerra. Naquele tempo, não havia radar, foguetes teleguiados, Inteligência
Artificial, rádio comunicador e outras tantas parafernálias modernas. A guerra
era feita na raça e sem medo, por isso, tinha um sabor diferente. Os soldados
se enfrentavam para vencer e não era permitido os borra botas.
Não me lembro de televisão narrando os
confrontos, em tempo real e ao vivo, como se fosse um jogo de futebol. Ela
começava e terminava, sem que soubéssemos quem levou a melhor. Enquanto ela se
desenrolava, o mundo continuava na lida diária e ninguém se preocupava com o
número de bombas detonadas e nem de mortos. Não havia tanta pressão psicológica.
Eu e meus colegas fomos convocados para a
guerra. Devidamente fardados e municiados, partimos para o campo de batalha, ou
melhor, para a rua de batalha. Na Rua Ruy Barbosa, palco do confronto, era
formada a trincheira. Do lado par estava os “meninos do papai” e do lado ímpar
os “meninos da mamãe”.
Todos se posicionavam estrategicamente, onde
tudo servia de esconderijo e proteção. Como arma tínhamos o estilingue e como
munição, as mamonas. Carregávamos o imborná e o bolso e encarávamos o “inimigo”
de mentirinha. A regra era assim: quando alguém era alvejado, saia do combate,
como se estivesse morto.
Na batalha, havia dez soldadinhos de cada lado
e cada equipe escolhia a melhor estratégia de ataque e defesa. O crime de
guerra era acertar a região da cabeça do oponente e, em especial, os olhos. “Bombas
na guerra, magia/ Ninguém matava/ morria/ Nas trincheiras da alegria/ O que
explodia era o amor”, dizia a Gal Costa.
As casas e os muros, ficavam todos manchados
de verde, onde eram atingidos pelas mamonas. O combate transcorria o dia
inteiro e quando acabava a munição, repunha indo buscar no pé. Em determinado
momento, havia o cessar fogo (mamona), para que os soldadinhos pudessem
almoçar. Depois do descanso, a luta continuava.
Quando disse que gostava da guerra é porque
na guerra de mamonas, havia muita graça, sorriso e diversão. Já na outra, havia
muita tragédia e dor. Os adultos lutavam por ganância e nós, lutávamos para
manter viva as brincadeiras de infância. Ao final de um dia de batalha, os
vencedores e vencidos se abraçavam e reforçavam a amizade.
Que bom se todas as guerras do mundo, fossem
apenas de mamonas, onde não houvessem feridos e mortos. Os bombardeios travados
na Terrinha, pelos soldadinhos de mentira não se estendiam a outros países, ou
melhor, ruas adjacentes.
Que bom seria se ao voltarem para casa, depois
de uma luta por nada, que os guerreiros travavam do outro lado do mundo pensassem:
“Que
besteira fizemos. Vamos todos no Bar do Iwai, tomar uma cachaça e comer um
petisco. Ou no Bar do João Menino, ouvir com os violeiros, música sertaneja
raiz. É melhor comemorar a paz!”.
Ao recordar da “guerra de mamonas” dá uma
saudade imensa e os olhos lacrimejam. Hoje caminhando pela rua deserta, onde
era o front, vejo as paredes e muros
desbotados, sem as manchas verdes de tiros, ou melhor, das mamonas. As marcas
da infância, foram vencidas pela guerra do tempo.
Para os meninos matutos, na guerra de
mamonas lá na Terrinha tudo era válido, menos morrer!
Peruíbe SP, 28 de
outubro de 2023.
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