sábado, 8 de abril de 2023

VIDA BUCÓLICA

 

Adão de Souza Ribeiro

                        Pela manhã, não há nada mais prazeroso, do que contemplar a natureza lá na roça. Na varanda da casa e sentado na cadeira de balanço, coronel Ludovico pitava seu cigarro de fumo de corda e enrolado na palha seca de milho. Entre uma baforada (trago) e outra, divisava o horizonte das suas terras. Do lado da cadeira e sobre uma banqueta, uma xícara de esmalte branco, com o café forte e com pouco açúcar.

                        No degrau da escada da varanda, Duque, um cão de pelagem caramelo e fiel escudeiro, também acompanhava o dono na embriagante contemplação. De vez em quando, ele abanava o rabo para espantar as moscas atrevidas. Dentro da casa, dona Euflosina – esposa prendada-, cuidava dos afazeres domésticos.

                        Um calango marrom-escuro de listras verdes e brancas tropidurus torquatus, passou em desabalada carreira, atrás de um distraído besouro. Duque apenas abriu o olho e não deu importância aquela cena. No céu, as nuvens carregadas, anunciavam chuva forte, mas não era para já. A varanda e a cadeira eram o altar sacrossanto, de onde coronel Ludovico contemplava a exuberância da natureza.

                        No banhado, uma manada de capivaras, desfilavam majestosas, para lá e para cá. Diante de qualquer sinal de perigo, mergulhavam no rio e despareciam. Uma onça jaguatirica se embrenhava na mata densa. Na margem do Rio Feio, depois de longas horas de espera, com uma vara de anzol, um caboclo solitário tentava fisgar pintado ou pirarucu. Um bando de macacos-prego sapajus, se divertiam como crianças, pulando nos galhos das árvores, perto do curral.

                        Dali cuidava de tudo e, ao mesmo tempo, recordava da luta para conquistar aquela terra. A vida deu-lhe muitas chicotadas no lombo, além das noites mal dormidas, preocupado com a lavoura, o gado e os “papagaios” contraídos no Banco da cidade. O cabelo e a barba brancos, denunciavam que os anos passaram rapidamente. Euflosina nunca se desgarrou dele, por isso, a chamava de “minha rainha”.

                        No pasto e debaixo de uma paineira, descansava o carro de boi, como se fosse um troféu ganho, pela fazenda conquistada com orgulho e honestidade. Lá bem distante, aonde os olhos alcançavam, ele admirava a montanha, a qual, em razão da lonjura, parecia azulada. Do lado direito, uma grande touceira de bambu, dançava ao sabor do vento.

                        Com o olhar fixo na natureza e no horizonte, a mente do coronel Ludovico viajava, como se estivesse levitando. Em frações de segundo, transitava ora no passado, ora no futuro. O pensamento era embalado pelo barulho da água, que deslizava pela cachoeira, não muito distante dali. A divagação era acompanhada do o cantar melodioso da juriti. Na cozinha, Euflosina se divertia, ouvindo música sertaneja raiz, num velho radinho de pilha.

                        Os filhos, depois de crescidos, ganharam asas e se puseram voar, para aonde não se sabia. Por isso, muitas vezes, o velho coronel de tantas lutas e alegrias, afogava a saudade dos rebentos, observando a vida bucólica, que a natureza campesina lhe proporcionava. Ele imaginava os filhos, brincando no terreirão de secar café.

                        De repente e de surpresa, Euflosina surgiu com um prato de pão caseiro ainda quentinho, feito no forno a lenha, construído no quintal. Ela completou a xícara com café e pode ver lágrimas nos olhos do varão, porém, nada perguntou. Não quis atrapalhar a introversão do esposo. Depois de muitos anos juntos, ela aprendeu lidar com o silêncio dele. Ludovico era um homem sério, mas um esposo bondoso e carinhoso. Fazia um chamego e um cafuné, que a deixava louca!

                        Duque – o fiel escudeiro-, de soslaio percebeu a falta de um mimo. Para agradá-lo, Euflosina deu um ossobuco bastante carnudo e, em sinal de alegria e agradecimento ele abanou o rabo. Lá na estrada de terra, ladeada de cerca de arame farpado, passou um morador da redondeza, montado em seu cavalo alazão bem arreado. Mais uma vez, Duque não deu importância a cena. Ele estava ocupado com  presente ofertado pela sua dona. E diga-se de passagem: "Au...au, está uma delícia!", pensou o canino.

                        Por diversas vezes, dona Euflosina tinha que alertar o consorte, que almoço já estava pronto e posto à mesa. Até parecia que aquela contemplação da natureza e a viagem no tempo, causava um torpor e fazia com que o coronel Ludovico não sentisse fome.

                        Na verdade, o Coronel Ludovico, eterno esposo de dona Euflosina, sentia fome da paz e da vida bucólica do sertão.

 

Peruíbe SP, 08 de abril de 2023.

 

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