segunda-feira, 26 de setembro de 2022

O PROGRESSO

 

Adão de Souza Ribeiro

 

                        E hoje vejam o progresso aonde foi/ O boi puxava o carro/ E hoje o carro puxa o boi”, diz a música O Progresso, da dupla sertaneja raiz Pedro Bento e Zé da Estrada.

                        Ao debruçar sobre a melodia tão encantadora, eu me pego a relembrar de um tempo onde tudo era mais simples e a vida não tinha pressa para acontecer. Tudo era como uma fruta que amadurecia no pé e, por isso, tinha mais sabor. Cada coisa no seu lugar e no seu tempo.

                        As pessoas, por cumprirem os mandamentos da natureza, eram mais saudáveis e, em tudo, percebiam a poesia nas obras do Divino Criador. Não se via alguém reclamando de doenças desconhecidas e nem disputando um prato de comida. Todos eram solidários e, por isso, repartiam o pouco que tinham. A ganância não encontrava guarida.

                        A igreja cumpria a sagrada missão de professar a fé; a escola, de ensinar o bê-á-bá; a política, de governar e administrar o bem comum; o roceiro, de trabalhar e não depender de esmola; as crianças, de brincarem de ser crianças; os rios, a banharem florestas, vales e campinas; os animais, pássaros, peixes e insetos, de povoarem livremente a terra. Cada qual no seu qual e assim todos eram felizes.

                        Podia-se afirmar, que todos viviam no verdadeiro paraíso. As grades da cadeia não tinham trancas e estavam sempre abertas, porque crime não existia. Nos bares, os clientes tomavam a “branquinha” ao som da viola e da sanfona, enquanto no terreiro, cantava o galo carijó. A cidade respirava o ar de simplicidade e, por isso, ninguém tinha pressa de envelhecer. O caminhar rumo ao futuro era lento.

                        É certo que todo caminhar tem por princípio, impulsionar as coisas para a frente, quer queira quer não. Disso não há como fugir. E foi assim, que com o passar dos anos, eu me vi envolto pelas garras da evolução humana. No início, confesso que me debati e resisti, mas tudo foi em vão. Uma força maior me disse que era melhor aceitar.

                        Ainda na minha tenra infância, percebi que meus brinquedos, tais como: carrinhos de plástico e de madeira foram substituídos por brinquedos com controle remoto. O rádio foi cedendo lugar à televisão, ainda que em preto e branco. A longa boiada, que passava pelas ruas descalças da cidade, conduzida pelos peões e ao som do berrante, sumiram na curva do tempo.  

                        O que me faz saudosista e me aperta o coração, com lágrimas escorrendo pela face, são gestos de amor sepultados no fundo do baú, como as cartas de amor, escritas à luz de vela e enviadas pelo correio. A tecnologia criou atalhos e a expectativa da respostadas maus traçadas linhas, dormiu no passado. Aos poucos, o progresso chegou e foi devorando meus sonhos de criança, como um monstro voraz e impiedoso, sem se importar com as tradições, forjadas a séculos, na bigorna da moral e dos bons costumes.

                        Antes o telefone a manivela e hoje, os celulares ultramodernos; antes o fogão a lenha e hoje, os elétricos e a gás; antes os carros com velocidade de 20 Km/h e hoje, os com 300 Km/h; antes a música sertaneja raiz e hoje, as estrangeiras e eletrônicas; antes os armazéns e hoje, os shoping; antes os bares e hoje, as lanchonetes; antes as pensões e hoje, os restaurantes; antes as praças e hoje os motéis; antes a charrete e hoje, os carros de aplicativo; antes a fé na igreja e hoje, a indústria da fé via Embratel. Antes o passado recatado e hoje, o futuro desembestado. Aonde vamos parar, não sei!

                        Quando revejo fotos de coisas da antiguidade, tais como, carros, lugares, costumes, roupas, objetos, artes, etc e tal, estou me transportando de volta ao passado. Isso me faz muito bem. “Oh que saudades que tenho/ Da aurora da minha vida, / Da minha infância querida/ Que os anos não trazem mais!”, dizia o poeta Casimiro de Abreu, na poesia “Os meus oito anos”.

                        Eu não sou avesso ao progresso. O que não compactuo e não aceito é que ele devore as tradições e jogue no lixo da história, o que foi conquistado ao longo dos anos, isto é, o desejo de sermos felizes. O progresso não pode violar o direito de reverenciarmos e de preservarmos o passado.

                        Hoje a boiada não precisa de berrante/ Ela chega num instante/ num caminhão boiadeiro”.

 

Peruíbe SP, 26 de setembro de 2022.

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