Adão de Souza
Ribeiro
Todas as vezes que me pego a escrever ou falar
sobre a Terra Natal, os olhos vão às lágrimas. Isso acontece, não por tristeza,
mas, sim, por causa de uma saudade desenfreada. O lugar é uma terra fértil de
fatos reais ou pitorescos, conforme já tenho dito em outras narrativas. Quem
vive ou passou por lá, sabe do que estou falando.
Eu tenho notado, que os moradores natos ou
naturalizados, tem um hobby (passatempo) que nada mais é do que uma válvula de
escape para se desestressar das lamúrias da vida cotidiana. O trabalho pesado,
somado às dificuldades do dia-a-dia, são as principais causas do desgaste
físico e emocional do ser humano.
Hoje atrevo-me a contar a história do
conterrâneo Sabino Silva, que carinhosamente passo a chamá-lo de Indiana Jones.
Ele tinha uma oficina mecânica de conserto de máquinas agrícolas, ofício que herdara
do avô paterno. Por ser muito eficaz e honesto no seu labor, angariara uma vasta
clientela. A oficina de que falo e a casa em que residia, ficavam na mesma rua
que eu morava.
O nosso protagonista viera da Bahia, seu
Estado de origem. Nascera em 1927 e aportara na minha Terra Natal no ano de
1951. Assim o fez, por saber que a região era povoada por japoneses e tinha
imensa lavoura de café. Adquirira a oficina, com dinheiro guardado numa lata e
enterrado no quintal da casa. Por ser muito sistemático, nãp confiava em Banco
– instituição financeira.
Sabino, o Indiana Jones, tinha como hobby a
caça. Quando saia para o mato, trajava
chapéu, modelo safari australiano; botina, modelo work boots; calça e camisa de
manga comprida, na cor caqui. Levava consigo espingarda, modelo Winchester;
faca, modelo Fultang, cantil; binóculo; munição e alforge. Ao vê-lo todo paramentado,
fazia lembra-me do Daktari, personagem da série televisiva e de mesmo nome,
interpretado por Marshall Thompson, exibida nos anos de 1966 a 1969.
Nas empreitadas desestressantes, Sabino não
se apartava de “Piranha”, a sua fiel amiga e escudeira. Ela não era mulher, mas
uma cadela da raça Braco Alemão, conhecido como perdigueiro, com habilidades
para caça. Segundo Sabino, ela tinha uma inteligência acima da média dos
caninos e, também, de humanos. Ela compreendia os seus comandos e sinais.
Quando a caça ocorria nos arredores da cidade, ele colocava um bilhete,
endereçado a esposa, na boca da canina, sendo que ela levava e retornava com a
resposta. Embora possuísse cerca de trinta cachorros caçadores, tinha por ela
um carinho especial. Era exímio adestrador de cães para caça.
Na maioria das vezes, eles iam para a Fazenda Sabiá, Fazenda do Estado, Fazenda Suissa, Bairro Bondade, Aliança, Panay e tantos outros. Eles abatiam codorna, capivara, nambu, perdiz, coelho, tatu, teiú e outros bichos comestíveis. Os quatro filhos, que o acompanhava, eram encarregados de prepararem as aves (depenar e tirar as vísceras) in locus e levá-las prontas para casa. Enquanto a caça acontecia, a esposa e Elisa - a filha - organizavam a casa, para o banquete de assados, regados com farta bebida.
Dentre as peripécias de “Piranha”, havia a
história de que durante uma caçada na Fazenda Suíssa, Sabino perdera um
canivete multiuso. Então convocara uns moleques, dentre eles os filhos, e cerca
de três cachorros, para localizar a preciosidade. Prometera mortadela e guaraná
a quem localizasse. Levara os moleques e os cachorros, num Jeep, ano 1951, com
tração nas quatro rodas. O carro era tracionado por uma carreta /gaiola, onde
conduzia os cachorros e as traias de caça. Depois de um certo tempo, o tal
canivete fora localizado por “Piranha”.
Conforme prometido, levou todos no Bar do
Mori”. Ele deu aos moleques, bebida e a “Piranha”, uma bola (peça) de
mortadela, que ela devorou até a metade. O restante, deu aos moleques, junto
com a bebida. Foi uma inesquecível festança, pois os moleques e a cadela,
divertiram à beça.
Eu não posso esquecer de dizer e afirmar
categoricamente, que Indiana Jones, tinha uma pontaria invejável com a arma.
Ele era capaz de acertar com precisão, uma mosca posada no pico do Monte
Evereste, que se localiza nas Cordilheiras do Himalaia, bem como, a cabeça de
uma codorna, que voava numa grande altura e em voo há mais de 300 km/h. Depois
da queda triunfal da ave, “Piranha” – a fiel escudeira, embrenhava no meio do mato
hiper denso para buscá-la.
Naquele tempo não havia tanto rigor, por
parte dos órgãos ambientais, na fiscalização da caça de animais silvestres. É
certo que não caçavam só por esporte, mas, também, para se alimentarem. Não era
uma atividade predatória, pois respeitavam o equilíbrio da natureza. Eis o
motivo pelo qual o povo do lugarejo admirá-lo e respeitar seu passatempo.
Já ao cair da tarde e/ou no início da noite, quando
a turma voltava da empreitada desestressante, a esposa, com o apoio da filha, corria
para temperar os bichos e pô-los para assarem. Os participantes e os
conterrâneos – convidados de honra -, sentavam-se à mesa e degustavam as
iguarias, servidas com muito carinho, pelo alegre anfitrião.
Hoje Sabino Silva, o Indiana Jones tupiniquim,
já não está mais entre nós. As lendárias caçadas perderam o encanto e a Terra
Natal chora a ausência dele e da “Piranha”. No povoado, já não se fala mais dos
bichos e, em especial, os de pena. Meu Deus, que pena!
Peruíbe SP, 17 de
dezembro de 2022.
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