Adão de Souza
Ribeiro
Tem coisas, que só de lembrar dá-me um ataque
de riso. Por ser hilário o que aconteceu, merece ser contado e bem contado. Não
é redundância afirmar, que o que se pretende narrar, aconteceu lá no meu torrão
natal. É fácil perceber, que a minha terra natal sempre foi um celeiro de “causos”
para lá de engraçados. Como é um “causo”, o narrador não tem a obrigatoriedade de
provar a veracidade. Conta e pronto. Acredita quem quiser.
Por ali vivia Benedito da Silva, o “Ditinho”.
Na realidade, ele era sitiante no Bairro Bondade. Cidadão bem-apessoado, cabelo
estilo Elvis Presley, devidamente aparado na “Barbearia do Silveira”. A roupa,
por sua vez, escolhida a dedo, à moda texana, isto é, Cowboy do Texas – EUA
dava-lhe um ar de braveza. Gostava de conversar e, por sinal, falava muito bem.
Embora fosse caipira, tinha um verbete invejável.
Ditinho tinha um amigo inseparável, o qual,
assim como ele, esbanjava charme e simpatia. O amigo atendia pelo nome de “My
Love”, tratando-se de um cavalo tordilho manga larga. De cor acinzentada, calda
e crina, bem cuidadas, que causava um frenesi entre as éguas do sitio de
Ditinho, chamado “Luar do Sertão”, bem como, as da redondeza. Seu dono recebera altas propostas para vendê-lo, porém, todas recusadas. Dizia ele: “Não vendo
por nada deste mundo. Amigo fiel como ele, não existe em toda querência.”
Certo dia, numa tarde de sábado, muito
ensolarada, saindo do sítio e ao chegar à cidade, Ditinho parou no “Bar da Cebolinha”,
assim era chamada Esmeralda, a proprietária. Defronte o bar havia uns troncos para
amarrar os equinos, conhecidos como “pau de amarrar égua”. Ditinho, de descendência
gaúcha, apeou do “My Love” e, como de costume, amarrou-o ali.
Já dentro do bar foi logo pedindo uma cerveja gelada, breja para os botequeiros inveterados. Conversa vai e conversa vem, a
hora foi passando. Debaixo de um sol escaldante de verão, o “My Love” suava
mais que sovaco de aleijado. Ao ver o sofrimento do amigo fiel, Ditinho pediu ao
balconista que servisse uma garrafa de breja gelada ao tordilho manga larga. Nem
é preciso dizer todos ali, ficaram atônitos.
Lagartixa, o balconista magricelo, ironizou,
dizendo: “Se o ‘My Love' beber eu danço na boquinha da garrafa”. Portanto,
recusou-se em servir o animal, que suava por todos os poros, naquele sol
escaldante, preso no “pau de amarrar égua.” Aquilo soou como uma afronta ao
Ditinho e ele completou de forma ríspida: “Se você não vai até ele, ‘My Love’
vem até aqui”.
Para isso, bastou um assovio. O animal, como
num toque de mágica, se desfez da corda que o prendia no “pau de amarrar égua”
e, após dar uma gostosa relinchada, foi adentrando ao “Bar da Cebolinha”. De
imediato, o dono apanhou outro copo e logo foi servindo o amigo fiel. Todos os
incrédulos ficaram boquiabertos com aquela cena dantesca.
Depois de consumirem, isto é, Ditinho e “My
Love”, umas quatro garrafas de breja gelada, o tordilho manga larga deu uma
piscada e aproximou o beiço encostando ao ouvido do seu dono querido. Como que traduzindo a conversa,
Ditinho disse para Lagartixa, o balconista magricelo: “Ele está perguntando se tem algum
tira gosto (petisco) para comer, junto com cerveja?” Então, como num só
coro, a gargalhada foi geral. Até tomar cerveja, tudo bem; mas pedir um tira gosto,
aí é demais.
Não tardou e a estória correu de boca em boca e
empesteando a cidade. Lugar pequeno sabe como é. Quiseram chamar a mídia
(imprensa). Mas como Ditinho e “My Love” tinham ojeriza a holofotes e ao
estrelato, a ideia foi descartada. Para isso, bastava a Rádio Peão
(fofoqueiros), cujo slogan era: “Rádio Peão – Aquela que não deixa você na
mão”.
Aquele acontecimento folclórico e pitoresco
ficou tão enraizado na memória dos meus conterrâneos, que resolveram mudar o
nome do “Bar da Cebolinha” para o “Bar do Tordilho”. E então, "Bar do Tordilho" se
chamou.
Outra hora, se assim Deus me permitir, contarei mais peripécias de “My Love”, o tordilho manga larga.
Até mais ver. Inté!
Peruíbe SP,12 de
janeiro de 2022.
Um comentário:
Crônica gostosa de ler. Texto leve que prende a atenção! Muito bom!
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