quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

O TORDILHO E A BREJA

 

Adão de Souza Ribeiro

 

                        Tem coisas, que só de lembrar dá-me um ataque de riso. Por ser hilário o que aconteceu, merece ser contado e bem contado. Não é redundância afirmar, que o que se pretende narrar, aconteceu lá no meu torrão natal. É fácil perceber, que a minha terra natal sempre foi um celeiro de “causos” para lá de engraçados. Como é um “causo”, o narrador não tem a obrigatoriedade de provar a veracidade. Conta e pronto. Acredita quem quiser.

                        Por ali vivia Benedito da Silva, o “Ditinho”. Na realidade, ele era sitiante no Bairro Bondade. Cidadão bem-apessoado, cabelo estilo Elvis Presley, devidamente aparado na “Barbearia do Silveira”. A roupa, por sua vez, escolhida a dedo, à moda texana, isto é, Cowboy do Texas – EUA dava-lhe um ar de braveza. Gostava de conversar e, por sinal, falava muito bem. Embora fosse caipira, tinha um verbete invejável.

                        Ditinho tinha um amigo inseparável, o qual, assim como ele, esbanjava charme e simpatia. O amigo atendia pelo nome de “My Love”, tratando-se de um cavalo tordilho manga larga. De cor acinzentada, calda e crina, bem cuidadas, que causava um frenesi entre as éguas do sitio de Ditinho, chamado “Luar do Sertão”, bem como, as da redondeza. Seu dono recebera altas propostas para vendê-lo, porém, todas recusadas. Dizia ele: “Não vendo por nada deste mundo. Amigo fiel como ele, não existe em toda querência.

                        Certo dia, numa tarde de sábado, muito ensolarada, saindo do sítio e ao chegar à cidade, Ditinho parou no “Bar da Cebolinha”, assim era chamada Esmeralda, a proprietária. Defronte o bar havia uns troncos para amarrar os equinos, conhecidos como “pau de amarrar égua”. Ditinho, de descendência gaúcha, apeou do “My Love” e, como de costume, amarrou-o ali.

                        Já dentro do bar foi logo pedindo uma cerveja gelada, breja  para os botequeiros inveterados. Conversa vai e conversa vem, a hora foi passando. Debaixo de um sol escaldante de verão, o “My Love” suava mais que sovaco de aleijado. Ao ver o sofrimento do amigo fiel, Ditinho pediu ao balconista que servisse uma garrafa de breja gelada ao tordilho manga larga. Nem é preciso dizer todos ali, ficaram atônitos.

                        Lagartixa, o balconista magricelo, ironizou, dizendo: “Se o ‘My Love' beber eu danço na boquinha da garrafa”. Portanto, recusou-se em servir o animal, que suava por todos os poros, naquele sol escaldante, preso no “pau de amarrar égua.” Aquilo soou como uma afronta ao Ditinho e ele completou de forma ríspida: “Se você não vai até ele, ‘My Love’ vem até aqui”.

                        Para isso, bastou um assovio. O animal, como num toque de mágica, se desfez da corda que o prendia no “pau de amarrar égua” e, após dar uma gostosa relinchada, foi adentrando ao “Bar da Cebolinha”. De imediato, o dono apanhou outro copo e logo foi servindo o amigo fiel. Todos os incrédulos ficaram boquiabertos com aquela cena dantesca.

                        Depois de consumirem, isto é, Ditinho e “My Love”, umas quatro garrafas de breja gelada, o tordilho manga larga deu uma piscada e aproximou o beiço encostando ao ouvido do seu dono querido. Como que traduzindo a conversa, Ditinho disse para Lagartixa, o balconista magricelo: “Ele está perguntando se tem algum tira gosto (petisco) para comer, junto com cerveja?” Então, como num só coro, a gargalhada foi geral. Até tomar cerveja, tudo bem; mas pedir um tira gosto, aí é demais.

                        Não tardou e a estória correu de boca em boca e empesteando a cidade. Lugar pequeno sabe como é. Quiseram chamar a mídia (imprensa). Mas como Ditinho e “My Love” tinham ojeriza a holofotes e ao estrelato, a ideia foi descartada. Para isso, bastava a Rádio Peão (fofoqueiros), cujo slogan era: “Rádio Peão – Aquela que não deixa você na mão”.

                        Aquele acontecimento folclórico e pitoresco ficou tão enraizado na memória dos meus conterrâneos, que resolveram mudar o nome do “Bar da Cebolinha” para o “Bar do Tordilho”. E então, "Bar do Tordilho" se chamou.

                        Outra hora, se assim Deus me permitir, contarei mais peripécias de “My Love”, o tordilho manga larga.

                        Até mais ver. Inté!

 

Peruíbe SP,12 de janeiro de 2022.

Um comentário:

looslim@gmail.com disse...

Crônica gostosa de ler. Texto leve que prende a atenção! Muito bom!