domingo, 5 de maio de 2024

UM DIA DE ROTINA

 

Adão de Souza Ribeiro

 

                        Minha mãe acordou bem cedo, para cuidar da casa. Meu pai também acordou bem cedo, se arrumou e foi para a roça, cuidar da lavoura. Já nós, seus filhos, dormimos um pouco mais e, ao acordar, fomos brincar de criança. A natureza acordou junto com meus pais, a fim de preparar um dia maravilhoso para nós.

                        Lá na rua da minha casa, seu Alfredo abriu a porta do comércio, para receber os assíduos clientes. Já de manhã, no jardim da praça matriz, o “seu” Caga-Sebo foi molhar as flores, antes do sol nascer. Dona Quitéria, nossa amável vizinha, madrugou para dar milho as galinhas e lavagem para os porcos. Da cama, podíamos ouvir o cacarejo das galinhas em festa.

                        Do alto do abacateiro, um bando de canários, cantavam a linda canção do amanhecer. O meu irmão caçula, ainda bebê, choramingou no berço, pedindo mamadeira e minha mamãe, prontamente o atendeu. Não demorou muito, para que nossa mamãe nos convidasse a levantar, pois a obrigação escolar batia à porta do quarto.

                        Enquanto nos preparávamos para ir à escola, a linda professora organizava o material didático, para ministrar a aula. Os meninos e meninas, assim como eu, só pensávamos os momentos de descontração, depois das aulas, no Grupo Escolar “José Belmiro Rocha”. Os coleguinhas enfeitavam as tardes, com suas incansáveis travessuras.

                        Lá na roça, meu pai capinava o cafezal, colocava veneno contra as formigas saúvas, ordenhava as vacas no curral, organizava os sacos de milho no paiol, dava banho e escovava o “Chá Preto” – o cavalo manga larga. Enquanto isso, minha mãe varria a casa, lavava a roupa, limpava os móveis e fazia a comida no fogão a lenha. Era tantos afazeres que, na maioria das vezes, não tinham tempo de se cuidarem.

                        De vez em quando, debruçado na janela da imaginação, eu ficava pensando na mesmice da vida. Ela passava sem que percebêssemos e crescíamos ao sabor do vento. Aos poucos, a vida ganhava um novo colorido. A rotina marcava a vida, como um impiedoso ferrão. A medida que crescíamos, enxergávamos o amanhecer, de um outro ângulo.

                        As meninas de corpo infantil, foi se delineando e pegando gosto pela puberdade. O amor platônico, sem eu notar, embora eu relutasse, foi se tornando mulher madura. E assim, foi se distanciando da minha ilusão e fugindo da minha doce rotina. Digo isso, porque todas as manhãs, tinha como rotina, vê-la desfilar suavemente pelas ruas do lugarejo.

                        Hoje, tem dias que pesaroso, pergunto: “ Por que crescemos e envelhecemos? ”.  A rotina da infância, era um manto sagrado, a nos proteger das mazelas da vida. Às vezes me perco em pensamento, procurando pelos meus pais, para que possam zelar pelo menino, que tem medo de envelhecer. A rotina ensinava, que tínhamos a obrigação de sermos apenas felizes.

                        De novo, eu queria levantar de manhã e ver meus pais já acordados e se preparando, para mais um dia de rotina. É cruel ver a velha rotina da infância se perder entres os dedos da fria realidade do futuro. Ah se eu tivesse o poder de mudar o tempo, voltaria a habitar na saudosa rotina da infância!       

                        Se para muitos era apenas mais um dia de rotina; para mim, era a maior demonstração de zelo e de carinho dos meus pais, para com os filhos!

 

Peruíbe SP, 05 de maio de 2024.

 

 

 

 

 

 

 

 

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