quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

TRISTE PARTIDA

 

Adão de Souza Ribeiro

                        Durvalino foi um dos primeiros desbravadores da Terrinha. Ainda jovem ali chegou e fincou morada. Com muita luta e determinação, criou e educou a família. Ele dedicou-se à lavoura no bairro Bondade e a esposa, para ajudar nas despesas da casa, lavava e passava roupa para as famílias do lugarejo. Os sete filhos, muito educados e obedientes, estudaram no grupo escolar “José Belmiro Rocha”.

                        Com suas economias, comprou uma casa de quatro cômodos, onde viu os filhos crescerem. O município tinha como vocação a lavoura, pois não dispunha de outros recursos. O comércio mirrado, fazia de tudo para sobreviver.

                        Apesar das dificuldades, era o lugar ideal para criar e educar a família. A violência, drogas e prostituição, só se via nas telas da televisão. Diga-se de passagem, um aparelho muito raro e em preto e branco.

                        As quermesses, procissões, folia de reis, rodas de viola, jogo de futebol, bailes de fazenda, cachaçada nos botecos, pescaria nas lagoas, missas domingueiras, bate-papo na praça, faziam parte do lazer das pessoas.

                        Enfim, aquela era a mesmice cotidiana de um povo pacato, que não tinha pressa com o amanhã. Tudo acontecia no seu tempo certo e sem influência dos grandes centros. Mas, sem que se percebesse, a vida caminhava rumo ao futuro.

                        As crianças brincavam livremente para lá e para cá. Elas dividiam com os coleguinhas, o direito de serem felizes na acepção do termo. As ruas de terra batida, eram palco das mais belas brincadeiras, que se estendiam até altas horas da noite.

                        As ruas não eram movimentadas e, por isso, não ofereciam perigo aos fedelhos. Durante a chuva, a molecada se deliciava na enxurrada, a qual deslizava ladeira abaixo. Para eles, tudo era motivo de alegria. Saudade, doce saudade!

                        Desde que ali chegou, Durvalino viu que a cidade foi mudando aos poucos. A construção do grupo escolar, do ginásio, do matadouro municipal, da igreja matriz, do campo de futebol, da delegacia de polícia, da casa da agricultura, do clube municipal, do hospital e da cooperativa agrícola. Mas nada que pudesse gerar emprego a população que crescia. “Amanhã, o que farei com meus filhos?”, Durvalino pensava deveras preocupado. 

                        Certa feita, deitado na rede da varanda, depois de um dia cansativo da labuta na roça, preocupado com o futuro dos filhos, pensou: “Vou ter que buscar em outras bandas, melhorias para família.

                        Pesaroso e em frações de segundos decidiu mudar, a fim de dar melhor condição de vida e estudo aos filhos. “Um dia eu volto para o meu cantinho sagrado.”, prometeu em pensamento, o já cansado Durvalino.

                        No dia fatídico, fechou a casa. No caminhão Perkins, colocou a família na boleia, jogou a mudança na carroceria e partiu rumo ao desconhecido. Pelo retrovisor, viu a cidade sumindo aos poucos e deixou para trás toda sua história. Uma lágrima solitária, brotou no canto dos olhos e banhou a face.

                        Tentou disfarçar, mas Marialda, a esposa dedicada e fiel, percebeu. Para confortá-lo, em tom carinhoso, ela disse: “Durvalino, meu velho, fica triste não. Um dia nós voltamos, para o nosso pedaço de chão.

                        Já na nova morada, ele tornou-se caminhoneiro e a esposa, cozinheira num renomado restaurante. Os filhos, por sua vez, avançaram nos estudos e começaram os namoricos de adolescentes. Passaram-se os anos, os filhos foram se casando e formando família. Os herdeiros criaram raízes na terra desconhecida. A medida que os anos se passaram, Durvalino via que o sonho de retorno a Terrinha, tornava-se mais remoto.

                        De vez em quando, uma saudade avassaladora, apertava o coração daquele conterrâneo saudosista. Por onde andavam os amigos de boteco, de pelada de futebol, de cantoria de viola, das tradicionais folias de reis, dos bailes de fazenda e as prosas na praça? “Quando minha vida for ceifada, quero descansar para sempre, no meu torrão querido.”, aquele era o desejo dele, em vida.

                        A história de Durvalino, como de tantos outros da eterna e querida Terrinha, fazia reportar ao sofrido nordestino, que deixou sua terra castigada pela seca e pela fome, partindo rumo ao sul, em busca de esperança. Sempre com a promessa e o desejo de um dia voltar, mas, no entanto, tornava-se escravo do patrão e morria abandonado em terra estranha.

                        Nós vamo a São Paulo, que a coisa tá feia. Por terras aleia nós vamo vagar. Se o nosso destino. Não for tão mesquinho, Ai! Pro mesmo cantinho. Nos torna voltar.”, da música “Triste Partida”, de autoria do poeta Patativa do Assaré.

 

Peruíbe SP, 31 de janeiro de 2024.

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