sábado, 1 de janeiro de 2022

A VELHA GUARDA

Adão de Souza Ribeiro

                   Se tem uma coisa que devemos preservar é a história, quer seja pessoal, de um lugar ou de fatos ocorridos no passado. Conta à lenda, isso desde os primórdios tempos, que um povo que não cultua a sua memória, está desgraçadamente fadado ao esquecimento.

                        Quando, por exemplo, guardamos fotos ou objetos (relíquias) da família, não somos só saudosistas, mas, acima de tudo, respeitadores daquilo que nos forjou ao longo da vida. Entristece ao ver, quando em nome do progresso, derrubam casas centenárias para cederem lugar a arranha-céus. Quem ignora o passado, não merece respeito.

                        E foi com esse espírito, que um grupo de amigos, irmanados pela saudade dos tempos idos, reuniram-se na Galeria de Fotos, lá na minha Terra Natal. Enéias – o anfitrião - encarregou-se da organização e dos preparativos.  Com amor e maestria, que lhe é peculiar, agraciou-nos com os comes e bebes. Diga-se de passagem: deliciosos!

                        Aos poucos, foram chegando os convivas. Apertos de mãos, abraços, regados com sorrisos nos rostos, estampava a felicidade pelo reencontro. Na maioria deles, já todos sessentões, denunciados pelos cabelos brancos e disfarçadas rugas, voltavam a serem crianças, ou melhor, recordavam dos tempos de crianças, correndo pelas ruas descalças do lugarejo.

                        Lá no interior da Galeria, fotos fixadas e estampadas em painéis, contavam o que aconteceu ano a ano, com a terra amada. À medida que chegavam mais amigos, os tímidos, juntos com os demais, passaram a narrar fatos reais e pitorescos, ocorridos ali naquele pedaço de chão sagrado. Não é redundância dizer que a felicidade tomou conta de todos.

                        Um dos presentes fez-me lembrar do amor platônico. Eu gentilmente desconversei e não declinei o nome. Não quis causar constrangimento a ela, embora não estivesse presente. São coisas da infância e que só existe no meu mundo imaginário e lá deve permanecer para sempre. Se me inspirar novas poesias, está de bom tamanho, concorda?

                        Foi assim que eu, por ter deixado a Terra Natal, há mais de cinco décadas, tomei conhecimento de que muitos conterrâneos queridos partiram antes do combinado. Antes de me aportar ali, estive com a Excelentíssima Senhora Márcia Helena Pereira Cabral Achiles, Prefeita Municipal, a qual me recebeu com muito carinho, o que me deixou lisonjeado.

                        Aqui deixo registrado o nome dos presentes: Enéias da Silva (Néia), Norival dos Anjos (Noca), Fritz Loosli Junior (Piti), Martin Loosli, Mário Pereira (Marinho), Olga Pereira (Orguinha), Jovair Achiles (Jô), Douglas Nogueira da Silva, Roberto Vitório de Lima (Ticão), José de Matos (Zé Largarto), João, Sueleni Tucura, Marcos Antônio Ansanello, Maria Helena Achiles (Leninha), Agnaldo Gramostin, Cássia Gramostin, Diego Esteves, Luiz Carlos de Souza Ribeiro e eu, claro! Ao declinar os nomes, não os fiz por acaso, mas, sim, para ficar registrado à posteridade.

                        As casas comerciais, da Rua Duque de Caxias, que há muito anos cerraram suas portas, sepultando o glamour que ali existia, fixavam os olhares em nós, como querendo saber o que estava acontecendo. Até parece que, como nós, queriam matar a saudade das pessoas, as quais partiram em revoada, em busca de aventuras, em terras alheias. Elas - as casas - choravam em silêncio, pelo triste abandono sofrido.

                         "Mas ela sabe que depois que cresce/ O filho vira passarinho e quer voar.", da música: No dia em que saí de casa, de Zezé Di Camargo e Luciano. Deixar a velha casa (Guaimbê SP), rumo ao desconhecido, doeu demais. A dor maior foi a saudade remoendo nosso sentimento e a distância de um povo, que só sabia amar. 

                        As longas dez horas de viagem e a expectativa da chegada a Guaimbê SP, minha Terra Natal, foram compensadas pelo acolhimento carinhoso, daquele povo que tanto amo. Eu sei que há uma infinidade de guaimbeenses mundo afora, os quais eu gostaria de revê-los, mas não faltarão oportunidades.

                        Piti, meu parceiro de carteiras duplas, quando estudávamos o primário, no Grupo Escolar “José Belmiro Rocha” – 1967 a 1971, e o Noca, estavam lá. Eu esforcei-me e driblei a emoção para não chorar. Como diz minha mãe, já octogenária: “Filho, você é uma manteiga derretida. Chora à toa”.

                        Cada um dava sua contribuição, ora recordando das traquinagens de infância, ora lembrando de casas que não existem mais. Alguém, no meio da conversa, contou o causo de um caipira que entrou num bar, com cavalo e tudo. Eu prometo que vou procurar saber melhor sobre o acontecido, para poder ipsis litteris, reproduzir a história.

                        Um encontro que começou ao entardecer ganhou noite adentro e, por isso, nem percebemos a hora passar. Nem mesmo a doença com a qual fui acometido, privou-me o direito e o prazer de estar lá na Terra Natal. Permita-me dizer: “Eventos como aquele, deveriam ocorrer todos os anos”. Assim a imortalidade daquele lugar sacrossanto, não se prenderia apenas às narrativas deste contador de causos.

                        O que envelhece são nossos corpos carcomidos pelo tempo impiedoso e não nossas doces e eternas memórias e assim ouso afirmar que: “Nós somos os eternos jovens da VELHA GUARDA!”.

 

Peruíbe SP, 31 de dezembro de 2021.

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