Adão de Souza Ribeiro
Pela manhã, não há nada mais prazeroso, do
que contemplar a natureza lá na roça. Na varanda da casa e sentado na cadeira
de balanço, coronel Ludovico pitava seu cigarro de fumo de corda e enrolado na
palha seca de milho. Entre uma baforada (trago) e outra, divisava o horizonte
das suas terras. Do lado da cadeira e sobre uma banqueta, uma xícara de esmalte
branco, com o café forte e com pouco açúcar.
No degrau da escada da varanda, Duque, um cão
de pelagem caramelo e fiel escudeiro, também acompanhava o dono na embriagante
contemplação. De vez em quando, ele abanava o rabo para espantar as moscas
atrevidas. Dentro da casa, dona Euflosina – esposa prendada-, cuidava dos
afazeres domésticos.
Um calango marrom-escuro de listras verdes e
brancas tropidurus torquatus, passou em desabalada carreira, atrás de um distraído besouro. Duque
apenas abriu o olho e não deu importância aquela cena. No céu, as nuvens
carregadas, anunciavam chuva forte, mas não era para já. A varanda e a cadeira
eram o altar sacrossanto, de onde coronel Ludovico contemplava a exuberância da
natureza.
No banhado, uma manada de capivaras,
desfilavam majestosas, para lá e para cá. Diante de qualquer sinal de
perigo, mergulhavam no rio e despareciam. Uma onça jaguatirica se embrenhava na
mata densa. Na margem do Rio Feio, depois de longas horas de espera, com uma
vara de anzol, um caboclo solitário tentava fisgar pintado ou pirarucu. Um bando de
macacos-prego sapajus, se divertiam como crianças, pulando nos galhos das árvores, perto do
curral.
Dali cuidava de tudo e, ao mesmo tempo,
recordava da luta para conquistar aquela terra. A vida deu-lhe muitas
chicotadas no lombo, além das noites mal dormidas, preocupado com a lavoura, o
gado e os “papagaios” contraídos no Banco da cidade. O cabelo e a barba brancos,
denunciavam que os anos passaram rapidamente. Euflosina nunca se desgarrou
dele, por isso, a chamava de “minha rainha”.
No pasto e debaixo de uma paineira, descansava
o carro de boi, como se fosse um troféu ganho, pela fazenda conquistada com orgulho e
honestidade. Lá bem distante, aonde os olhos alcançavam, ele admirava a
montanha, a qual, em razão da lonjura, parecia azulada. Do lado direito, uma
grande touceira de bambu, dançava ao sabor do vento.
Com o olhar fixo na natureza e no horizonte,
a mente do coronel Ludovico viajava, como se estivesse levitando. Em frações de
segundo, transitava ora no passado, ora no futuro. O pensamento era embalado
pelo barulho da água, que deslizava pela cachoeira, não muito distante dali. A
divagação era acompanhada do o cantar melodioso da juriti. Na cozinha,
Euflosina se divertia, ouvindo música sertaneja raiz, num velho radinho de
pilha.
Os filhos, depois de crescidos, ganharam asas
e se puseram voar, para aonde não se sabia. Por isso, muitas vezes, o velho
coronel de tantas lutas e alegrias, afogava a saudade dos rebentos, observando
a vida bucólica, que a natureza campesina lhe proporcionava. Ele imaginava os filhos, brincando no terreirão de secar café.
De repente e de surpresa, Euflosina surgiu
com um prato de pão caseiro ainda quentinho, feito no forno a lenha, construído
no quintal. Ela completou a xícara com café e pode ver lágrimas nos olhos do
varão, porém, nada perguntou. Não quis atrapalhar a introversão do esposo.
Depois de muitos anos juntos, ela aprendeu lidar com o silêncio dele. Ludovico
era um homem sério, mas um esposo bondoso e carinhoso. Fazia um chamego e um
cafuné, que a deixava louca!
Duque – o fiel escudeiro-, de soslaio
percebeu a falta de um mimo. Para agradá-lo, Euflosina deu um ossobuco
bastante carnudo e, em sinal de alegria e agradecimento ele abanou o rabo. Lá
na estrada de terra, ladeada de cerca de arame farpado, passou um morador da
redondeza, montado em seu cavalo alazão bem arreado. Mais uma vez, Duque não deu
importância a cena. Ele estava ocupado com presente ofertado pela sua dona. E diga-se de passagem: "Au...au, está uma delícia!", pensou o canino.
Por diversas vezes, dona Euflosina tinha que
alertar o consorte, que almoço já estava pronto e posto à mesa. Até parecia que
aquela contemplação da natureza e a viagem no tempo, causava um torpor e fazia
com que o coronel Ludovico não sentisse fome.
Na verdade, o Coronel Ludovico, eterno esposo
de dona Euflosina, sentia fome da paz e da vida bucólica do sertão.
Peruíbe SP, 08 de abril de 2023.
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