Adão de Souza
Ribeiro
“E hoje vejam o progresso aonde foi/ O boi
puxava o carro/ E hoje o carro puxa o boi”, diz a música O Progresso,
da dupla sertaneja raiz Pedro Bento e Zé da Estrada.
Ao debruçar sobre a melodia tão encantadora,
eu me pego a relembrar de um tempo onde tudo era mais simples e a vida não
tinha pressa para acontecer. Tudo era como uma fruta que amadurecia no pé e,
por isso, tinha mais sabor. Cada coisa no seu lugar e no seu tempo.
As pessoas, por cumprirem os mandamentos da
natureza, eram mais saudáveis e, em tudo, percebiam a poesia nas obras do
Divino Criador. Não se via alguém reclamando de doenças desconhecidas e nem
disputando um prato de comida. Todos eram solidários e, por isso, repartiam o
pouco que tinham. A ganância não encontrava guarida.
A igreja cumpria a sagrada missão de
professar a fé; a escola, de ensinar o bê-á-bá; a política, de governar e administrar
o bem comum; o roceiro, de trabalhar e não depender de esmola; as crianças, de brincarem
de ser crianças; os rios, a banharem florestas, vales e campinas; os animais, pássaros,
peixes e insetos, de povoarem livremente a terra. Cada qual no seu qual e assim
todos eram felizes.
Podia-se afirmar, que todos viviam no
verdadeiro paraíso. As grades da cadeia não tinham trancas e estavam sempre
abertas, porque crime não existia. Nos bares, os clientes tomavam a “branquinha”
ao som da viola e da sanfona, enquanto no terreiro, cantava o galo carijó. A cidade
respirava o ar de simplicidade e, por isso, ninguém tinha pressa de envelhecer.
O caminhar rumo ao futuro era lento.
É certo que todo caminhar tem por princípio,
impulsionar as coisas para a frente, quer queira quer não. Disso não há como
fugir. E foi assim, que com o passar dos anos, eu me vi envolto pelas garras da
evolução humana. No início, confesso que me debati e resisti, mas tudo foi em
vão. Uma força maior me disse que era melhor aceitar.
Ainda na minha tenra infância, percebi que
meus brinquedos, tais como: carrinhos de plástico e de madeira foram
substituídos por brinquedos com controle remoto. O rádio foi cedendo lugar à televisão,
ainda que em preto e branco. A longa boiada, que passava pelas ruas descalças
da cidade, conduzida pelos peões e ao som do berrante, sumiram na curva do
tempo.
O que me faz saudosista e me aperta o
coração, com lágrimas escorrendo pela face, são gestos de amor sepultados no
fundo do baú, como as cartas de amor, escritas à luz de vela e enviadas pelo
correio. A tecnologia criou atalhos e a expectativa da respostadas maus
traçadas linhas, dormiu no passado. Aos poucos, o progresso chegou e foi
devorando meus sonhos de criança, como um monstro voraz e impiedoso, sem se
importar com as tradições, forjadas a séculos, na bigorna da moral e dos bons
costumes.
Antes o telefone a manivela e hoje, os
celulares ultramodernos; antes o fogão a lenha e hoje, os elétricos e a gás;
antes os carros com velocidade de 20 Km/h e hoje, os com 300 Km/h; antes a
música sertaneja raiz e hoje, as estrangeiras e eletrônicas; antes os armazéns e
hoje, os shoping; antes os bares e hoje, as lanchonetes; antes as pensões e
hoje, os restaurantes; antes as praças e hoje os motéis; antes a charrete e
hoje, os carros de aplicativo; antes a fé na igreja e hoje, a indústria da fé
via Embratel. Antes o passado recatado e hoje, o futuro desembestado. Aonde
vamos parar, não sei!
Quando revejo fotos de coisas da antiguidade,
tais como, carros, lugares, costumes, roupas, objetos, artes, etc e tal, estou
me transportando de volta ao passado. Isso me faz muito bem. “Oh que
saudades que tenho/ Da aurora da minha vida, / Da minha infância querida/ Que
os anos não trazem mais!”, dizia o poeta Casimiro de Abreu, na poesia “Os
meus oito anos”.
Eu não sou avesso ao progresso. O que não
compactuo e não aceito é que ele devore as tradições e jogue no lixo da
história, o que foi conquistado ao longo dos anos, isto é, o desejo de sermos
felizes. O progresso não pode violar o direito de reverenciarmos e de
preservarmos o passado.
“Hoje a boiada não precisa de berrante/ Ela
chega num instante/ num caminhão boiadeiro”.
Peruíbe SP, 26 de
setembro de 2022.
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