sábado, 24 de dezembro de 2022

SABINO - O CAÇADOR

 

Adão de Souza Ribeiro

 

                        Todas as vezes que me pego a escrever ou falar sobre a Terra Natal, os olhos vão às lágrimas. Isso acontece, não por tristeza, mas, sim, por causa de uma saudade desenfreada. O lugar é uma terra fértil de fatos reais ou pitorescos, conforme já tenho dito em outras narrativas. Quem vive ou passou por lá, sabe do que estou falando.

                        Eu tenho notado, que os moradores natos ou naturalizados, tem um hobby (passatempo) que nada mais é do que uma válvula de escape para se desestressar das lamúrias da vida cotidiana. O trabalho pesado, somado às dificuldades do dia-a-dia, são as principais causas do desgaste físico e emocional do ser humano.

                        Hoje atrevo-me a contar a história do conterrâneo Sabino Silva, que carinhosamente passo a chamá-lo de Indiana Jones. Ele tinha uma oficina mecânica de conserto de máquinas agrícolas, ofício que herdara do avô paterno. Por ser muito eficaz e honesto no seu labor, angariara uma vasta clientela. A oficina de que falo e a casa em que residia, ficavam na mesma rua que eu morava.

                        O nosso protagonista viera da Bahia, seu Estado de origem. Nascera em 1927 e aportara na minha Terra Natal no ano de 1951. Assim o fez, por saber que a região era povoada por japoneses e tinha imensa lavoura de café. Adquirira a oficina, com dinheiro guardado numa lata e enterrado no quintal da casa. Por ser muito sistemático, nãp confiava em Banco – instituição financeira.

                        Sabino, o Indiana Jones, tinha como hobby a caça. Quando saia para o mato, trajava chapéu, modelo safari australiano; botina, modelo work boots; calça e camisa de manga comprida, na cor caqui. Levava consigo espingarda, modelo Winchester; faca, modelo Fultang, cantil; binóculo; munição e alforge. Ao vê-lo todo paramentado, fazia lembra-me do Daktari, personagem da série televisiva e de mesmo nome, interpretado por Marshall Thompson, exibida nos anos de 1966 a 1969.

                        Nas empreitadas desestressantes, Sabino não se apartava de “Piranha”, a sua fiel amiga e escudeira. Ela não era mulher, mas uma cadela da raça Braco Alemão, conhecido como perdigueiro, com habilidades para caça. Segundo Sabino, ela tinha uma inteligência acima da média dos caninos e, também, de humanos. Ela compreendia os seus comandos e sinais. Quando a caça ocorria nos arredores da cidade, ele colocava um bilhete, endereçado a esposa, na boca da canina, sendo que ela levava e retornava com a resposta. Embora possuísse cerca de trinta cachorros caçadores, tinha por ela um carinho especial. Era exímio adestrador de cães para caça.

                        Na maioria das vezes, eles iam para a Fazenda Sabiá, Fazenda do Estado, Fazenda Suissa, Bairro Bondade, Aliança, Panay e tantos outros. Eles abatiam codorna, capivara, nambu, perdiz, coelho, tatu, teiú e outros bichos comestíveis. Os quatro filhos, que o acompanhava, eram encarregados de prepararem as aves (depenar e tirar as vísceras) in locus e levá-las prontas para casa. Enquanto a caça acontecia, a esposa e Elisa - a filha - organizavam a casa, para o banquete de assados, regados com farta bebida.

                        Dentre as peripécias de “Piranha”, havia a história de que durante uma caçada na Fazenda Suíssa, Sabino perdera um canivete multiuso. Então convocara uns moleques, dentre eles os filhos, e cerca de três cachorros, para localizar a preciosidade. Prometera mortadela e guaraná a quem localizasse. Levara os moleques e os cachorros, num Jeep, ano 1951, com tração nas quatro rodas. O carro era tracionado por uma carreta /gaiola, onde conduzia os cachorros e as traias de caça. Depois de um certo tempo, o tal canivete fora localizado por “Piranha”.

                        Conforme prometido, levou todos no Bar do Mori”. Ele deu aos moleques, bebida e a “Piranha”, uma bola (peça) de mortadela, que ela devorou até a metade. O restante, deu aos moleques, junto com a bebida. Foi uma inesquecível festança, pois os moleques e a cadela, divertiram à beça.

                        Eu não posso esquecer de dizer e afirmar categoricamente, que Indiana Jones, tinha uma pontaria invejável com a arma. Ele era capaz de acertar com precisão, uma mosca posada no pico do Monte Evereste, que se localiza nas Cordilheiras do Himalaia, bem como, a cabeça de uma codorna, que voava numa grande altura e em voo há mais de 300 km/h. Depois da queda triunfal da ave, “Piranha” – a fiel escudeira, embrenhava no meio do mato hiper denso para buscá-la.

                        Naquele tempo não havia tanto rigor, por parte dos órgãos ambientais, na fiscalização da caça de animais silvestres. É certo que não caçavam só por esporte, mas, também, para se alimentarem. Não era uma atividade predatória, pois respeitavam o equilíbrio da natureza. Eis o motivo pelo qual o povo do lugarejo admirá-lo e respeitar seu passatempo.

                        Já ao cair da tarde e/ou no início da noite, quando a turma voltava da empreitada desestressante, a esposa, com o apoio da filha, corria para temperar os bichos e pô-los para assarem. Os participantes e os conterrâneos – convidados de honra -, sentavam-se à mesa e degustavam as iguarias, servidas com muito carinho, pelo alegre anfitrião.

                        Hoje Sabino Silva, o Indiana Jones tupiniquim, já não está mais entre nós. As lendárias caçadas perderam o encanto e a Terra Natal chora a ausência dele e da “Piranha”. No povoado, já não se fala mais dos bichos e, em especial, os de pena. Meu Deus, que pena!

                        Peruíbe SP, 17 de dezembro de 2022.

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